• Nenhum resultado encontrado

Nasce a Vênus Platinada

No documento Download/Open (páginas 39-43)

A primeira transmissão da Rede Globo se deu no dia 26 de abril de 1965 (OLIVEIRA SOBRINHO, 2000, p. 301), quando foi ao ar pela primeira vez o canal 4, ainda com transmissão restrita ao Rio de Janeiro. Essa foi a primeira concessão obtida pelo fundador das organizações Globo, Roberto Marinho que, à época, já era proprietário do complexo editorial “O Globo”.

No entanto, o início da história da Rede Globo remonta a alguns anos antes, 1962, quando Roberto Marinho assinou os dois primeiros contratos dos polêmicos acordos com o grupo Time-Life. O primeiro contrato, válido por onze anos, tornava o grupo Time-Life sócio da TV Globo, com uma participação de 30% de seu capital. O segundo era um contrato de assistência técnica, pelo qual o grupo americano se comprometia a auxiliar a montagem da emissora brasileira, além de oferecer treinamento ao seu pessoal (POLACOW, 2000, p. 8).

O cerne da polêmica está na ilegalidade dos acordos, que segundo POLACOW (2000, p. 76), Violavam o Código Brasileiro de Telecomunicações, O Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Herz, 1991, p.107) e o artigo 160 da Constituição brasileira de 1946 (que vetava a estrangeiros a participação na orientação intelectual e administrativa em empresas jornalísticas ou de radiodifusão no Brasil).

Para esse trabalho é importante compreender porque esse acordo foi possível e mantido durante um período relativamente longo, apesar de sua flagrante ilegalidade, já que esse foi um aspecto fundamental para o desenvolvimento da Rede Globo, que culminou num cenário de quase monopólio nas décadas de 70 e 80 (BORELLI e PRIOLLI, 2000, p. 20).

Pode-se considerar os acordos Time-Life como um marco na substituição de um grande império de imprensa, os Diários Associados, de Assis Chateaubriand, por outro, as Organizações Globo, de Roberto Marinho. Porém, essa substituição não é mecânica, e não se deveu apenas a esse fator. Ela representa, na verdade, as profundas mudanças vividas pelo país ao longo da década de 60.

Falamos do período da guerra fria, quando a presença de grupos estrangeiros na América Latina, americanos em particular, era crescente; tanto por uma estratégia de ganhar novos mercados, como para defender essa região da influência Soviética (POLACOW, 2000, p.10).

Aliados a isso, o Brasil passava por um período de forte urbanização, calcado inicialmente na política desenvolvimentista de Kubitschek e continuado pelo período do Milagre Econômico da ditadura militar. O que, em longo prazo, seria determinante na definição das características do público televisivo. Um público de classe média urbana, para o qual o Padrão Globo de Qualidade foi um atrativo importante.

Os acordos da empresa de Roberto Marinho com o grupo Time-Life, foram duramente criticados na época, embora não fossem os únicos casos de entrada de capital estrangeiros em grupos de mídia brasileiros.

Em primeiro lugar é preciso lembrar da entrada das agências de publicidade internacionais no Brasil, iniciada já na década de 20, com a chegada das primeiras filiais de agências americanas ao país. Essas agências, a exemplo de multinacionais de outros setores, vêm no mercado externo uma saída para a crise que afeta o mercado americano a partir do crack da bolsa de Nova York (QUADROS JUNIOR, 2001).

É importante notar que essas agências trabalharam principalmente com multinacionais e que, em certa medida, são as responsáveis por uma considerável parcela da dos recursos que irrigam a mídia brasileira.

Já é possível detectar a preocupação com a influência de anunciantes na imprensa no início do século XX, nos estudos do sociólogo Max Weber e do economista Karl Bücher, ocupados em estudar as relações capitalistas que envolviam os jornais e suas conseqüências socioeconômicas, uma vez que os meios, nesse período, já passavam a exercer forte influência na sociedade (BETH e PROSS, 1987).

O jornal é uma empresa comercial que cria espaço publicitário como mercadoria, o qual só pode ser comercializado em função de uma parte redacional. (...) O empresário não persegue, como alguns ingênuos acreditam, representar nele (o jornal) interesses públicos e difundir conquistas culturais, mas sim conseguir lucro com a venda do espaço publicitário. O conteúdo redacional do jornal não é para ele mais do que um meio que aumenta os custos para conseguir esse objetivo (...) (BUCHER, K. apud BETH e PROSS, 1987, p.16) [tradução nossa].

Excluídos os eventuais exageros ideologicamente motivados da afirmação acima, o fato é que os meios de comunicação se desenvolveram efetivamente como empresas capitalistas, com enormes interesses comercias e tanto conteúdo quanto forma guardam relação direta com os interesses de anunciantes. A lógica básica das empresas de mídia é manter a maior audiência possível, de modo que o veículo seja mais atrativo para receber verba publicitária. Assim, a influência dos anunciantes se daria indiretamente, por meio da aceitação ou não do público que, em última instância são os consumidores potenciais desses anunciantes.

Entretanto, não são poucos os casos de influência direta de patrocinadores no conteúdo de programas televisivos, por exemplo. Particularmente nos anos 90, o que se viu foi uma explosão de projetos de mídia patrocinados por alguma corporação, que abriram espaço para uma influência ainda mais direta de anunciantes na programação.

