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(1)DANIELLA RUBBO RODRIGUES RONDELLI. A CIÊNCIA NO PICADEIRO: UMA ANÁLISE DAS REPORTAGENS SOBRE CIÊNCIA NO PROGRAMA FANTÁSTICO. Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social São Bernardo do Campo - 2004.

(2) DANIELLA RUBBO RODRIGUES RONDELLI. A CIÊNCIA NO PICADEIRO: UMA ANÁLISE DAS REPORTAGENS SOBRE CIÊNCIA NO PROGRAMA FANTÁSTICO. Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de PósGraduação em Comunicação Social da UMESP-Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre Orientadora: Profa. Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves. Universidade Metodista de São Paulo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social São Bernardo do Campo - 2004.

(3) FOLHA DE APROVAÇÃO. A dissertação A ciência no picadeiro: uma análise das reportagens sobre ciência no programa Fantástico, elaborada por Daniella Rubbo Rodrigues Rondelli, foi defendida no dia ______ de _________________________, tendo sido: ( ) Reprovada ( ) Aprovada, mas deve incorporrar nos exemplares definitivos modificações sugeridas pela banca examinadora, até 60 (sessenta) dias a contar da data da defesa. ( ) Aprovada ( ) Aprovada com louvor. Banca examinadora:.

(4) SUMÁRIO. Introdução .............................................................................................................................. 10. Cap. I - Respeitável público, conheça nosso picadeiro ...................................................... 14 1.1 Análise de discurso ...................................................... ........................................... 17 1.2 Características da divulgação científica: entre o discurso científico e o discurso jornalístico ...................................................... ................................... 23 1.3 Procedimentos metodológicos 32 Cap. II - Bem vindos ao show da vida ................................................................................. 2.1 Nasce a Vênus Platinada ....................................................................................... 2.2 A campeã de audiência ......................................................................................... 2.3 Começa o Show da Vida ....................................................................................... 2.4 Mudando para continuar o mesmo ......................................................................... 38 38 42 45 50. Capítulo III – Malabarismo com as palavras e outros efeitos especiais .......................... 3.1 De mãos dadas com a ciência ............................................................................... 3.1.1 A ciência que explica ............................................................................. 3.1.2 A ciência aconselha ................................................................................ 3.1.3 A ciência que prova ................................................................................ 3.1.4 A ciência que investiga .......................................................................... 3.2 Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. .................................................................... 3.3 Em conflito com a ciência ..................................................................................... 3.4 Outras formas de mostrar ciência .......................................................................... 56 62 63 84 95 98 105 110 114. CAPÍTULO IV – A Ciência na corda bamba .................................................................... 122 4.1 Desmistificando o cientista? ................................................................................. 125 4.2 Ensinando ciência? ................................................................................................ 130 4.3 Divulgando ciência? .................................................................................................. 136 Concluões ............................................................................................................................... 139 Referências Bibliográficas .................................................................................................... 142 Anexos .................................................................................................................................... 145.

(5) A Trostki E. que enquanto pôde esquentou meus pés nas longas horas diante do monitor..

(6) Pãos ou pães, é questão de opiniães. Guimarães Rosa.

(7) AGRADECIMENTOS Especialíssimos a Patrícia e Rosângela, pela paciência, estímulo e carinho. A Alinne, Fernanda e Luana, por saberem estar longe quando foi preciso. Aos amigos de hoje e de ontem . Aos professores da UMESP, em particular minha paciente orientadora, por indicar caminhos..

(8) 7. RESUMO Esse trabalho visa elaborar uma análise crítica do discurso sobre ciência presente no programa Fantástico de televisão. Dentro da perspectiva da análise crítica do discurso, busca-se encontrar marcas que indiquem a intencionalidade do discurso, tanto de cientistas como de comunicadores, bem como discrepâncias entre a intenção e a comunicação efetivamente realizada, na medida em que todo ato comunicativo é permeado também pelas condições em que foram gerados e recebidos. Dentro desse marco, o trabalho identifica o programa como enunciador de um discurso que se tece a partir das múltiplas vozes que contribuem para sua a realização. A partir da identificação desse papel, a análise se volta para as características da informação científica nele presente.. PALAVRAS-CHAVE Comunicação; Análise do discurso; linguagem televisiva; divulgação científica; alfabetização científica; políticas de ciência e tecnologia.

(9) 8. RESUMEN El presente trabajo tiene como objetivo realizar un análisis crítico del discurso sobre la ciencia presentado en el programa de televisión Fantástico. Dentro de las perspectivas del Análisis crítico del discurso, se intenta encontrar marcas que indiquen las diferencias entre la intención y la comunicación de hecho realizada, considerándose que todo acto comunicativo es moldeado también por las condiciones en que fueron generados y recibidos Bajo ese marco, el trabajo identifica el programa como enunciador de un discurso que se teje a partir de las múltiples voces que participan de su irrealización. A partir de la identificación de ese rol, el análisis se vuelve hacia las características de la información que aparecen en el programa.. PALABRAS-CLAVE Comunicación, Análisis del discurso; lenguaje televisivo; divulgación científica; alfabetización científica; políticas de ciencia y tecnología.

(10) 9. ABSTRACT This work intends to make one critical analysis of the discuss about science in the Fantástico television program. By the critical analysis perspective, the work tries to find signs that show the intention of both scientists and communicators discuss as well as the differences between the intention and the effective communication, as every communicative act is full of the conditions in that it was made and received. The work identifies the program as an enunciator of a discuss that is constructed by multiple voices that contribute to its construction. Since this role is identified, the analysis turns to the characteristics of the scientific information inside it.. KEY WORDS Communication; Discuss analysis; television language; scientific divulgation; scientific alphabetization; science and technology politics..

(11) 10. INTRODUÇÃO A autora desse estudo é uma legítima representante da geração vídeo-clipe, uma geração que passou horas na televisão vendo performances de bandas de rock, uma das quais levou legiões de jovens a cantarem a todo pulmão: “a televisão me deixou burro, muito burro demais” (TITÃS, 1985). Por outro lado, foi na escola que membros dessa mesma geração tiveram contato com a poesia de Fernando Pessoa que diz: Estudar é uma coisa em que está indistinta A distinção entre nada e coisa nenhuma (PESSOA, 2002).. Essa é, no mínimo, uma contradição curiosa: enquanto a própria televisão propagava os riscos de seus efeitos alienantes, a escola colocava em cheque seus princípios pelas palavras de um dos autores mais respeitados da língua portuguesa. Essa inquietante contradição, mais do que um incitamento para a realização desse trabalho é uma síntese interessante de alguns de seus pressupostos teóricos. O primeiro deles é a importância da enunciação para compreensão de enunciados. Assim, a afirmação de uma banda de rock dizendo pela televisão que ela o ‘emburreceu’ é muito diferente da mesma afirmação saindo da boca de um catedrático. O mesmo vale para a problematização do estudo – e do ensino - levada a cabo dentro da própria escola. A partir desse pressuposto, surgem outras possíveis interpretações para essas afirmações, interpretações que podem ir da autocrítica à ironia dos autores. A partir de então, cabe pensar qual é o lugar da transmissão do conhecimento em nossa sociedade, a criticada escola ou a criticada televisão? Além disso, outra pergunta é: que conhecimento precisa ser transmitido? MORIN (1999), ao falar dos conhecimentos necessários para um futuro viável, cita, entre outras coisas, a necessidade de um conhecimento que seja pertinente, que leve em consideração a.

