• Nenhum resultado encontrado

Desporto vs educação vs formação 24

No documento Relatório de  Estágio Profissional (páginas 50-54)

3.1 Legitimação da Educação Física na escola 21

3.1.1 Desporto vs educação vs formação 24

Em última análise, a legitimação de qualquer disciplina escolar assenta na explicação da sua incumbência educativa.

Para Delors (2001), para poder dar resposta ao conjunto de missões que a sociedade contemporânea impõe, a educação deve organizar-se à volta de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão dalgum modo, para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as actividades humanas; finalmente aprender a ser, no sentido que a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa – espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade.

Todo o ser humano deve ser preparado, especialmente graças à educação que recebe na juventude, para elaborar pensamentos autónomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida (Delors, 2001).

A “Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI” (Delors, 2001) pensa que cada um dos "quatro pilares do conhecimento", referidos anteriormente, deve ser objecto de igual atenção por parte do ensino estruturado, a fim de que a educação apareça como uma experiência global a levar a cabo ao longo de toda a vida, no plano cognitivo e prático, para o indivíduo enquanto pessoa e membro da sociedade.

Contudo, regra geral, o ensino formal orienta-se, essencialmente, se não exclusivamente, para o aprender a conhecer e, em menor escala, para o aprender a fazer, sendo que o aprender a viver juntos e o aprender a ser, são na maior parte dos casos negligenciados.

A educação em geral e a educação física em particular tem como finalidade capacitar um indivíduo para agir, pois o Homem é um sujeito de acção. O Homem tem de agir continuamente, e por vezes nem sempre age de

Capítulo III – Enquadramento da prática profissional

Liliana Brochado 25

acordo com aquilo que se deseja, e, portanto a capacidade de acção deveria formar todas as áreas em que o sujeito vai agir (Bento, 2004).

Assim, segundo Bento (1995), são 3 as dimensões principais que perfazem a capacidade de acção:

1) O aspecto motor: A interacção entre os Homens e a educação física, como elemento educativo, integra a capacidade motora, pois o acto desportivo rege-se na capacidade de movimentação, habilidades, técnicas, força, resistência, táctica, coordenação, etc.

2) Os aspectos da interacção entre os Homens: na medida em que as situações desportivas envolvem pessoas que trabalham quer num sistema de cooperação, quer num sistema de oposição, e com isto desenvolvem um conjunto de regras, princípios e valores. A educação é um processo de socialização do indivíduo. Cabe à escola desenvolver a personalidade dos alunos (saberes, atitudes, competências, hábitos, motivos).

3) A pluridimensionalidade dos sentidos: de uma situação desportiva, nomeadamente de ordem ética, estética, expressiva, lúdica, afectiva, cognitiva, social, sem excluir as dimensões do rendimento e da saúde.

A educação física é uma disciplina que tem como obrigação incutir os valores ligados ao Homo Sportivus. Por isso, segundo Bento (2004) quando educamos um aluno, elevamo-lo de um saber mais baixo para um saber mais alto, sendo este um processo ascensional do Ser Humano, numa tradução educativa do lema Olímpico: “Citius, Altius, Fortius”.

Ao educarmos os nossos alunos nesse lema, eles vivenciam uma cultura da exigência e da vontade, da entrega a causas e aspirações difíceis e superiores mas atraentes, da adesão voluntária a compromissos e princípios normativos, a riscos, sacrifício e disciplina (Bento, 2004). Deste modo, o ginásio e o campo de jogos tornam-se um campo da superação, do dinamismo, elevação e excelência e não da vulgaridade, do laxismo e mediania.

Através da prática desportiva adquirem-se atitudes e valores com profunda influência na vida. O desporto é parte integrante da sociedade e, por isso, subordina-se ao sistema de valores e normas nela predominantes.

Capítulo III – Enquadramento da prática profissional

Liliana Brochado 26

Aparentemente não há valores específicos do desporto, diferentes dos valores vigentes no contexto social.

Bento (2004) inúmera algumas dessas atitudes e valores que irei de seguida expor. Estes valores adquirem-se no desporto, mas são sobretudo basilares para a vida.

ƒ Colocar paixão e emoção naquilo que se faz, envolvendo-se com empenho e afinco e mobilizando todas as forças e energias na realização dos objectivos traçados;

ƒ Exercitar a disciplina e auto-disciplina e gerir bem o tempo de cada dia, no sentido de suplantar as insuficiências e de perseguir o aprimoramento constante;

ƒ Interagir com os outros, sejam eles colegas ou adversários, juízes ou espectadores;

ƒ Agir segundo as regras do jogo que são as da correcção e da ética, da consideração e do respeito pelo adversário, como forma de se respeitar a si próprio;

ƒ Desenvolver e testar competências de vário tipo: motor, técnico, táctico, afectivo e cognitivo;

ƒ Desenvolver as capacidades da resistência e persistência, tendo em conta que a vida é bela mas também é dura e que é muito ténue a linha de separação entre a vitória e a derrota. Pelo que é importante nunca desistir, saber lidar com as adversidades e contrariedades, com os erros, com os problemas e os insucessos, encarando-os como pretextos e oportunidades de aprendizagem, de crescimento e desenvolvimento;

ƒ Incorporar o gosto e o risco de tomar decisões com consequências para o próprio, para o grupo e para outras pessoas;

ƒ Adquirir o hábito de assumir responsabilidades e aceitar críticas pelo nível de cumprimento das tarefas claramente definidas e atribuídas pelo técnico a cada elemento da equipa;

ƒ Formar um sentido de liderança. E este não decorre de gestos focalizados na afirmação de um individualismo exuberante, mas sim da

Capítulo III – Enquadramento da prática profissional

Liliana Brochado 27

maneira como se consegue levar os outros a pensar e acreditar, a ver e fazer aquilo que possivelmente não veriam nem fariam sem o nosso impulso;

ƒ Cultivar a imaginação, a inovação e a criatividade, a alegria e o optimismo - qualidades que o jogo permite treinar de modo quase ilimitado e que tão relevantes são para a vida, para reinventar o presente e sonhar e olhar para o futuro;

ƒ Experimentar e aprender a conviver com estados de alma tão afastados e tão próximos uns dos outros: perder e ganhar, ter prazer e dor, o júbilo e a tristeza, a festa e a depressão, a ressurreição na vitória e a crucificação na derrota, a ascensão ao céu no excesso e a descida ao inferno no insucesso, o gozo do sol no triunfo e a perdição das trevas no revés, a glória dos vencedores e a desonra dos vencidos, a euforia e a frustração, o choro e o canto, o encanto e o desalento. No fundo, aprender a lidar com a vida e com as várias dimensões que ela comporta: dia e noite, comédia e drama, riso e tragédia, manhã e ocaso, claridade e obscuridade, crescimento e apagamento.

Na conformidade com tudo que foi afirmado, podemos concluir que o Desporto é um observatório pedagógico por excelência (Bento, 2004), pois educa em todas as frentes que a sociedade contemporânea impõe, tendo o privilégio de ser das poucas disciplinas escolares a ser tão eclético nas áreas educativas a que está a cargo, pois ele, além de educar a aprender, educa a agir, educa a viver em sociedade e educa a ser.

Capítulo III – Enquadramento da prática profissional

Liliana Brochado 28

No documento Relatório de  Estágio Profissional (páginas 50-54)