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3.4 Determinantes sociais e sustentabilidade das questões alimentares e nutricionais na adolescência

3.4.2 Determinantes sociais da alimentação e nutrição de adolescentes

Os desfechos em alimentação e nutrição desse público, de forma semelhante às questões de saúde apresentadas anteriormente, podem ser investigados a partir dos DSS. Destacam-se, em estudos da Epidemiologia Nutricional, análises de determinantes intermediários, como os discutidos no tópico anterior dessa revisão, e determinantes contextuais,

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 66 como renda, educação, classe social, gênero, cor/raça e espaço geográfico – proxy dos contextos socioeconômicos e políticos, os quais serão apresentados a seguir.

O excesso de peso foi associado inversamente ao nível socioeconômico em países desenvolvidos, e de forma direta em países em desenvolvimento de acordo com uma revisão sistemática publicada em 2009, a qual analisou 56 artigos de diferentes países (CARDOSO et al, 2009). Um estudo que avaliou essas relações entre o excesso de peso e o contexto socioeconômico em coortes do Brasil e do Reino Unido. Adolescentes avaliados pela pesquisa brasileira apresentaram forte associação positiva da prevalência de excesso de peso com a melhor renda e escolaridade materna em ambos os sexos. No estudo do Reino Unido, as maiores prevalências de excesso de peso foram verificadas entre os meninos, cujas mães tiveram menor escolaridade. E, entre as meninas, foi estimada uma associação inversa entre prevalência de excesso de peso e os melhores estratos socioeconômico e educacional (MATIJASEVICH et al, 2009). Verificando-se, portanto, a determinação social do excesso de peso nesse grupo etário.

No Brasil, país em desenvolvimento, os resultados dos indicadores nutricionais para adolescentes avaliados pela POF 2008-2009 sugerem a associação direta das prevalências de excesso de peso e obesidade, bem como a renda familiar e inversa para o déficit de peso entre adolescentes de ambos os sexos. Evidenciando, a partir desse resultado, o papel da posição socioeconômica do adolescente no desenvolvimento e convivência com o excesso de peso em todo o país (tabela 1).

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 67 Tabela 1 – Indicadores antropométricos na população de 10 a 19 anos de idade, com base na distribuição de referência da Organização Mundial de Saúde – OMS, por sexo, segundo as classes de

rendimento total e a variação patrimonial mensal familiar per capita – Brasil – período 2008-2009

Classes de rendimento total e variação patrimonial mensal familiar per capita

(salários mínimos)

Indicadores antropométricos na população de 10 a 19 anos de idade (%)

Déficit de peso Excesso de peso Obesidade Masculino Até ¼ 5,6 11,5 1,8 Mais de 1/4 a ½ 5,1 15,5 3,1 Mais de 1/2 a 1 3,3 20,8 5,0 Mais de 1 a 2 2,6 25,6 9,2 Mais de 2 a 5 3,4 28,7 8,2 Mais de 5 1,4 34,5 8,2 Feminino Até ¼ 4,0 14,2 1,9 Mais de 1/4 a ½ 3,5 18,6 4,2 Mais de 1/2 a 1 3,1 19,2 4,1 Mais de 1 a 2 3,1 21,2 4,6 Mais de 2 a 5 1,6 20,0 4,6 Mais de 5 1,7 24,0 2,6 Fonte: IBGE (2010, p. 54).

Outros determinantes estruturais como a situação do domicílio e a macrorregião geográfica parecem ter efeito sobre a prevalência dos desfechos nutricionais entre adolescentes brasileiros. Para todo o país, as prevalências de déficit de peso foram maiores nos adolescentes do sexo masculino, de domicílios rurais e de regiões com piores indicadores socioeconômicos (Nordeste, Norte e Centro-Oeste). A maior prevalência desse desvio nutricional foi identificada entre adolescentes do sexo masculino de domicílios rurais do Centro-Oeste (5,3%). Logo, as prevalências de excesso de peso e obesidade foram maiores nas regiões Sul e Sudeste, no sexo masculino e em domicílios urbanos. Adolescentes do sexo masculino de áreas urbanas do Sul apresentaram as maiores prevalências de excesso de peso (27,5%) e de obesidade (8,0%) (tabela 2).