(12) 11. ética e a condição humana - inclusive enquanto habitantes do planeta Terra - e a capacidade de afrontar incertezas. Por conhecimento pertinente podemos falar em toda informação que seja útil para que o indivíduo se situe e aja de maneira mais crítica em seu ambiente. Citando MORIN (1999), “A compreensão é ao mesmo tempo meio e fim da comunicação humana” [tradução nossa] Partindo desse princípio, é impossível negar a importância do acesso da população em geral ao conhecimento científico, especialmente do que vem sendo produzido na atualidade, afinal de contas, esse conhecimento vem influenciando de forma decisiva nas radicais mudanças que vem ocorrendo no modo de vida das pessoas. Por acesso ao conhecimento científico, naturalmente, não imaginamos que todos dominem os “segredos” dos números, da física ou da biologia. Mas é, sim, fundamental que haja consciência dos caminhos que a ciência vem trilhando e de que esses caminhos estão diretamente relacionados com nosso dia a dia. É preciso que o cientista deixe de ser visto como um personagem de filme no imaginário das pessoas e passe a ser mais um dos construtores do futuro; como cada um, independente de sua área de atuação, deveria considerar-se. O ser humano é, ao mesmo tempo, físico, biológico, humano, cultural, social e histórico. É esta unidade complexa da natureza humana que é completamente desintegrada no ensino, através de disciplinas, e se tornou impossível aprender o significado de ser humano. É necessário restaura-la de modo que cada um, onde estiver, tenha consciência e conhecimento de sua identidade complexa e de sua identidade comum com todos os outros humanos (MORIN, 1999) (tradução nossa).. Essa afirmação parece complementar as constatações de Freire ao que chamou de educação bancária. Contudo, o esforço para romper com essa fragmentação do conhecimento deve ultrapassar os limites da escola, uma vez que o indivíduo aprende e atua em muitos outros palcos. “A formação do aprendiz da sociedade do conhecimento não deverá ser restrita à escola e não poderá ficar a cargo somente do professor. Ela ocorrerá em todos os setores e aprender será a mais importante atividade do nosso dia-a-dia” (VALENTE, 1999, p.19). Se construir e compartilhar conhecimento são necessidades constatas, cabe perguntar que meios poderíamos utilizar para alcançar esse objetivo. Nesse ponto os meios de comunicação deveriam desempenhar um papel decisivo, como disse MOYERS (1999, p.10), “Um jornalista, é o que se diz, goza do privilégio de se educar em público; somos os felizardos a quem se permite gastar o tempo num contínuo curso de educação para adultos” Mas esse não é o seu único privilégio. O jornalista, e o comunicador de uma maneira geral, têm a possibilidade de entrar diariamente na casa das pessoas, normalmente com um índice de credibilidade altíssimo. A grande questão é o que vem sendo feito com esse privilégio..

(13) 12. Um estudo de 1987, encomendado pelo CNPq, indicou que 70% da população brasileira se interessa por ciência e tecnologia (OLIVEIRA, 2002). Não foram encontrados registros posteriores a esse, no entanto OLIVEIRA supõe que esse número deva ser ainda maior, na medida em que os avanços em ciência e tecnologia são cada vez mais determinantes do contexto social (2002, p.12). Entretanto, todo esse interesse, ao contrário do que costumam afirmar os magnatas da televisão, não se vê refletido na programação. Uma das exceções a essa realidade é o programa Fantástico, que tradicionalmente reserva um espaço considerável para reportagens relacionadas à ciência e tecnologia. É importante lembrar que em 2003 o Fantástico completou 30 anos de exibição ininterrupta e, ao longo desse período, a informação científica foi sempre um de seus pilares. Já no primeiro programa, em 05 de agosto de 1973, havia uma reportagem sobre a possibilidade de congelamento de pessoas com doenças incuráveis. Tema que já prenuncia o tom espetacular característico do programa e reforçado tanto pelo nome como pelo slogan, ‘o show da vida’. Relacionando o interesse do público por ciência, com o sucesso e a importância alcançados pelo Fantástico, já haveria uma excelente justificativa para o estudo. Entretanto, falta ainda uma questão primordial: a importância da divulgação científica para a sociedade e para a própria comunidade de pesquisadores. A ciência, ao contrário do que muitas vezes se faz crer, também é influenciada e influencia a política, especialmente se considerarmos que o cientista é tido como, a priori, uma autoridade incontestável. (...) C&T tem conseqüências comerciais, estratégicas, burocráticas, políticas, e igualmente na saúde pública; não nas margens, mas no âmago desses componentes essenciais do processo político. Democracia participativa requer cultura científica do eleitorado, para que este seja capaz de apoiar, ou não, as propostas e decisões de seus representantes, e de endossar ou não sua eleição (OLIVEIRA, 2002, p. 12).. Se a sociedade é diretamente afetada pelas políticas de C&T, evidentemente o mesmo ocorre com a comunidade científica, seja na concessão de verbas ou na aprovação de legislação que afete o setor. Entretanto, nem todos os cientistas são tão afeitos a esse esforço de divulgar ciência, alguns negando a influência política ou ideológica em seu trabalho, outros alegando que esse tipo de informação é muito ‘complicado’ para ser comunicado entre não iniciados. OLIVEIRA (2002) traça modos curiosos, mas bastante ilustrativos, dos cientistas relacionarem-se com a imprensa:.

(14) 13. Temos o cientista torre de marfim, que odeia falar com a imprensa e não acredita que os jornalistas de modo geral tenham competência para escrever sobre ciência; o cientista São Tomé, que fala, mas com grandes restrições, quer ver a matéria antes de ser publicada – o que é quase impossível no jornalismo diário -; o cientista socialite, que quer aparecer a qualquer custo e ás vezes mais fala com a imprensa do que pesquisa; e por último o cientista bom samaritano, o que tem a exata noção da dimensão social de seu trabalho e que vê no jornalismo científico a possibilidade de transmitir ao público a relevância que seu ofício pode ter para a sociedade (OLIVEIRA, 2002, p. 49).. Evidentemente, cada uma dessas posturas implica em uma atitude política que, confrontada com a atitude dos comunicadores, resultará em um discurso específico que poderá favorecer ou facilitar a divulgação científica e, conseqüentemente, influenciar a posturas da sociedade e dos governos em relação a esse tema. Portanto, dada a relevância da divulgação científica para a sociedade e as dificuldades encontradas, tanto por comunicadores como por cientistas, para desempenhar essa tarefa, é plenamente justificável o estudo do programa televisivo mais antigo e popular que se propõe a faze-lo. Evidentemente, seria possível utilizar diversas abordagens para estudar o Fantástico, nesse caso, a opção recaiu sobre a Análise crítica do discurso, porque, ao contrário do que se possa pensar tanto do discurso jornalístico como do discurso científico, ela parte do pressuposto de que nenhum enunciado é neutro ou livre de intenções e, para apreender tais intenções, é preciso levar em conta não apenas o que é dito, mas também como é dito. É com base nesses pressupostos que o estudo se desenvolve. No primeiro capítulo – Respeitável público, conheça nosso picadeiro - são apresentados mais detidamente os pressupostos que orientaram o trabalho e os procedimentos metodológicos utilizados. O segundo capítulo - Bem vindos ao show da vida – é dedicado a traçar uma breve história da Rede Globo e do programa Fantástico, já que essa história indica as origens de algumas das características presentes até hoje no discurso do programa. Malabarismo com as palavras e outros efeitos especiais – terceiro capítulo do trabalho - é dedicado à efetiva análise do discurso referente a matérias selecionadas. Nele a intenção é traçar um panorama amplo do tratamento recebido por essas matérias, evidenciando os recursos e posicionamentos do programa. Finalmente, no quarto capítulo - A Ciência na corda bamba – realiza-se um recorte no universo apresentado no capítulo anterior para que questões mais específicas da divulgação da ciência sejam mais objetivamente abordadas..