(...) Esse foi o papel que a Heineken desempenhou na música britânica e no programa de música jovem Hotel Babylon, que foi ao ar na 1TV. Em um incidente constrangedor em janeiro de 1996, vazou para a imprensa um memorando de um executivo da Heineken onde ele censurava os produtores por ‘Heinekenizar’ de forma insuficiente o programa quando ele estava no ar. (KLEIN, 2002, p. 64.)

Essa lógica se aplica também ao Brasil, principalmente a partir das décadas 50 e 60, período em que, como já foi mencionado, inicia-se um processo de profissionalização da mídia, em função do aporte de capital e no interesse na formação de um novo mercado consumidor urbano. Caso exemplar foi o do Repórter Esso, importante noticioso patrocinado pela Esso Standard Oil, que por ocasião do escândalo Time-Life, foi transferido de sua emissora original, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, para a Rádio Globo, sob veementes protestos de Chateaubriand. (POLACOW, 2000, p. 61. e TAVARES, 1999, p. 152)

Os acordos Time-Life, embora não tenham sido a única manifestação desse processo, demonstram de forma exemplar as mudanças que redesenharam lentamente o papel e a atuação da mídia no Brasil. A partir deles,

deixou de ser possível administrar a complexidade do setor de televisão nos moldes antiquados, personalistas, senhoriais e populistas de Assis Chateaubriand. Todo o mercado teve que se adequar à racionalidade moderna e tecnocrática, voltada ao êxito do capital. (POLACOW, 2000, p. 11).

Aqui, o grupo de Chateaubriand exemplifica quais eram os moldes em que atuavam os grupos de mídia de então.

Cabe ressaltar que os acordos Time-Life não foram facilmente aceitos, o próprio Chateaubriand lhe fez dura oposição, principalmente através de seus jornais, denunciando a ilegalidade dos contratos (POLACOW, 2000). Contudo, “(...) será muito difícil saber se, antes de iniciar campanha contra os acordos Time-Life, [os Diários Associados] tentaram fazer acordos com grupos estrangeiros, como afirmam Edmundo Monteiro e Gilberto Chateaubriand (...)” (POLACOW, 2000, p. 184). Isso demonstra que a forte oposição aos acordos não se restringia à defesa da legalidade, mas passavam pela percepção de que seriam fundamentais, em longo prazo, para a consolidação das empresas de mídia.

Os acordos foram desfeitos em 1969, em função das pressões sofridas tanto no ambiente interno – o escândalo da inconstitucionalidade – como no ambiente externo – o grupo Time-Life estava insatisfeito com os constantes prejuízos da nova emissora. Prejuízos, em grande parte, motivados pelos esforços que Roberto Marinho fazia para configurar uma rede nacional, com as compras das Tvs Paulista e Bauru. (POLACOW, 2000, p.82).

A nacionalização do capital da Globo, à parte todo o folclore que envolve o fim dos acordos – momento em que Marinho hipoteca seus bens para adquirir o controle total sobre a emissora – foi tão decisivo para a construção de sua hegemonia, como o fora a entrada de dólares no momento de sua criação.

Não seria demais registrar que a arrancada da TV Globo, seu grande salto rumo a consolidação da audiência, dar-se-ia num contexto de junção da modernização tecnológica das comunicações, do impacto de um período de estabilização econômica e da, por assim dizer, nacionalização da emissora (BORELLI e PRIOLLI, 2000, p.53) A entrada de capital estrangeiro foi fundamental num primeiro momento, não só o capital diretamente aplicado na Globo, que permitiu a construção de uma emissora com infra-estrutura moderna e profissionais treinados, mas também o capital que irrigou a economia brasileira, em função do projeto

do Milagre Econômico, que entre outros resultados permitiu que a população adquirisse aparelhos de televisão. Em 1968, a venda de televisores cresceu 47% em relação ao ano anterior. É importante salientar que, na década de 60, no Brasil ocorreu um crescimento importante das vendas a crédito. (BORELLI e PRIOLLI, 2000, p.54 e p. 96)

Porém, não foi só o aspecto econômico que possibilitou a construção do império Globo, fator fundamental foi sua adaptação aos momentos sociais e políticos da história do país. Como bem conclui POLACOW (2000, p. 184),

A longa hegemonia dos Diários Associados (desde 1924) acabou quando este grupo deixou de estar em sintonia com os moldes empresarias e de produção cultural modernos, e também com os interesses políticos daqueles que assumiram o poder depois do golpe de 1964 (...) Os antigos grupos deram lugar a outros, como o Globo, infinitamente mais identificados com a modernização e com os interesses políticos dos militares (...). Esse aspecto é fundamental também para a consolidação do discurso da Globo, uma vez que ele se prestava ao papel bastante específico de consolidar a integração nacional, via meios de comunicação.

É importante lembrar que as redes de televisão e, conseqüentemente, a Rede Globo, só se tornaram realmente viáveis através da Embratel, que colocou em funcionamento um moderno sistema de transmissão via satélite e microondas (BORELLI e PRIOLLI, 2000, p.52)

No documento Download/Open (páginas 39-43)

Documentos relacionados