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Procedimentos metodológicos

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Os objetivos do trabalho exigem, em primeiro lugar, um acompanhamento relativamente longo de como o programa Fantástico aborda os assuntos científicos. Porém, trata-se de um programa que, em 2003, completa 30 anos de exibição ininterrupta. Sendo assim, evidentemente tornou-se necessário um recorte temporal que permitisse a realização da pesquisa. Assim, foram analisados os programas veiculados no ano de 2002.

Entretanto, esse recorte ainda não seria suficiente, pois abrange 52 programas, com duração de duas horas e meia cada, o que totaliza 130 horas de material para análise. Por isso, elaborou-se uma seleção de alguns programas veiculados ao longo do ano. Com o objetivo de diminuir a possibilidade de viés na escolha dos programas a serem analisados, optou-se pela adaptação da técnica da semana construída (RIFFE; AUST, FLACY, 1993) para selecionar aleatoriamente os programas que serão analisados.

A técnica da semana construída, aplicada inicialmente para análises de conteúdo de jornais, consiste em selecionar um período relativamente longo de tempo e, em cada semana desse período, selecionar o conteúdo de um dia específico. Por exemplo, num período de dois meses, na primeira semana será selecionado o conteúdo do sábado, na segunda semana o do domingo e assim sucessivamente.

Embora a análise do discurso não trabalhe com amostras, uma vez que é possível buscar em todo e qualquer texto seus elementos constituintes e as intenções nele implícitas, para esse trabalho considerou-se importante a seleção de uma amostra representativa do programa para que fosse possível responder de maneira mais segura às perguntas propostas. Isso porque, trata-se de um programa semanal e é natural que entre um programa e outro ocorram certos matizes no discurso. Assim, uma das questões importantes para a utilização da técnica da semana construída, a determinação do período necessário para que se tenha uma amostra satisfatória, foi considerada. Concluiu-se que, nesse estudo em particular, deveríamos trabalhar com material de um ano, já que nesse período todas as eventuais mudanças editoriais marcadas pela sazonalidade seriam contempladas.

Ainda assim, determinados programas do ano são extremamente atípicos, em função de datas comemorativas ou eventos importantes. Em 2002, além dos programas veiculados no carnaval e próximos a natal e ano novo, ocorreram diversos outros motivos de atipicidade, como a Copa do

Mundo de Futebol e as eleições presidenciais. Para dar um exemplo de como a pauta do programa se altera em função desses eventos, comparou-se o programa veiculado no dia 06 de outubro, data das eleições presidenciais, com o programa de 17 de março, sem influência de nenhum evento especial.

Programa do dia 06/10/2002

Brasil Grande circo eleitoral - Os excêntricos*

Comportamento Você é o que você veste

Consumo Como negociar suas dívidas*

Brasil O poder dos boatos

Gente Gisele Bundchen cai do salto

Cultura Paralamas cantam "Cuide bem do seu amor"

Brasil Filme reconta a tragédia do ônibus 174

Internacional Os náufragos

Brasil Sopa de letras dos partidos brasileiros*

Brasil Memória eletrônica: JK e Jango recebem os diplomas*

Brasil Memória eletrônica: A eleição de 1955*

Gente O primeiro voto de Sandy & Junior*

Gente Eleitoras graças a avanços da medicina*

* Matérias relacionadas às eleições.

Programa do dia 16/03/2002

Retrato Falado Surpresas da vida

Denúncia Gasolina falsificada

Comportamento Uma desconhecida dentro de casa

Internacional A farsa da superfetação

Ciência Cor da pele dos filhos: a explicação da genética

Internacional Os monges da Tailândia

Gente O novo casamento de Liza Minelli

Religião e Esoterismo

Farsas do além - Cientistas desvendam fenômenos paranormais

Internacional Chega ao fim a aventura de Arthur Omar

Crônicas O show de Alanis para o Fantástico

Como se pode notar, a pauta de março foi bastante eclética, enquanto que no dia das eleições, 7 de 13 matérias (50% do programa) foram dedicadas a temas relacionados a eleições.

Como esse trabalho não visa mensurar a cobertura científica, mas sim o tratamento que se dá ao discurso dessa cobertura, optou-se por iniciar a seleção pelo segundo programa do ano e, a partir daí, manter o padrão estabelecido. Como se pode notar, essa opção evita que 25% do material seja coletado em dias com pautas muito influenciadas por datas ou eventos especiais.

1a. Opção de seleção 2a. Opção de seleção

Semana Dia Semana Dia

Janeiro 1 6 – Primeiro programa do ano 2 13

Fevereiro 2 10 – Carnaval 3 17 Março 3 17 4 24 Abril 4 28 1 7 Maio 1 5 2 12 Junho 2 9 3 16 Julho 3 21 4 28 Agosto 4 25 1 4 Setembro 5 29 2 8 Outubro 1 6 – Eleições 3 20 Novembro 2 10 4 24 Dezembro 3 15 1 1

Uma vez selecionados os programas para análise, foi feita uma seleção das matérias com conteúdo relacionado à ciência. O primeiro critério de seleção foi a avaliação da própria equipe de produção do programa.