(15) 14. CAPÍTULO I - RESPEITÁVEL PÚBLICO, CONHEÇA NOSSO PICADEIRO Esse trabalho tem como objetivo estudar o tratamento dado ao conteúdo relacionado à ciência na televisão brasileira, mais especificamente no semanário Fantástico, produzido e transmitido pela rede Globo de televisão, que completou 30 anos ininterruptos de exibição em agosto de 2003. Seu objetivo é avaliar como se dá a divulgação científica para o grande público, levando em consideração que a linha editorial desse semanário, desde seu início, teve como uma de suas características veicular temas relacionados à ciência e, por outro lado, conta com grande audiência. Assim, sob a ótica da análise do discurso, pretende-se detectar as características da divulgação científica, considerando a relação entre o interesse por divulgar ciência e os apelos da manutenção da audiência. Um dos pioneiros das telecomunicações no Brasil, Roquete Pinto, vislumbrou no advento do rádio, um poderoso veículo de educação que atingiria um público jamais imaginado. Em sua mente, através do rádio, seria possível educar a distância pessoas que normalmente não tiveram acesso à escola, ou pelo menos, não pelo tempo desejável. Para ele, “o rádio é o jornal de quem não sabe ler; é o mestre de quem não pode ir à escola” (apud TAVARES, 1999, p.8). Tanto que a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro - primeira emissora de rádio do Brasil, se transforma, em 1936, graças a uma doação de Roquete Pinto, em Rádio Ministério da Educação e Cultura e é dedicada exclusivamente à educação. As telecomunicações, no entanto, se desenvolveram por outra rota e, embora ainda subsista de alguma forma o ideal da comunicação para a educação, pode-se dizer que o sonho de Roquete Pinto não se realizou, ao menos não com a magnitude que ele desejava. A comunicação de massa em geral, mais especificamente o rádio e a televisão, é encarada basicamente como meio de entretenimento e, muitas vezes, de alienação. Aqui é importante salientar que entretenimento não é sinônimo de alienação e, portanto, não há nenhuma incompatibilidade entre uma programação de qualidade e uma.

(16) 15. programação divertida e interessante. Como afirma MACHADO (2000, p.12), “(...) a televisão é e será aquilo que fizermos dela”. Infelizmente, essa não parece ser a concepção dos principais realizadores de televisão brasileiros, principais, do ponto de vista do volume de produção e do capital envolvido no processo. Constatar a pertinência dessa crítica é bastante fácil para qualquer um que dedique algum tempo para analisar a programação televisiva oferecida, especialmente pelos canais de rede aberta (os que têm maior audiência, mesmo entre as pessoas que possuem outras opções). No entanto, o maior problema não está na programação francamente de baixa qualidade e sem maiores pretensões do que a de fazer o tempo passar diante dos olhos dos telespectadores. Mais perniciosa é a programação dita séria, que conta com toda a credibilidade do telespectador, mas, na realidade, pouco contribui para sua (trans)formação. Muitas seriam as opções para averiguar essa afirmação; umas das mais interessantes é analisar como a ciência é tratada pelos meios de comunicação, dada a importância dessa área e as verdadeiras revoluções para as quais vem servindo de palco. Marcada pelo signo do espetáculo, que lhe valeu o codinome de circo eletrônico, a televisão tende a buscar, antes de tudo, bons índices de audiência. Segundo SIQUEIRA (1999, p.52), “Trabalhando com discursos textuais e imagéticos, a televisão veicula uma programação com forte aspecto espetacularizado. Essa estratégia, que visa aglutinar os múltiplos segmentos da audiência, atingiu os diversos tipos de programa, inclusive os telejornalísticos”. Dentro desse marco, a divulgação da ciência ganha aspectos delicados, em primeiro lugar porque a informação sobre ciência ainda é considerada como pouco atrativa pelos produtores de televisão daí, como lembra SIQUEIRA (1999, p.53), a tendência de exibir programas específicos sobre ciência em horários alternativos, com poucos ‘riscos comerciais’. Isso não impede que temas relacionados à ciência apareçam ao longo da programação, porém, nesse caso, são tratadas como curiosidade (SIQUEIRA, 1999). Para analisar a questão da divulgação científica, foi escolhido o programa Fantástico, um dos mais antigos da televisão brasileira e que conta com a grande audiência e respeito do telespectador, indispensáveis para essa análise. Aqui, busca-se verificar até que ponto o grande interesse pelas questões relacionadas à ciência demonstrado no programa - tanto que são abundantes as matérias sobre esse tema nele veiculadas - contribui efetivamente para popularizar o conhecimento científico que vem sendo gerado..

(17) 16. Note que aqui se utiliza o termo popularizar não no sentido negativo da palavra, (que em certos meios virou sinônimo de empobrecer), mas sim no sentido de tornar de domínio de todos, se não em sua totalidade, ao menos em seus fundamentos. Pretende-se, ainda, analisar a linha editorial definida para esse tipo de conteúdo, procurando detectar eventuais desvios entre as chamadas e o conteúdo das matérias. Desvios que, se confirmados, contribuiriam mais à mitificação da ciência no imaginário popular do que sua efetiva popularização. É importante salientar que essa última afirmação não é fruto de qualquer tipo de preconceito contra a televisão ou mesmo contra a divulgação da ciência por jornalistas ou comunicadores, bastante comum nos meios acadêmicos, principalmente os não ligados à área de comunicação. Como afirma BURKET (1990, p.9), Os escritores de ciência, especialmente aqueles que trabalham para os veículos de massa, tendem também a despir a ciência de muitas nuances. E são exatamente essas sutilezas que deliciam os cientistas e freqüentemente demonstram a outros cientistas o brilho de seu trabalho. Dessa forma, ao escrever para o público não-especializado, de uma maneira ou de outra, o escritor pode ficar vulnerável a acusação de supersimplificação.. Contudo, ao analisar metodicamente o conteúdo do programa em questão, não é possível ignorar que, em muitos momentos, essa tendência ao espetáculo, ao sensacional, se faz presente. Um exemplo típico é a matéria Milagre nos Estados Unidos, exibida no dia 17 de fevereiro de 2002. A reportagem conta a história de um garoto, vítima de congelamento, que passou mais de três horas sem nenhum sinal vital até ser ressuscitado pelos médicos. A matéria termina da seguinte maneira: A ciência estava errada (grifo nosso). Um ano depois Paulie é uma criança saudável, alegre, falante e cheia de energia. O pai diz que não sabe até onde foi resultado da medicina, até onde entrou a mão de Deus. Mas ele reza, todo dia, para agradecer a bênção de ter tido o filho de volta da morte.. O curioso nessa matéria é que, embora dentro da editoria de Saúde, não há nenhuma explicação sobre a hipotermia, que seria fundamental para compreender por que foi possível que o garoto sobrevivesse sem seqüelas, já que a baixa temperatura ajudou na preservação de seus órgãos vitais. A explicação sobre a atuação do trabalho dos médicos é muito superficial, como se não fossem eles os verdadeiros responsáveis pela recuperação do menino e, por fim, fica evidente uma extrema valorização do inexplicável, do divino, do miraculoso. No entanto, se realmente os médicos não tivessem qualquer esperança, não teriam sequer tentado o ressuscitamento. Como fica demonstrado, falar sobre um assunto nem sempre é esclarecer sobre ele; nesse caso, a forma escolhida para falar de ciência acabou obscurecendo esse conteúdo dentro da matéria..