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 68 Tabela 2 – Indicadores antropométricos na população de 10 a 19 anos de idade, com base na distribuição de referência da Organização Mundial de Saúde – OMS, por sexo e situação do domicílio,

segundo as Grandes Regiões – Brasil – período 2008-2009

Grandes regiões Indicadores antropométricos na população de 10 a 19 anos de idade, por sexo e situação do domicílio (%)

Masculino Feminino

Total Situação do domicílio Total Situação do domicílio

Urbana Rural Urbana Rural

Déficit de peso Brasil 3,7 3,5 4,3 3,0 3,0 3,1 Norte 3,6 3,6 3,7 2,6 2,6 2,6 Nordeste 4,9 4,7 5,2 3,8 3,7 4,0 Sudeste 3,2 3,3 2,3 2,8 2,9 2,0 Sul 2,5 2,2 3,9 2,4 2,5 2,2 Centro-Oeste 3,3 2,9 5,3 2,8 2,7 3,1 Excesso de peso Brasil 21,5 23,0 15,7 19,4 20,1 16,3 Norte 18,5 20,3 14,7 16,6 16,9 15,7 Nordeste 15,9 18,6 10,6 17,1 18,1 12,5 Sudeste 24,4 24,5 23,6 20,8 20,9 20,3 Sul 26,9 27,5 23,7 22,0 21,9 22,4 Centro-Oeste 23,9 24,4 20,6 20,0 19,6 23,2 Obesidade Brasil 5,8 6,5 3,1 4,0 4,3 2,8 Norte 3,9 4,9 1,7 2,7 2,6 3,2 Nordeste 3,8 4,7 2,0 3,1 3,6 1,7 Sudeste 7,3 7,6 5,1 4,7 4,8 3,6 Sul 7,6 8,0 5,8 5,4 5,5 4,9 Centro-Oeste 5,5 5,6 4,6 3,7 3,4 5,2 Fonte: IBGE (2010, p. 53).

Avaliação de 58.971 adolescentes escolares com dados disponíveis na PeNSE 2009 identificaram: 2,9% de déficit estatural, 2,9% de magreza, 23,0% de excesso de peso e 7,3% de obesidade. Todos esses, mais frequentes no sexo masculino. Os déficits foram superiores nas escolas públicas. O excesso de peso e a obesidade foram mais prevalentes no Sul e no Sudeste do país e em escolas privadas. Adolescentes, cujas mães eram de menor escolaridade ou de famílias mais pobres, apresentaram maior déficit de altura e o inverso ocorreu com o excesso de peso e a obesidade (ARAÚJO et al, 2010).

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 69 Estudo com adolescentes de uma comunidade de baixa renda, situada na cidade do Recife/PE, encontrou prevalência de 36,4% de excesso de peso com prevalência maior no sexo feminino (42,5%). O desfecho apresentou-se associado ao acesso à internet, número de pessoas na família e tempo de tela, apenas no sexo masculino. O excesso de peso no sexo feminino não se associou significativamente a nenhuma das variáveis avaliadas (BARBOSA et al, 2019). Verifica-se, com isso, que, mesmo em território com certa homogeneidade sociopolítica, os determinantes intermediários de circunstâncias de vida e comportamentos permitem compreender os aspectos relacionados ao excesso de peso na população de adolescentes.

A PeNSE 2015, estudo mais recente, identificou 2,9% de magreza e 22,2% de excesso de peso, o qual foi mais prevalente entre adolescentes brancos (23,1%), de escolas particulares (29,9%), da região sul (25,6%) e dos estratos socioeconômicos mais pobres – primeiro quinto de renda (24,3%) (CONDE et al, 2018). Essa análise considerando os quintos de renda aponta para a situação de risco alimentar e nutricional vivenciada por adolescentes mais pobres com o constante aumento do excesso de peso, semelhante aos resultados encontrados em países desenvolvidos e diferente dos resultados encontrados pela POF 2008-2009, o qual o excesso de peso era associado a melhores posições sociais.

