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Destinos do Piruvato

No documento PROCESSOS BIOLÓGICOS (páginas 107-114)

Nícolas Murcia / Vinicius Canato Santana

CAPÍTULO 3 DE ONDE VEM A ENERGIA PARA AS CÉLULAS FUNCIONAREM?

3.1. Glicólise e gliconeogênese

3.1.5. Destinos do Piruvato

Após a produção de Piruvato, essa molécula pode ter três destinos. Clique nas abas abaixo e aprenda mais sobre o tema.

Destino 1

Em tecidos com disponibilidade de oxigênio, a glicólise é apenas a primeira etapa de oxidação completa da glicose. Nesses tecidos, o piruvato irá sofrer uma descarboxilação (perder um carbono), na forma de CO , dando

2 origem ao Acetil-CoA. Esse processo ocorre na mitocôndria e direciona o Acetil-CoA para o Ciclo de Krebs para sua oxidação completa. Iremos abordar o Ciclo de Krebs mais adiante.

Destino 2

Em tecidos com restrição de oxigênio (hipóxia), como, por exemplo, o músculo em contração vigorosa, o piruvato será reduzido a lactato por meio da fermentação láctica. Nesse processo, o NADH produzido durante a glicólise, pode ser reoxidado a NAD+, e desse modo a célula consegue continuar realizando glicólise. Essa é a chamada glicólise anaeróbia que ocorre em nosso organismo. Esse processo é pouco eficiente, o rendimento de energia (2 ATP por glicose) é muito menor frente ao que pode ser obtido pela oxidação completa do piruvato, passando pelo Ciclo de Krebs (cerca de 30 ATP por glicose).

Destino 3

Principalmente em microrganismos como leveduras, na fabricação de cerveja e pão, o piruvato é convertido, em

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Assista ao vídeo Steps of Glycolysis Reactions Explained - Animation - SUPER EASY, para uma experiência incrível! Nesse vídeo, você irá visualizar de uma maneira baste interativa as moléculas envolvidas em cada reação da glicólise. Disponível em: <https://www.youtube.com

>.

Principalmente em microrganismos como leveduras, na fabricação de cerveja e pão, o piruvato é convertido, em condições de hipóxia, em etanol e CO

2, um processo chamado de fermentação alcoólica (NELSON, 2014).

Até agora, pudemos perceber o papel fundamental da glicose no metabolismo. Alguns tecidos dependem, quase exclusivamente, da glicose para produção de energia. São exemplos desses órgãos o cérebro, eritrócitos, testículos e medula renal. Somente o cérebro consome em média 120 g de glicose/dia! Essa quantidade representa mais da metade das moléculas de glicose que temos estocadas na forma de glicogênio hepático e muscular (NELSON, 2014).

Em períodos de jejum, nosso organismo precisa suprir a necessidade de moléculas de glicose, independentemente dos estoques de glicogênio. Nosso organismo é capaz de regular a glicemia basicamente através de dois processos. Um deles é a Glicogenólise, quebra do glicogênio em glicose e liberação para corrente sanguínea. O outro é a Gliconeogênese! Temos a capacidade de produzir novas moléculas de glicose a partir de compostos não glicídicos (que não são carboidratos). Em nossa corrente sanguínea, mesmo após um período de jejum, ou exercício físico prolongado, a concentração plasmática de glicose, chamada de glicemia, é sempre mantida dentro de um faixa ideal. A via metabólica chamada de Gliconeogênese é capaz de produzir novas moléculas de glicose a partir do piruvato e outros compostos. Vamos conhecer mais sobre a Gliconeogênese?

3.1.6. Gliconeogênese

Essa é uma via bioquímica que em mamíferos ocorre majoritariamente no fígado e utiliza quase o mesmo aparato enzimático da glicólise.

Após as refeições, a absorção dos alimentos faz aumentar a glicemia (concentração de glicose plasmática). Neste período, a liberação de insulina pelo pâncreas permite a absorção de glicose por todos os tecidos. Gradativamente, a glicemia diminui e, ao ser atingido um nível basal, ocorre uma alteração na secreção pancreática: a insulina é substituída por glucagon. Este hormônio estimula a degradação do glicogênio hepático e a liberação de glicose do fígado mantém a glicemia basal. No entanto, a reserva hepática de glicogênio é limitada e insuficiente para manter níveis glicêmicos normais além de 8 horas de jejum. Depois deste período, a contribuição do glicogênio hepático decresce, ao mesmo tempo em que é acionada outra via metabólica de produção de glicose: a gliconeogênese (MARZZOCO, 2015, p. 174).

As principais moléculas precursoras para a síntese de novas moléculas de glicose são: lactato, glicerol e

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A fadiga muscular relacionada ao exercício muscular intenso é associada às cãibras, por muitos esportistas. Essa associação é equivocadamente realizada com base no excesso de ácido lático produzido, a partir do lactato, em condições de exercício físico extenuante, em que o músculo não é suprido por oxigênio adequadamente. Ou seja, alguns praticantes de exercícios atribuem suas câimbras ao ácido lático acumulado nos músculos após um exercício extenuante. Acesse o site e leia o texto produzido por Bordoni e Varacallo, intitulado MuscleCramps (Cãibras Musculares, do inglês). Descubra as verdadeiras causas dessa condição! Disponível em: <

>.