As reportagens do Fantástico são divididas em 13 editorias:

• Ciência • Gente • Aventuras e esportes

• Saúde • Religião e Esoterismo • Especiais

• Denúncia • Comportamento • Crônicas

• Cultura • Consumo • Internacional

• Brasil

Todas as matérias das editorias Ciência e Saúde foram consideradas nesse estudo. Entretanto, como salienta OLIVEIRA (2002, p.47),

(...) ao contrário do que muitos pensam, o jornalismo científico não se restringe à cobertura de assuntos específicos de C&T, mas o conhecimento científico pode ser utilizado para melhor compreender qualquer aspecto, fato ou acontecimento de interesse jornalístico. Assim, a informação científica pode estar presente em qualquer editoria: geral, de política, de economia e até de polícia e de esportes.

Sendo assim, todas as matérias de outras editorias foram submetidas a uma análise que determinou se eram ou não pertinentes ao trabalho. Essa análise se baseou em quatro perguntas:

Q Cientistas participam da matéria?

Q Dados científicos são expressamente citados na matéria? Q Instituições de pesquisa são expressamente citadas na matéria?

Caso pelo menos uma das respostas fosse positiva, a matéria foi considerada de interesse para esse estudo.

Embora todos os programas Fantástico do ano de 2002 estejam gravados em fitas VHS, um importante suporte à pesquisa foi o website do programa, que disponibiliza um arquivo com todos os programas, desde dezembro de 2001. Naturalmente, nem todo o conteúdo do programa está disponível, porém, de maneira geral, é possível acessar as reportagens exibidas. No website estão disponíveis tanto os vídeos das matérias como sua transcrição. Essas transcrições não são exatas, mesmo assim, esse material foi de primordial importância, pois diminuiu consideravelmente o tempo de seleção e transcrição das fitas.

Após esse processo de seleção, o material foi submetido a um protocolo de pesquisa (em anexo), que ajudou a detectar padrões na cobertura dada a temas de ciência e tecnologia, numa breve análise de conteúdo que serviu de subsídio para a realização da análise do discurso.

Embora o protocolo dedique alguns tópicos ao conteúdo das matérias, análises mais profundas sobre esse conteúdo serão possíveis com a transcrição dos textos. Assim, o protocolo se atém principalmente a aspectos que escapam da transcrição da fala dos participantes da reportagem, tais como o ritmo da edição e o uso de trilha sonora.

Outras formas de descrever o conteúdo dessas reportagens seriam possíveis. “A televisão é um meio audiovisual e deverá existir algum modo de descrever o visual, bem como a dimensão verbal. (...) É impossível descrever tudo o que está na tela e eu diria que as decisões sobre transcrição devem ser orientadas pela teoria” (ROSE, 2002, p. 349).

Eventualmente poderia-se optar por uma transcrição que unisse texto, imagens e som. No entanto, não parece produtivo faze-lo já que aumentaria e bastante o trabalho de catalogação e, ao fim e ao cabo, essa união já existe no próprio vídeo que está sendo analisado. Ainda segundo ROSE (2002, p.344), “(...) não pode haver um simples espelhamento do conjunto de dados na análise final. Processos de translado não dão origens a simples cópias, mas levam, interativamente, á produção de um novo resultado”. A análise final procurará levar em consideração a interação entre essas diferentes semióticas e sua influência no resultado final da matéria.

Um aspecto importante do discurso do Fantástico é que a multiplicidade de vozes, proposta por BAKHTIN (2000), deixa de ser uma abstração, na medida em que diversos autores contribuem diretamente para a construção de um discurso que se unifica no momento da transmissão. Assim, o

trabalho não analisará o discurso de um determinado repórter ou a participação de um cientista, mas sim como se costuram as falas de cada um desses personagens, de maneira a formar um discurso que, como se abordará mais adiante, é reconhecido como o discurso do programa.

Há que se fazer uma diferenciação inicial entre os diversos atores que pode contribuir para a construção do discurso, diferenciando aqueles que têm uma orientação comum, pelo menos em princípio, daqueles que não necessariamente compartilham dessa orientação.

Entre os sujeitos com orientações comuns podemos citar os funcionários da Rede Globo que compuseram a matéria, um ou mais repórteres, editores, artistas gráficos, sonoplastas, entre outros. Essas pessoas acrescentam diretamente conteúdo à matéria e, embora tenham diferentes visões de mundo e posturas frente ao tema tratado, passaram por um processo que pretende diminuir divergências. A matéria provavelmente saiu de uma reunião de pauta, onde foram discutidas as diretrizes gerais para sua execução, posteriormente discussões similares devem ter ocorrido no momento de edição e sonorização. No entanto, se o processo de produção visa unificar vozes, não é certo que consiga fazê-lo. Assim, torna-se importante analisar em que medida há vozes destoantes entre esses sujeitos.