(18) 17. Manchetes espetaculares, abordagens que tendem a procurar respostas prontas para antigas indagações, apenas contribuem para reforçar aquilo que os cientistas tentam superar, ou seja, uma certa mitificação que envolve a área. Poderíamos dizer que, dessa maneira, a ciência é tratada como uma personagem do grande circo criado pela televisão. Para um leigo, as palavras de um físico podem não estar muito distantes das palavras de um místico. Daí a importância do discurso da divulgação científica que, segundo o tratamento que receba, pode produzir efeitos contrários aos desejados. Pode estimular mais a crença que o pensamento crítico, promover mais a mitificação do que a popularização da ciência. Parte-se do princípio de que todo discurso é uma versão da realidade, uma versão que depende das condições em que esse discurso foi construído, das condições em que foi recebido e também da intencionalidade presente em toda forma de comunicação. Como defende KOCH (1995), a todo discurso é inerente uma ideologia, pois argumentar é o ato lingüístico fundamental. Assim, conclui-se que há intenção na produção de conteúdo científico na televisão. Entretanto, essa intenção é permeada por esses dois fatores fundamentais: as condições de produção e as condições de recepção. Considerando-se que o discurso científico exige competências específicas para sua produção e recepção, a hipótese desse estudo é a de que há um grande descompasso entre a intenção e a efetivação da divulgação científica que se dá no programa Fantástico. Cabe salientar, ainda, que o discurso do cientista, ao contrário de sua pretendida neutralidade, também é permeado por condições de produção e intenções de seus autores. SANTOS (2003, p.9) defende que “todo conhecimento científico é socialmente construído, que seu rigor tem limites inultrapassáveis e que sua objetividade não implica em sua neutralidade”. Com base nas teorias da análise crítica do discurso, busca-se detectar tanto na fala quanto no tratamento editorial dado às matérias científicas, aspectos que permitam verificar em que medida tais reportagens contribuem efetivamente para a divulgação científica e, por outro lado, quanto podem contribuir para sua mitificação.. 1.1 Análise de discurso A opção de elaborar uma pesquisa baseada na análise de discurso implica na execução de um recorte teórico cuidadoso, já que essa expressão não é unívoca, pode referir-se a vários enfoques e tradições teóricas distintas. “Análise de discurso é o nome dado a uma variedade de diferentes enfoques no estudo de textos, desenvolvida a partir de diferentes tradições teóricas e diversos tratamentos em diferentes disciplinas” (GILL, 2002, p. 244)..

(19) 18. PINTO (1999 p.09) reforça essa observação ao afirmar que “pela diversidade de enfoques, fica difícil, ou mesmo impossível, repertoriar ou fazer uma síntese de todas as tendências ou correntes que hoje em dia se interessam em algum tipo de análise de discurso”. Entretanto, oferece uma definição bastante competente dessa metodologia de pesquisa. A análise de discurso procura descrever, explicar e avaliar criticamente os processos de produção, circulação e consumo dos sentidos vinculados àqueles produtos da sociedade. Os produtos culturais são entendidos como textos, como formas empíricas do uso da linguagem verbal, oral ou escrita, e/ou de outros sistemas semióticos no interior de práticas sociais contextualizadas histórica e socialmente (PINTO, 1999, p.7).. Essa, sem dúvida, é uma descrição abrangente e não especifica as matrizes teóricas para a análise de discurso. No entanto, dá conta de explicar porque tradições tão diferentes, que passam de abordagens fortemente calcadas na lingüística, até abordagens inspiradas nos estudos culturais da Universidade de Birmingham (PINTO, 1999, p. 84), recebem a mesma denominação. Ainda nessa linha GILL (2002, p. 245) identifica a existência de pelo menos 57 variedades de análise de discurso e encontra para todas elas uma origem comum na crítica à ciência social tradicional, o que lhe confere uma base metodológica diferente. “Uma conclusão dessa posição epistemológica é que a análise de discurso não pode ser usada para tratar os mesmos tipos de questões como os enfoques tradicionais. Ela sugere, ao invés, novas questões, ou maneiras, de reformular as antigas”. Outra característica importante é a idéia de que todo conhecimento é uma construção social e, portanto, pode e deve ser analisado criticamente. “Os analistas de discurso não vêem os textos como veículos para descobrir alguma realidade pensada como jazendo além, ou debaixo, da linguagem. Ao invés disso, eles estão interessados no texto em si mesmo e por isso fazem perguntas diferentes” (GILL, 2002, p.251). Dentro desse marco amplo, a opção foi por trabalhar fundamentalmente com a análise de discurso francesa que “Define os discursos como práticas sociais determinadas pelo contexto sóciohistórico, mas que também são partes constitutivas daquele contexto (...) e cujas implicações políticoideológicas procuravam desvelar, de um ponto de vista crítico” (PINTO, 1999 p. 17). Essa linha de análise de discurso está, por um lado, relacionada com a lingüística e, por outro, com “a função das ideologias como constitutivas da produção/reprodução dos sentidos sociais, por força dos aparelhos ideológicos, desenvolvida por Louis Althusser” (PINTO, 1999, 17), ou seja, está vinculada a uma tradição fundamentalmente marxista. Contudo, o encontro dessas duas vertentes não é uma inovação da análise crítica do discurso, ao contrário, ela encontra suas bases na obra de Mikhail Bakhtin..

(20) 19. Sendo o signo e a enunciação de natureza social, em que medida a linguagem determina a consciência, a atividade mental; em que medida a ideologia determina a linguagem? (...) Bakhtin foi o primeiro a abordar essas questões, que a humanidade se colocou muitas vezes antes dele, numa perspectiva marxista. (YAGUELLO, 2002, p.14).. A análise de discurso vem sendo desenvolvida com base nas teorias e metodologias da semiótica, porém uma semiótica que se diferencia de etapas anteriores dessa disciplina, marcadas por sua relação com o estruturalismo, especialmente no que diz respeito à análise descontextualizada de textos. Para indicar essa diferenciação, agora se costuma usar a nomenclatura de semiótica social ou semiologia do discurso (PINTO, 1999). Para esse estudo, contudo, optou-se pela denominação análise crítica do discurso, expressão que deixa claro quais são as opções teóricas adotadas. Toda a análise de discurso parte de “produtos culturais empíricos produzidos por eventos comunicacionais entendidos como textos (...) é necessário que o analista dê uma atenção especial à ‘textura’ dos textos, quer quanto ao uso da linguagem verbal, quer quanto ao uso de outras semióticas” (PINTO, 1999, p.22). A análise do discurso não se dá, portanto, do ponto de vista simbólico ou icônico, é uma análise indicial, não se interessa pela interpretação do conteúdo, preocupa-se mais com o ‘como’ e o ‘porquê’ se diz ou mostra algo. “(...) a ela interessa explicar os modos de dizer (uso comunicacional da linguagem e de outras semióticas) exibidos pelos textos” (PINTO, 1999, p. 23). Teorias que se limitam a descrever as estruturas internas das frases não lhe oferecem embasamento apropriado, tal embasamento é obtido em teorias que conceituam o uso da linguagem em contextos. Essa opção metodológica evidencia que, para esse estudo, nenhum discurso, nem mesmo o científico, é desprovido de intenção. A própria definição dos cientistas do que seja ciência pode ser paradoxal. BURKETT, citando um estudo realizado em 1972 por Dietrich Schoroeer, lista pelo menos cinco definições de ciência: ·. “A ciência é o controle da natureza”.. ·. “A ciência estuda o mundo material”.. ·. “A ciência é o conhecimento público”.. ·. “A ciência é método experimental”.. ·. “A ciência consiste em deduções lógicas de muitas observações”. (BURKETT, p. 06-07,. 1990) Nenhuma dessas definições é suficiente para conter toda a gama de atividades chamadas consensualmente de ciência, nem mesmo a das chamadas ciências puras. No caso da primeira definição, por exemplo, ficam excluídas as pesquisas na área da cosmologia já que, estudar o cosmos não implica.