As principais moléculas precursoras para a síntese de novas moléculas de glicose são: lactato, glicerol e aminoácidos. Há três pontos, das dez reações da glicólise, que se faz necessário a realização de um “contorno”. Isso se deve ao fato de que sete enzimas catalisam reações reversíveis, tanto na glicólise quanto na gliconeogênese, porém, três delas catalisam reações irreversíveis, sendo necessária ação de outras enzimas para que o processo ocorra. Abaixo temos uma imagem que compara as etapas da glicólise e gliconeogênese. Observe que alguns pontos da glicólise utilizam enzimas diferentes das reações correspondentes da gliconeogênese:

• Glicose – Glicose 6-fosfato;

• Frutose 6-fosfato – Frutose 1,6-bifosfato; • Fosfoenolpiruvato – Piruvato.

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Figura 5 - Etapas da glicólise (setas pretas) e gliconeogênese (setas azuis). As setas vermelhas mostram as necessidades energéticas da gliconeogênese.

Para que novas moléculas de glicose se formem, a primeira reação que precisa ocorrer é a conversão de piruvato a fosfoenolpiruvato. Na glicólise, o fosfoenolpiruvato é convertido a piruvato pela enzima piruvato-cinase, porém essa enzima não é capaz de realizar a reação contrária. Sendo assim, ao passo que na glicólise, em apenas uma reação o fosfoenolpiruvato é convertido em piruvato, na gliconeogênese, são necessárias duas reações para converter o piruvato em fosfoenolpiruvato (número 1 e 2 em azul, na imagem acima). É necessário o transporte do piruvato do citoplasma para a mitocôndria, pois aí se encontram as enzimas que catalisam a reação. Uma vez na mitocôndria, o piruvato sofre ação da piruvato-carboxilase (1), e é convertido em oxaloacetato. Em seguida, o oxaloacetato é convertido em fosfoenolpiruvato (2) pela fosfoenolpiruvato-carboxicinase. Cada uma dessas duas reações consome um fosfato de alta energia, sendo gastos, ao todo, duas dessas moléculas, por piruvato formado. Ao passo que na glicólise, a conversão de fosfoenolpiruvato em piruvato gerou apenas um ATP por piruvato. O segundo desvio refere-se à etapa de fosforilação da frutose-6-fosfato pela fosfofrutocinase-1 (número 3 em azul na imagem acima). A geração de frutose-6-fosfato a partir de frutose-1,6-bifosfato é catalisada por uma enzima diferente, a frutose-1,6-bifosfatase. Por fim, o terceiro contorno é a reação final da gliconeogênese, a desfosforilação da glicose-6-fosfato para formar glicose (número 4 em azul na imagem acima). O inverso da reação da hexocinase e catalisado pela glicose-6-fosfatase.

Como visão geral, é possível converter piruvato em moléculas de glicose novamente, porém esse processo é desfavorável energeticamente para a célula, em outras palavras, a célula gasta mais energia para realizar a gliconeogênese, do que efetivamente a glicólise forneceu.

Como dito anteriormente, além do piruvato há outros precursores para síntese de glicose. De acordo com Marzzoco (2015) esses compostos podem ser de diferentes tipos. Clique nas abas e confira!

Glicerol

O glicerol produto da quebra de triacilglicerol nos adipócitos é utilizado pelo fígado para produzir glicose. A fosforilação do glicerol pela glicerol-cinase, seguida pela oxidação do carbono central pela glicerol 3-fosfato-desidrogenase, gera di-hidroxiacetona-fosfato, intermediário da gliconeogênese no fígado.

Lactato

O lactato produzido pela glicólise nos eritrócitos ou no músculo em anaerobiose (por exemplo, em exercício vigoroso) é transportado pela corrente sanguínea até o fígado, em um processo conhecido como Ciclo de Cori. No citoplasma dos hepatócitos ele é convertido em piruvato pela ação da lactato-desidrogenase. O piruvato produzido segue a via gliconeogênica descrita acima.

Aminoácidos

No fígado, grande parte dos aminoácidos são convertidos em piruvato e outros intermediários da gliconeogênese. Um dos mais importantes é a alanina, que através da remoção de seu grupo amino (desaminação), no interior das mitocôndrias dos hepatócitos, produz diretamente moléculas de piruvato. Este então segue a via gliconeogênica descrita acima. Outro aminoácido relevante para gliconeogênese é a glutamina, que é convertida até oxalacetato e posteriormente em fosfoenolpiruvato. O catabolismo de aminoácidos será melhor detalhado nas próximas seções.