Outros desfechos relacionados a condições nutricionais, não apenas os desvios nutricionais, apresentaram evidente determinação social segundo resultados do ERICA. A prevalência de hipertensão arterial (9,6%) nesse estudo foi mais baixa nas regiões Norte (8,4%) e Nordeste (8,4%), e mais alta na região Sul (12,5%) (BLOCH et al, 2016). A prevalência nacional de síndrome metabólica (2,6%) foi maior em adolescentes residentes na macrorregião Sul e em estudantes de escolas públicas (2,8%) (KUSCHNIR et al, 2016). As prevalências de HDL-colesterol baixo foram mais elevadas nas regiões Norte e Nordeste (FARIA NETO et al, 2016). Ressaltando desigualdade social nas condições de risco metabólico durante essa etapa da vida no Brasil.

Os padrões de consumo alimentar dos adolescentes também diferem com seus contextos de vida. Estudo que estimou três padrões a partir de marcadores de consumo alimentar de adolescentes das capitais brasileiras avaliados pela PeNSE 2009 observou maior proporção do padrão saudável entre aqueles moradores das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Foi identificada também correlação positiva entre o padrão saudável e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), e negativa desse indicador com o padrão alimentar misto (TAVARES et al, 2014). Evidenciando, com isso, que adolescentes de cidades

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 70 com melhores indicadores de desenvolvimento humano tendem a ter melhores padrões alimentares (figura 15).

Figura 15 – Proporção de escolares do 9º ano do Ensino Fundamental em cada padrão alimentar segundo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) das capitais brasileiras e do Distrito Federal. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2009 (PeNSE 2009).

Fonte: Tavares et al (2014, p. 5).

Análise fatorial com dados de recordatórios 24h do ERICA identificou maior adesão ao padrão não saudável e menor adesão ao padrão tradicional entre estudantes de escolas privadas (ALVES et al, 2019). Uma análise de componentes principais com dados da PeNSE 2015 identificou que a adesão ao padrão não saudável foi positivamente associada aos adolescentes do sexo feminino, à maior escolaridade materna, àqueles que residiam em regiões mais desenvolvidas e em área urbana (MAIA et al., 2018).

Avaliações dos determinantes sociais dos padrões alimentares apresentam resultados diferentes dependendo do tipo de variáveis e análises utilizadas. O consumo alimentar possui grande variabilidade e, dependendo do recorte geográfico considerado, podem-se descobrir peculiaridades nas prevalências dos padrões alimentares entre adolescentes. No estudo de

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 71 Tavares et al (2014), percebe-se que as prevalências de adesão aos padrões saudáveis de alimentação só aparecem nos cortes finais do IDH-M – a partir de 0,820. Porém, as prevalências dos três padrões são numericamente muito próximas, sugerindo que adolescentes que vivem em territórios com melhores indicadores de desenvolvimento humano tendem a melhor consumo alimentar. Entretanto, estudos que analisaram amostras mais dispersas nos territórios apresentam a tendência dos adolescentes brasileiros em possuir padrões alimentares semelhantes aos indicadores dos demais países em desenvolvimento, nos quais as melhores condições de vida representam maior acesso a alimentos processados e ultraprocessados.

A relação alimentação e território materializa-se nas diferenças culturais e socioeconômicas. No Brasil, um estudo da composição do desjejum de adolescentes avaliados pela POF2008-2009, por exemplo, identificou que, na região Norte, a frequência de consumo de café e chá, e de raízes e tubérculos é maior nessa primeira refeição do dia, enquanto é menor a presença de leite nessas refeições ao ser comparada às demais regiões brasileiras. Na região Nordeste, destaca-se o consumo de milho e de ovos; e na região Sul o consumo de carnes processadas e frutas. Adolescentes de famílias do menor quartil de renda relataram frequência mais elevada de consumo de café e chá, salgadinhos e chips, milho, raízes e tubérculos e menor consumo do grupo de leite e derivados. Os adolescentes de famílias do quartil mais elevado de renda referiram consumo mais expressivo de leite, suco de fruta, queijo e bebidas com adição de açúcar (MONTEIRO et al, 2017).