(21) 20. em controlá-lo. Ou seja, a própria concepção que o pesquisador tenha de ciência já será um fator fundamental para o desenvolvimento de seu trabalho. Um cientista que conceba ciência como conhecimento público dificilmente se dedicará a pesquisas que sejam realizadas e tenham seus resultados aplicados em sigilo, seja com fins militares, mercadológicos ou outro motivo qualquer. Sendo assim, é fundamental considerar a intenção, marcada pela ideologia, presente no discurso tanto do cientista como do produtor das matérias do programa Fantástico. Considerando ainda que essas intenções não são necessariamente as mesmas, que o discurso é constituído por múltiplas vozes que se unem na mensagem final veiculada todos os domingos. BAKHTIN (2002) levanta duas questões fundamentais para a análise do discurso: a influência do contexto e a multiplicidade de vozes presentes em um enunciado, uma vez que o signo é, em essência uma construção social. Todo signo, como sabemos, resulta de um consenso entre indivíduos socialmente organizados no decorrer de um processo de interação. Razão pela qual as formas do signo são condicionadas tanto pela organização social de tais indivíduos como pelas condições em que a interação acontece. (BAKHTIN, 2002, p.44). O postulado da unicidade do sujeito é tão aceito que, mesmo quando fica claro que o sujeito não é único – por exemplo, numa reportagem do programa Fantástico, que envolve dezenas de pessoas na sua produção – alguns analistas procuram reconstruir a unicidade evocando conceitos de autoria ou de responsabilidade pelo conteúdo. Entretanto, “para a análise de discurso, todo texto é híbrido ou heterogêneo quanto à sua enunciação, no sentido de que ele é sempre um tecido de ‘vozes’ ou citações, cuja autoria fica marcada ou não, vindas de outros textos preexistentes, contemporâneos ou do passado”. (PINTO, p. 27, 1999). Essa heterogeneidade aparece em dois planos que BAKHTIN denominou de polifonia e alguns autores preferem chamar de intertextualidade: a heterogeneidade mostrada, na qual é possível a identificação imediata da presença de outros textos, citados de maneira unívoca ou aludidos no texto em questão, por exemplo, as falas nas entrevistas e depoimentos que constituem uma reportagem, e a heterogeneidade constitutiva (ou plural do texto, ou interdiscurso): entrelaçamento de vestígios de outros textos preexistentes, muitas vezes sem a presença de traços que permita recuperá-los - como citações – e fruto de restrições sócio-culturais incontroláveis pelo autor empírico, por exemplo, o repertório do jornalista que executou a reportagem (PINTO, p. 27, 1999). “Nos dois casos, este entrelaçamento de citações é constitutivo dos textos vistos como discursos, já que todo texto se constrói por um debate com outros – o que foi denominado de dialogismo por Bakhtin” (PINTO, 1999, p 27). O papel do semiólogo do discurso é formular hipóteses que.

(22) 21. expliquem por quê, em um determinado contexto, num universo amplo de possibilidades, só alguns textos – bem determinados – aparecem recorrentemente no discurso dos produtores de texto. Dentro da perspectiva desse trabalho, as conclusões de BAKHTIN (2002) sobre o discurso citado são particularmente importantes, uma vez que no objeto da pesquisa, o discurso científico, aparece, na maior parte das vezes, citado dentro do discurso jornalístico. “O discurso citado é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação” (BAKHTIN, 2002, p.144) Contudo, a questão da autoria do discurso permanece, uma vez que determinar quem é o sujeito implica em atribuir responsabilidade pelas representações que aparecem em um texto, sendo assim, esta também é uma questão importante para a análise de discurso. A relação entre texto e sociedade precisa ser analisada dialeticamente já que são mutuamente determinados – a produção e circulação dos textos é determinada por forças socioculturais, mas os textos também fazem parte da cultura. Sendo assim, é bastante difícil elaborar uma análise que parta dos textos da cultura, não é possível determinar “mecanicamente” qual (is) são o(s) determinante(s) das ideologias que aparecem em um texto, pois o número de variáveis em jogo é grande e complexo (PINTO, 1999). Os dados para a interpretação de um texto não podem ser obtidos de modo direto, sem levar consideração a causalidade. “A passagem dos dados da análise lingüística e/ou semiológica para a interpretação, dentro dos níveis de contextualização apontados acima – o contexto situacional imediato, o contexto institucional e o contexto sociocultural amplo -, também não se faz de modo direto” (PINTO, 1999, p. 45). A inserção em qualquer evento comunicacional implica, necessariamente, em aceitar alguma forma de controle social. “Aprendemos a ser o que somos por meio de regras e convenções subjacentes aos discursos que dominamos (...) e que só podemos alterar em situações de mudanças sociais” (PINTO, 1999, p. 23). Sendo assim, não possuímos, ao contrário do que se possa pensar, total controle sobre nosso discurso, pelo contrário, como o texto é determinado pelo contexto, todo discurso passa por duas dimensões, a ideológica e o poder. O ideológico está presente num texto pelas marcas ou traços que estas regras formais de geração de sentidos deixam na superfície textual (...) Uma parte do ideológico também transparece num texto sob a forma de preconstruídos, que são inferências e pressuposições que o coemissor deve fazer para suprir as lacunas e dar coerência à interpretação que faz, interligando as frases e partes do texto e ligando-o a um mundo (PINTO, 1999, p. 41).. Essas pressuposições são atribuídas ao bom senso, que, na prática, servem para sustentar as relações de poder, já que muitas vezes o embate em busca do consenso acaba por validar um discurso,.