Figura 6 - Precursores não glicídicos na gliconeogênese hepática. Lactato é convertido em piruvato; muitos aminoácidos são catabolizados, direta ou indiretamente, em piruvato; glicerol e convertido em Di-

hidroxiacetona-fosfato. Fonte: Elaborada pelo autor (2019).

Nossos estudos sobre a glicólise e gliconeogênese nos permitiram até agora saber que nosso organismo é capaz de produzir ATP e coenzimas (NADH), a partir da glicólise. Além disso, aprendemos que, em situações de jejum, nosso organismo é capaz de sintetizar novas moléculas de glicose a partir de outros compostos. No próximo tópico, vamos dar início ao estudo sobre o Ciclo de Krebs e Fosforilação Oxidativa. Esse conjunto de reações

CASO

Homem de 56 anos vai à consulta médica de acompanhamento do diabetes tipo 1 que tem desde os 12 anos e sempre foi tratada com o uso de insulina. Relata sentir tremores e sudorese às 2 horas da madrugada com açúcar sanguíneo muito baixo, na ordem de 40 mg/dL. Sua esposa relata sentir um hálito com leve cheiro de acetona. Entretanto, nota que pela manhã, ao levantar em jejum, os níveis de açúcar no sangue estão altos, mesmo sem ingerir qualquer carboidrato. Seu médico explicou que os níveis altos de açúcar ao amanhecer eram o resultado de processos bioquímicos em resposta à hipoglicemia noturna. Essa pessoa apresenta a manifestação clássica do efeito de Somogyi, que se constitui em hiperglicemia ao acordar em jejum como resposta à hipoglicemia na madrugada e ao amanhecer. A recomendação médica foi que o paciente reduzisse a dose noturna de insulina que tomava e monitorasse a glicemia na madrugada e ao acordar, pela manhã, por alguns dias. A conduta surtiu efeito positivo, com melhora dos sintomas.

Feedback: O fígado é um órgão altamente especializado que desempenha um papel central no metabolismo da glicose do corpo todo. Durante os períodos de grande disponibilidade de glicose, o fígado aumenta a captação, o armazenamento e a utilização de glicose. De maneira oposta, quando a disponibilidade de glicose exógena diminui (por exemplo, durante o jejum noturno) o fígado aumenta a produção de glicose, auxiliando a manter os níveis sanguíneos de glicose. O fígado usa dois mecanismos para a produção endógena de glicose, a mobilização do glicogênio intracelular (glicogenólise) e a síntese de glicose a partir de outros precursores que não os carboidratos (gliconeogênese). A insulina é secretada pelas células β das ilhotas do pâncreas durante períodos de alta disponibilidade de glicose. Esse hormônio peptídico ajuda a diminuir a glicose sanguínea para a faixa normal ao estimular a glicogênese e a glicólise e, ao mesmo tempo, inibir a glicogenólise e a gliconeogênese. Por outro lado, a secreção de glucagon pelas células α das ilhotas do pâncreas é estimulada quando a disponibilidade de glicose sanguínea reduz. O glucagon tem como alvo primário o metabolismo hepático da glicose, aumentando a produção de glicose (via gliconeogênese e glicogenólise). Além disso, da mesma maneira que o glucagon, a secreção de adrenalina aumenta durante os períodos de baixa disponibilidade de glicose. O diabetes tipo 1 é causado por uma deficiência severa ou total na produção de insulina. Essa doença, também conhecida como diabetes de aparecimento precoce, é geralmente causada por destruição autoimune de células β pancreáticas. A falta de insulina, somada aos níveis elevados de glucagon e adrenalina, leva a uma alta taxa de liberação de glicose pelo fígado, mantida pela β-oxidação dos ácidos graxos. Essa alta taxa de β- oxidação de ácidos graxos resulta em uma produção excessiva de corpos cetônicos e cetoacidose subsequente. O tratamento do diabetes tipo 1 envolve o monitoramento regular dos níveis de glicose no sangue e a administração de insulina. A terapia com insulina associada com o jantar leva a uma diminuição nos níveis de glicose no sangue. Essa baixa glicemia dispara a liberação dos hormônios contrarregulatórios, glucagon e adrenalina, estimulando assim a produção hepática de glicose. Inadvertidamente, isso resulta em níveis elevados de glicose ao amanhecer (o efeito Somogyi).

Fonte: adaptado de TOY, E., C. et al. Casos Clínicos em Bioquímica. 3 ed. AMGH, 2016, p. 227- 233.

nosso organismo é capaz de sintetizar novas moléculas de glicose a partir de outros compostos. No próximo tópico, vamos dar início ao estudo sobre o Ciclo de Krebs e Fosforilação Oxidativa. Esse conjunto de reações permite a oxidação completa de carboidratos, aminoácidos e lipídios.

Antes de seguirmos em frente, vamos testar seu conhecimento sobre os princípios gerais da gliconeogênese? Para tanto, realize a atividade proposta abaixo.

Para dar sequência aos seus estudos, fique atento ao tema a seguir: Cliclo de Krebs e cadeia respiratória.

No documento PROCESSOS BIOLÓGICOS (páginas 107-114)