As rotinas alimentares de adolescentes também se diferenciam quando consideramos contextos familiares, comunitários e escolares. Foi estimado que o consumo regular do café da manhã entre adolescentes de grandes cidades brasileiras foi mais frequente entre aqueles, cujas mães apresentavam maior escolaridade, que estudavam em escolas privadas, no turno da tarde e residentes nas regiões Norte e Nordeste. Nesse mesmo estudo, o consumo recomendado de água foi maior em adolescentes residentes na região Norte. Quanto à realização de refeições com os pais ou responsáveis regularmente, a maior prevalência foi observada entre adolescentes cujas mães tinham maior escolaridade, eram de escolas privadas e residiam nas regiões Sul e Centro-Oeste (BARUFALDI et al, 2016).

Resultados do ERICA também apontaram que o tempo de exposição às telas foi mais frequente entre os adolescentes de escolas particulares, do turno da manhã e da região Sul do Brasil. A realização das refeições quase sempre ou sempre em frente à TV e o consumo de petiscos em frente às telas foram mais prevalentes entre os que estudavam na rede pública de ensino e eram da região Centro-Oeste (OLIVEIRA et al., 2016). O hábito de comer assistindo

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 72 TV e o maior tempo diante da TV foi mais prevalente entre estudantes com mães mais escolarizadas e adolescentes que não viviam com a mãe e o pai, segundo estudo com dados da PeNSE 2012 (FERREIRA et al, 2015). Destarte, a região de moradia, o tipo de escola que estuda e a escolaridade materna e composição familiar são variáveis importantes ao processo de investigação da determinação social da alimentação e nutrição na adolescência.

O nível econômico está associado a diversas práticas e comportamentos relativos à alimentação e nutrição nessa fase da vida, e não parece ser diferente com os indicadores de insatisfação corporal. Estudo que avaliou adolescentes de Pelotas/RS verificou que o nível econômico modificou o efeito do estado nutricional sobre a insatisfação corporal. Adolescentes das classes econômicas mais altas fora do peso ideal mostraram maior insatisfação corporal que os mais pobres. E, independentemente do nível econômico, as meninas estavam mais insatisfeitas com o excesso de peso, e os meninos, com a magreza (DUMITH et al, 2012).

Todos esses determinantes estruturais e intermediários podem ser organizados, por exemplo, em modelagens múltiplas a partir de técnicas hierarquias, multiníveis (ZANINI et al, 2011) ou de equações estruturais (AMORIM et al, 2010). Um inquérito realizado em dois distritos sanitários de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, entre 2008 e 2009, verificou de forma hierarquizada, fatores individuais, domiciliares e de vizinhança associados ao estado nutricional de adolescentes (figura 16). Nesse estudo, a prevalência de excesso de peso (21,9%) e de magreza (4,6%) associaram-se a variáveis de todos os níveis nos modelos finais. Os principais determinantes dos desvios nutricionais dos adolescentes avaliados foram a escolaridade da família, os hábitos domiciliares e o estado nutricional das pessoas do domicílio (BISPO et al, 2015).

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 73 Figura 16: Conceptual framework of factors associated with the nutritional status of urban

adolescents.

Fonte: Bispo (2015, p.S235).

Para os adolescentes com magreza, verificou-se associação direta com sexo masculino, autoavaliação da saúde como ruim, pior nível de bem-estar psicológico e social, consumo regular de frutas, de refrigerantes e risco de agressão; e associação inversa com a presença de adultos com excesso de peso no domicílio, maior escolaridade do chefe da família, renda familiar entre dois e 10 salários mínimos, consumo de pele de frango/carne gordurosa e consumo de leite integral. O excesso de peso nesses adolescentes foi associado aos domicílios com melhor renda e cujo chefe possuía menos anos de estudo, à sensação de segurança durante o dia e a noite, à presença de adultos com excesso de peso no domicílio, ao tempo de uma a duas horas assistindo TV, a pular o café da manhã, à avaliação da saúde como ruim ou muito ruim, e a pior insatisfação com a imagem corporal; enquanto a presença de adulto ativo foi inversamente associada ao risco de excesso de peso nesse grupo (BISPO et al, 2015).