(23) 22. que passa a ser hegemônico, de forma que sua naturalização ou reificação é favorecida, em detrimento dos discursos que passam a ser subordinados. O ideológico é apenas uma pequena parte de cada discurso, é apenas uma parte do que se chama ideologia – que pode ser nominada, mas nunca totalmente descrita já que só temos acesso a alguns de seus fragmentos específicos, os ideológicos presentes. Assim, o conceito, muito difundido, da oposição entre ideologia e ciência, é contestado pela análise de discurso, que define a ideologia como um repertório de conteúdos, opiniões, atitudes e representações presentes e necessárias a qualquer discurso, inclusive o científico. (PINTO, 1999) Quanto a segunda dimensão do discurso, o poder, está presente em todos os discursos seja de modo explícito, quando há uma disputa – pela última palavra – ou implícita, por exemplo, nas regras que somos obrigados a seguir em determinadas situações. “O poder, para a análise do discurso, é assim uma dimensão analítica, e não o poder concreto, único, que domina tudo e todos de cima para baixo” (PINTO, 1999, p. 43). Essa concepção de poder ser pode identificada nos diversos procedimentos televisivos, tanto em sua forma explícita quanto implícita. Uma característica do fazer televisivo é a forte hierarquização que, por si, já indica relações de poder entre diretores, editores, apresentadores, repórteres e demais envolvidos na produção de um produto televisivo. Por outro lado, a escolha de quem participará de uma reportagem, a ordem das participações, o tempo disponível para cada um é uma forma de expressão do poder de quem produz a matéria. (...) o apresentador faz intervenções restritivas. É ele quem impõe o assunto, quem impõe a problemática (...) Ele impõe o respeito pela regra do jogo. Regra do jogo de geometria variável: ela não é a mesma quando se trata de um sindicalista ou quando se trata do sr. Peyreffite da Academia Francesa (BOURDIEU, p. 44, 1997).. Assim, ao mesmo tempo, o exercício de poder também se dá entre os convidados a compor a matéria, na medida em que a credibilidade do discurso passa a ser uma questão fundamental, já que pode ter origem na sua habilidade retórica ou, às vezes, de forma implícita, na sua posição social..

(24) 23. 1.2. Características da divulgação científica: entre o discurso científico e o discurso jornalístico. Para MAINGUENEAU (2001), existem certas leis que regem o discurso e permitem que os enunciados sejam compreendidos pelo interlocutor. Tais leis não são convenções, mas sim uma espécie de acordo tácito entre os interlocutores. As leis do discurso não são normas de uma conversação ideal, mas regras que desempenham um papel crucial no processo de compreensão dos enunciados. Pelo simples fato de serem supostamente conhecidas pelos interlocutores, elas permitem a transmissão de conteúdos implícitos (MAINGUENEAU, 2001, p. 32).. Essas leis do discurso que, ainda segundo MAIGUENEAU (2001), são as bases para que um esforço de comunicação se concretize, se referem, por exemplo, à pertinência do enunciado ou ao seu grau de informatividade. Entretanto, se há leis gerais que regem todo e qualquer discurso, há também características específicas que identificam gêneros específicos do discurso. Nesse ponto podemos encontrar importantes diferenças entre o discurso jornalístico e o discurso científico, diferenças que quando não bem administradas podem gerar sérias distorções de conteúdo ou mesmo inviabilizar a compreensão entre as partes. Um dos pontos de maior conflito entre esses dois públicos, diz respeito ao rigor na análise e divulgação da informação. OLIVEIRA (2002) traça um paralelo entre o método científico e os procedimentos do bom jornalismo: O próprio uso dos princípios do método científico se assemelha à prática do bom jornalismo investigativo (...) Definir tema (assunto), elaborar hipóteses (pauta), coletar dados (entrevistas com as fontes), testar as hipóteses (checar as informações), escrever o trabalho (a matéria) e publicar são procedimentos que se aplicam tanto à pesquisa científica quanto ao jornalismo (OLIVEIRA 2002, p. 47).. No entanto, a prática demonstra que nem sempre se pratica bom jornalismo e muitas vezes procedimentos como coletar dados ou checar informações não são realizados com o rigor esperado pelo cientista. Por outro lado, a própria OLIVEIRA (2002, p.43) aponta muitas oposições entre o discurso jornalístico e o discurso científico: Enquanto o cientista produz trabalhos dirigidos para um grupo de leitores, específico, restrito e especializado, o jornalista almeja atingir o grande público. A redação do texto científico segue normas rígidas de padronização e normalização universais, além de ser mais árida, desprovida de atrativos. A escrita jornalista deve ser coloquial, amena,.

(25) 24. atraente, objetiva e simples. A produção de um trabalho científico é resultado não raro de anos de investigação. A jornalística rápida e efêmera. O trabalho científico normalmente encontra amplos espaços para publicação nas revistas especializadas, permitindo uma linguagem prolixa, enquanto o texto jornalístico esbarra em espaços cada vez mais restritos, e portanto deve ser enxuto, sintético.. CORACINI (1991) propõe uma análise mais ousada, que evidencia ainda mais as semelhanças entre o discurso científico e outras formas de discurso, mais persuasivas. Inicialmente, a autora refuta as formas tradicionais de divisão dos textos científicos, resumidas na classificação de Deyes pela estrutura: introdução, materiais e métodos, resultados, conclusão. Segundo a autora, essa estrutura, ou esquema canônico, não resiste a uma análise criteriosa da própria organização textual, na medida em que se verifica uma certa dificuldade em respeitar esse esquema na prática, é comum que outras divisões, temáticas, por exemplo, se apresentem nos textos científicos. Além disso, no plano semântico, há uma certa imprecisão nessa estrutura, é difícil encontrar os limites entre um tópico e outro. Uma outra ‘falha’ apontada é que essa divisão acaba por impor uma falsa linearidade ao texto apresentado. A partir dessa contestação, CORACINI (1991, p. 85) postula uma organização subjacente ao texto científico, dividida em dois níveis: Texto envolvente: constitui o todo do discurso, e o termo envolvente significa, ao mesmo tempo, que esse texto contém um segundo texto em si e que envolve enunciador e enunciatário. Texto envolvido: está encaixado no anterior, engloba não apenas o relato da experiência, mas “todo o enunciado que, nos diferentes momentos do texto, se refere à pesquisa” (CORACINI, 1991, p. 85). O texto envolvido se apresenta como narrativo, à medida que se constitui em uma seqüência verbal com conseqüência de eventos da realidade. O modelo do presente no discurso científico apresenta as três etapas da narração: orientação, complicação avaliação e resolução. Essa superestrutura é trazida ao texto por marcas lingüísticas como o tempo verbal e os conectores que indicam seqüência temporal; Tal estrutura corresponde à proposição de narração por encaixe de Bremond “da atividade de elucidação, passa-se ao exame dos dados (observação, elaboração de uma hipótese), institui-se um teste, verifica-se a hipótese e o enigma estará resolvido” (CORACINI, 1991, p. 86). É necessário admitir, ainda, que o discurso científico também é uma concepção redutora, já que os elementos descritivos são componentes integrantes da narração. “Admitir a existência de discursos unicamente descritivos significaria proceder a uma análise de tipo formal, isolada de toda concepção pragmático-enunciativa e de todo propósito comunicativo” (CORACINI, 1991, p. 87)..