Por outro lado, pessoas desligadas do processo institucional de produção dessas matérias também contribuem para seu conteúdo. São os especialistas ou até mesmo leigos que participam de sua construção, mas que não pertencem ao pessoal da emissora e não têm seus textos previamente preparados. Evidentemente, todos os processos analisados pelo protocolo podem moldar a participação desses sujeitos, o recorte das falas, a contraposição com outros argumentos, a matização com trilha sonora, são alguns dos fatores de interferência. Com isso, cabe averiguar se há marcas que indiquem a discrepância ou o acordo entre esses dois tipos de sujeito e qual seu efeito no discurso final.

É na superfície dos textos que podem ser encontradas as pistas ou marcas deixadas pelos processos sociais de produção de sentido que o analista vai interpretar (...) A análise do discurso não se interessa tanto pelo que o texto diz ou mostra, pois não é uma interpretação semântica de conteúdos, mas sim como e porque o diz ou mostra (PINTO, 1999, p. 22-23). Se as diferentes vozes presentes no discurso do Fantástico indicam discrepâncias importantes, é preciso analisar ainda os motivos que as produzem. Sem dúvida há que se levar em consideração a intenção de cada um dos participantes desse coro, bem como o tipo de discurso em que costumam se expressar e, porque, ainda assim, tais discrepâncias podem passar despercebidas numa análise menos acurada.

Embora pelo menos duas formas de mediação tenham sido propostas pela análise de discurso, em geral a mais aceita é a da prática discursiva. “Em cada um dos níveis de contextualização já acima apontados, o contexto força o texto resultante a ter determinadas

características formais e conteudísticas, mais ou menos rígidas, conforme o grau de ritualização do processo comunicacional” (PINTO, 1999, p. 47). Caso o participante do ato comunicacional não siga as convenções estabelecidas, ele corre o risco de não ser compreendido ou até receber sansões, já que o processo comunicacional fica truncado. Essas normas e convenções podem ser modificadas pela própria pressão do contexto social, até mesmo sem que os agentes dessa mudança se dêem conta disso.

Um segundo nível de mediação por práticas discursivas está nos processos institucionais de produção e consumo de textos – rotinas editorias, hábitos da família para ver televisão – são muitos os fatores relacionados com as organizações - empresas jornalísticas, por exemplo - que influenciam e até determinam a codificação dos textos.

Como toda técnica, as rotinas e procedimentos profissionais são em geral considerados ideologicamente neutros por seus usuários, mas é por meio deles que os participantes num processo de comunicação constroem suas identidades e relações mútuas e selecionam os conteúdos que estarão em jogo no evento comunicacional (PINTO, 1999, p. 49). Como o acesso às praticas discursivas é extremamente desigual em função das barreiras e restrições sociais, falar em liberdade de expressão é um mito, já que a maioria das pessoas ocupa posições subordinadas, sem acesso às formas de discurso mais prestigiosas. Entretanto, nem os produtores nem consumidores dos textos têm consciência do alto nível de determinação externa do discurso.

A consciência dessas mediações, no entanto, parece não estar presente naqueles que ouvem, vêem ou lêem o relato e, sobretudo naqueles que emitem. Isso se dá porque as pessoas, em geral, consideram ter uma visão ‘objetiva’, isenta e imparcial do mundo e as mediações presentes no processo de construção do relato, que podem desvia-lo, parecem ter sido absorvidas como normais (BACCEGA, 1998, p.53).

Por fim, a construção do sentido não pode ser inequívoca, uma vez que a interpretação de todo e qualquer texto depende de seu contexto e, mais do que isso, eles não surgem isoladamente, mas formam redes ou séries de seqüência ou oposição, a mesma marca encontrada em superfícies textuais produzidas em condições diferentes pode ter interpretações diversas.

Com isso, a pretensão de um discurso jornalístico neutro, no qual o autor se esconde nos fatos, demonstra apenas a tentativa, consciente ou não, de esconder os fatores que determinaram esse discurso. O fato de se exigir do comunicador esse discurso ‘esvaziado’ mostra-nos com clareza que o discurso jornalístico quer esconder o processo social que possibilitou a escolha daquele fato para se transformar em notícia (BACCEGA, 1998, p.53), ou ainda do enfoque dado a esse fato, a seleção lexical utilizada, enfim, dos componentes carregados de ideologia que todo discurso possui.

C

APÍTULO

II – B

EM VINDOSAO SHOWDAVIDA

Para a realização de um estudo baseado na análise do discurso, a contextualização histórica é fundamental, uma vez que o processo de enunciação é parte da construção social. Como ressalta GILL (2002, p. 245), para a análise do discurso é essencial “o reconhecimento de que as maneiras como nós normalmente compreendemos o mundo são históricas e culturalmente específicas e relativas”. Com isso, para analisar o discurso presente no programa Fantástico, é importante considerar aspectos que lhe são peculiares, como a longevidade e o prestígio do qual desfruta junto ao público. Essas duas características só podem ser compreendidas do ponto de vista histórico.

É na história, tanto do Fantástico como da Rede Globo, que se encontram elementos que justificam alguns aspectos relevantes do atual formato do programa e, ao mesmo tempo, embasamento para uma interpretação do discurso sobre a ciência nele presente. Explicações para a linguagem utilizada, para a seleção de temas ou mesmo pelo interesse demonstrado por temas científicos.

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