(26) 25. Retomando a concepção de discurso envolvente, no discurso científico pode-se reconhecer o triplo objetivo identificado por Okasabe no discurso político (CORACINI, 1991). Esses objetivos, marcados por uma relação de implicação são: promover: “o leitor passará do estado de ‘não-poder e não-saber fazer’ ao estado de ‘poder e saber fazer’” (CORACINI, 1991, p. 87). Esse objetivo implica em outro; Envolver: pelas provas dos fatos relatados, o leitor tenta reproduzir as operações cognitivas do autor, o que anula a possibilidade de crítica. Por sua vez, esse objetivo implica no terceiro; Engajar o leitor: o envolvimento visa levar o leitor a aderir a um ponto de vista. (CORACINI, 1991, p. 87) CORACINI (1991) demonstra também que os componentes pragmáticos do discurso também se fazem presentes: situação (lugar e momento da pesquisa científica), participantes (argumentador - pesquisador - e argumentatários - outros pesquisadores), objeto, objetivo e meios utilizados para persuadir (metodologia, linguagem, citações, etc). Com isso conclui-se que o discurso científico, como todas as demais formas de discurso, não é exclusivamente referencial, nem tampouco neutro, ao contrário é marcado também pela intencionalidade e pela argumentatividade. Por sua vez, o discurso jornalístico também é caracterizado por uma ‘obrigação de neutralidade’. “O que se cobra hoje do comunicador, sobretudo do jornalista, é, portanto, a habilidade de usar a linguagem como se ela fosse puro código” (BACCEGA, 1988, p.54). Obrigação que, partindo dos pressupostos da análise do discurso, é impossível de ser cumprida. A negação de que tanto o discurso científico como o jornalístico, independente dos recursos utilizados, são argumentativos e ideologicamente construídos, é apenas um reforço das determinações ideológicas que os produziram. Determinações que alijam o indivíduo de sua condição de sujeito da própria história. “A primeira impressão oferecida pelo discurso da comunicação, o qual se pretende vazado na ‘objetividade’, é a de que o comunicador contemporâneo não se apercebeu de sua condição de indivíduo/sujeito virtualmente capaz de tratar a informação que trabalha” (BACCEGA, 1998, p.60). Da mesma forma, demonstra-se, uma vez mais que negar o acesso do público leigo à informação científica é apenas uma forma de perpetuar as distorções condenadas pelos cientistas ao se recusarem a difundir suas pesquisas. Negar-se a falar sobre ciência não ajuda em nada a melhorar a forma como o tema é tratado pela mídia, pelo contrário, reforça sua mitificação..

(27) 26. A ciência, a coerção do verdadeiro, a obrigação de verdade, os procedimentos ritualizados para produzi-la há milênios atravessam completamente toda a sociedade ocidental e agora se universalizam para se tornar lei geral de toda civilização (FOUCAULT apud SIQUEIRA, 1999, p.52).. Os meios de comunicação desempenham papel importante nessa universalização da lógica científica, à medida que o conteúdo de cunho científico faz parte da programação com forte aspecto espetacularizado. “As notícias sobre ciência e tecnologia não escaparam desse formato, recebendo, inúmeras vezes, um tratamento de curiosidade, de fait-divers” (SIQUIERA, 1999, p.52) Voltando a considerar a questão do discurso, a televisão se coloca como mediadora e, portanto, interfere, na informação de cientistas transmitida ao público. No entanto, essas mediações não são claras ao telespectador. MAINGUENEAU (2001, p.71) afirma que o mídium* não é um simples “instrumento para transportar uma mensagem”, mas é determinante de seu conteúdo. No caso da televisão, algumas das características da mensagem diretamente determinadas pelo meio são a instantaneidade, a impossibilidade de retorno e a interação entre som e imagem (CURADO, 2002, p.18). Essas características podem fazer com que o produto televisivo seja frio e impessoal, particularmente quando falamos de informação científica, distante do repertório da maioria dos indivíduos. Contudo, outras características, podem reverter essa tendência, como o uso de trilha sonora, movimentos de câmera ou mesmo a empatia entre os participantes da reportagem e os interlocutores. Essa empatia pode se dar a partir de inúmeros fatores que vão desde a vestimenta ao tom de voz e vocabulário empregados. SIQUEIRA (1999) enfatiza a importância dos meios ao citar as novas tecnologias – bancos de dados, cd-rom, etc. – como mediações entre a informação científica e o público, porém argumentando que são formas ‘despersonalizadas’, não muito aceitas pelas pessoas, que preferem que especialistas em determinado assunto lhes apresentem novos conhecimentos. Por outro lado, o discurso televisivo é polifônico, depende dos sentidos de vários campos – o trabalho, a técnica, a publicidade, etc. Com isso, “Entre o discurso televisivo e o receptor, trava-se a negociação e surge o conceito de ‘contratos de leitura’, partilhados entre a produção e a recepção para garantir a compreensão do ‘texto’” (SIQUEIRA, 1999, p.56). Nesse discurso polifônico, entretanto, há algumas características particulares das quais as mais notadas são a eficácia e a profundidade das mensagens. Segundo Martin Esslin (apud SIQUEIRA,. * “No original em francês, MAINGUENEAU utiliza o termo médium, referindo-se a mediações” (MAINGUENEAU, 2001, p.71, nota dos tradutores)..

(28) 27. 1999), as mensagens televisivas alcançam seu público com grande eficácia, no entanto, a maneira rápida – discurso rápido, curto e claro – de transmitir essas mensagens acabam por impedir que qualquer tema seja tratado em profundidade. Essa última característica pode ser a mais perigosa no momento de transmitir informação sobre ciência e tecnologia, qualquer tentativa de aprofundamento pode tornar a programação cansativa, por outro lado, a tentativa de tornar esse conteúdo mais atraente, pode deturpá-lo. As falas televisivas tendem a não remeter ao processo de pesquisa, ao contexto, a posições políticas. Além disso, também há que se considerar que não há espaço na televisão para o abstrato, para o conceitual. É preciso tornar ‘concreto’, visível, por meio de imagens, desenhos ou dramatizações, para que o público absorva as informações veiculadas. (SIQUEIRA, 1999, p.64). Outros tópicos a serem considerados nesse trabalho são os operadores argumentativos, propostos por KOCH (1984) que, nesse caso serão analisados em conjunto com outros fatores que podem exercer função argumentativa, como a trilha sonora e o enquadramento. Com eles será possível verificar a relação de cientistas e comunicadores na produção da matéria, o eventual uso do argumento de autoridade dos especialistas, ou a utilização de recursos técnicos que desacreditem ou minimizem a importância da participação desses especialistas. “Segundo Vogt (1980), todo enunciado diz algo, mas o diz de um certo modo” (KOCH, 1984, p. 24). Dessa forma, todo enunciado possui dois níveis de interpretação, o de seu significado ou sentido e o da maneira como esse enunciado ou sentido se apresenta, como foi articulado esse enunciado pelo locutor, ou ainda, que papel esse locutor assumiu ao emitir esse enunciado. Assim, é fundamental ressaltar que não há como definir uma interpretação única para um enunciado, seja ele qual for, já que deve ser levado em consideração, entre outros aspectos, a intenção do enunciador. As interpretações de um enunciado vão depender fortemente das relações interpessoais que se estabelecem no momento da enunciação. A partir da idéia de que todo discurso diz algo – enunciado – e mostra algo – como é enunciado – pode-se penetrar nas relações entre linguagem, homem e mundo ou, em outras palavras, a ideologia da linguagem. Além disso, segundo Ducrot, a linguagem comum é estratificada, ou seja, o discurso depende não apenas do que a pessoa disse, mas também em que nível ela o fez (apud KOCH, 1984). Esses níveis são: Sentido explícito: é o nível semântico e pode dissimular os demais sentidos implícitos. Sentido implícito absoluto: se introduz, mas sem que o locutor queira ou saiba..

(29) 28. Sentido implícito relativo: é aquilo que o locutor quer dizer, funda-se no pressuposto de que quem fala sempre tem determinadas intenções. Com isso, conclui-se que não basta conhecer o significado literal das palavras, é preciso compreender todas as possíveis formas de empregá-las, bem como todas as suas relações com o contexto, nesse caso, com outros códigos usados, como trilha e efeitos sonoros, imagens, enquadramentos, etc. Dessa forma, ultrapassa-se a abordagem exclusivamente lingüística para considerar outros aspectos como a imagem que, segundo PINTO (1999), também faz parte da enunciação, quando está presente no discurso, embora seja raro que apenas o texto imagético esteja presente – normalmente aparece mesclado com textos verbais e sonoros. A análise de discurso defende a idéia de que qualquer imagem, mesmo isolada de qualquer outro sistema semiótico, deve ser considerada como sendo um discurso, recusando a categoria de ‘signos icônicos’ ou ‘ícones’ em que são em geral classificadas pelos semiólogos (PINTO 1999, p 33).. Nesse caso, há a exceção das iconografias – imagens com significado cristalizado socialmente. “Nas imagens encontramos intertextualidade, enunciadores e dialogismo, tal como nos textos verbais” (PINTO, 1999, pg 33). Apesar das imensas possibilidades expressivas da imagem, é curioso notar que a televisão continua fortemente calcada na comunicação oral. Fala-se muito em ‘civilização das imagens’ a propósito da hegemonia da televisão a partir da segunda metade do século XX, mas a televisão, paradoxalmente, é um meio bem pouco ‘visual’ e o uso que ela faz das imagens é, salvo as exceções de honra, pouco sofisticado. Herdeira do rádio, ela se funda primordialmente no discurso oral e faz da palavra sua matéria-prima principal (MACHADO, 2000, p.71). Contudo, a pequena exploração da linguagem visual da televisão, não significa que essa dimensão deixe de ter importância em seu discurso, mas sim que a palavra tem função primordial na construção da maioria dos enunciados televisivos. Cabe aqui uma reflexão sobre a televisão enquanto forma discursiva. MACHADO (2000, p.17) diferencia duas abordagens históricas da televisão, que domina “modelo de Adorno” e “modelo de McLuhan”. Duas formas opostas de ver a televisão, mas que coincidem ao considerar que toda produção televisiva tem características homogêneas determinadas pelo meio de transmissão. Assim, “se para Adorno a televisão é congenitamente ´má’, não importando o que ela efetivamente veicula, para McLuhan, a televisão é congenitamente ´boa’ nas mesmas condições” (MACHADO, 2000, p.18)..

(30) 29. De fato, a análise do discurso preocupa-se com as condições de produção e, portanto, aceita que os enunciados sejam parcialmente determinados pelos meios nos quais são produzidos e veiculados, assim, de fato, as características intrínsecas da televisão influenciarão decisivamente seu conteúdo. Entretanto, se esse fator é importante, outros como as questões da autoria e do gênero do discurso não deixam de ser. Para BOURDIEU (1997, p.31), a autoria coletiva é apenas uma das características intrínsecas da televisão que determinam um conteúdo empobrecido e superficial. Ao contrário do cinema, onde a autoria é coletiva, mas identificada, “o coletivo de que as mensagens televisivas são o produto não se reduz ao grupo constituído pelo conjunto de uma redação; ele engloba o conjunto de todos os jornalistas”. Com isso, o autor propõe que a televisão possua, independente do produto, uma espécie de discurso sem sujeito (BOURDIEU, 1997, p.34). Essa proposição, de certa forma bastante difundida, é responsável pelo lugar comum que considera a televisão a priori como um meio menor, e ignora que, como demonstra BAKHTIN (2000), a polifonia existe em qualquer forma discursiva. Ou seja, a autoria coletiva dos produtos televisivos não determina a qualidade desse discurso, mas demonstra mais claramente a multiplicidade de sujeitos envolvidos no processo enunciativo. Com isso, é preciso levar em consideração as características específicas da televisão para analisá-la, mas não faz sentido considerar que seu discurso seja necessariamente homogêneo, do contrário, a execução desse trabalho seria vã. É preciso, em todo caso, quando se fala de televisão, saber exatamente o que cada um está entendendo por esse termo, ou seja, o que o analista efetivamente viu na televisão, que conjunto de experiências audiovisuais ele conhece, qual é a sua ‘cultura’ audiovisual (MACHADO, 2000, p.19).. A linguagem televisiva, como toda semiótica, constitui-se de diferentes elementos significantes que, unidos e organizados, constituem uma mensagem. Entretanto, cabe relembrar que essa mensagem depende ainda de outros fatores, como a familiaridade do interlocutor (receptor da mensagem) com esses elementos. Assim, ao longo dos anos e com forte inspiração na linguagem cinematográfica, a televisão desenvolveu um código compreensível por seus espectadores. Entretanto, esse código possui uma característica importante, é constituído de outros sistemas semióticos, como a fala. Sendo assim, uma análise sintática dessa linguagem é tarefa bastante penosa..

(31) 30. O filme, enquanto discurso, tem como característica fundamental sua natureza heterogênea. Ele se constrói pela incidência de várias texturas, cujas unidades, previamente selecionadas, vão-se concatenando através da montagem e abrindo espaço para a manifestação da narrativa (LEONE; MOURÃO, 1993, p.13).. Essa afirmação sobre a linguagem cinematográfica é perfeitamente aplicável à televisão, na medida em que a edição se presta exatamente a esse papel de concatenação tanto de imagem, como de som e fala. Como o cinema, primeira possibilidade técnica de imagens em movimento, nasceu mudo, foi necessário bastante tempo e a intervenção de um gênio, Alfred Hitchcock, para que o a trilha sonora deixasse de ser decorativa e se tornasse elemento significante na linguagem cinematográfica. Contudo, ainda persiste uma certa sub-utilização do potencial do som, tanto no cinema como na televisão. A ponto dos manuais técnicos terem considerações especiais a esse respeito: Seja como for, não use a música como um pensamento em voz alta. Ela deverá ter uma mensagem especial a comunicar para o público. Assim, tê-la tocada baixinho em bg (background, ao fundo) para ocultar uma ausência de efeitos sonoros ou simplesmente porque você acha que a trilha sonora está quieta demais, é um terrível desperdício (WATTS, 1990, p.126).. A trilha sonora, quando não utilizada como mera decoração, possui importante papel na construção do enunciado. “Empregue-a (a música) à semelhança da locução (e algumas vezes no lugar da narração), para acrescentar significado à imagem (...) Você também pode explorar a música ironicamente” (WATTS, 1990, p.126). Outro aspecto expressivo para imagens em movimento é o enquadramento. Importantes diretores, como Akira Kurosawa ou Federico Fellini escolheram como ferramenta fundamental para seu ofício o storyboard, ou seja, desenharam cada quadro de suas cenas antes de filmá-las. Naturalmente, o tempo de produção da televisão impede tamanho refinamento, que, aliás, não atenderia aos propósitos desse meio. Porém, é uma vez mais na linguagem cinematográfica que se pode encontrar as matrizes que explicam a importância desse elemento da linguagem televisiva. D. W Grifth é considerado o inventor da montagem, por ter sido o primeiro diretor a mostrar um plano geral e depois cortar para um plano mais fechado, dando a idéia de continuidade do espaço nesse plano menor. “No momento em que isso aconteceu, uma sintaxe passou a ser pensada a partir desse nível de articulação” (LEONE; MOURÃO, 1993, p.13). As possibilidades expressivas abertas pela utilização de cortes para planos alternados são muitas e, a partir delas, desenvolveram-se convenções e contravenções sobre ‘como dizer’ através do enquadramento. Como ressalta Watts, “O enquadramento varia com cada cultura e.

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