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3.4 Determinantes sociais e sustentabilidade das questões alimentares e nutricionais na adolescência

3.4.3 Os ambientes alimentares domiciliares, escolares e comunitário

Discute-se, a partir desses estudos, a necessidade da investigação de ambientes alimentares domiciliares e comunitários na determinação social das questões alimentares e nutricionais na adolescência. Para a discussão sobre ambientes alimentares, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS) publicaram, em 2014, um Plano de Ações para Prevenção da Obesidade na Infância e Adolescência. Esse documento destacou: o consumo elevado de produtos com alto conteúdo calórico e pouco valor

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 74 nutricional, a comida rápida, a ingestão habitual de bebidas açucaradas e a atividade física insuficiente como componentes principais do ambiente obesogênico. Esse conceito, que emergiu em discussões de estudos da Epidemiologia Nutricional, consiste no conjunto de fatores importantes ao aumento de peso, da obesidade e das doenças crônicas não transmissíveis. Porém, esse mesmo documento amplia a discussão acerca do conceito de ambiente obesogênico ao incluir a necessidade de se conhecer determinantes ambientais e destacar que as ações preventivas devem ser baseadas na atividade física e nas modificações alimentares, as quais possuem pouca probabilidade de ter resultados satisfatórios em lugares onde os produtos de alto conteúdo calórico são facilmente acessíveis (OPAS, 2014).

Recentemente, uma publicação apresentou o conceito de Sindemia Global – coexistência de mudanças climáticas e pandemias de desnutrição e obesidade (SWINBURN et al, 2019). Esse estudo discute interações e fatores comuns entre a questão climática e os desvios nutricionais, e representa um avanço para uma perspectiva mais complexa sobre a importância dos ambientes para o desenvolvimento de problemas alimentares e nutricionais. A partir dessa discussão, pode-se refletir e identificar ambientes alimentares que estejam favorecendo outros comportamentos nas diversas fases da vida, no caso da adolescência, o desenvolvimento da desnutrição, as práticas alimentares restritivas, de padrões alimentares compostos por alimentos ultraprocessados e outras condições com repercussão negativa para a sua nutrição e saúde (figura 17).

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 75 Figura 17 - A visão da Sindemia Global sobre a interação e os fatores comuns da obesidade,

da desnutrição e das mudanças climáticas.

Fonte: Swinburn et al (2019, p. 30).

O equilíbrio de poder entre os atores dentro dos mecanismos de governança determina como as alavancas de poder são usadas. Essas alavancas incluem políticas (por exemplo, leis e regulações), incentivos e desincentivos econômicos e normas e expectativas da sociedade. Embora a governança ocorra em todos os níveis, a governança de nível macro (geralmente governos nacionais) cria as condições operacionais para os principais sistemas que impulsionam os setores da Sindemia Global - os setores de alimentos, transporte, uso do solo e desenho urbano. Esses sistemas macro, por sua vez, fluem por meio dos sistemas ou ambientes intermediários nos quais as pessoas interagem, como escolas, locais de trabalho, comércios e espaços comunitários. Eles, por sua vez, influenciam os microssistemas ou as redes sociais, como famílias e grupos sociais, afetando seus padrões comportamentais (SWINBURN et al, 2019, p.34).

O entendimento das interações entre adolescente e os ambientes alimentares domiciliar, escolar e comunitário é facilitado ao ser utilizado como exemplo o modelo socioecológico da interação pessoa-ambiente (figura 18) presente nesse relatório sobre a Sindemia Global.

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 76 Figura 18: A visão individual.

Fonte: Swinburn et al (2019, p. 30).

O modelo mostra como os indivíduos são produtos de seus atributos pessoais e dos ambientes e as influências em torno deles. Em nossa estrutura, os indivíduos preenchem todas as camadas dos sistemas humanos e interagem continuamente com os ecossistemas naturais. Eles não existem e não podem existir isoladamente dos sistemas naturais e humanos. Ao representar os indivíduos dessa maneira, as três partes da interação pessoa-ambiente tornam- se mais aparentes. A primeira parte é a questão pessoal que os indivíduos têm para fazer suas escolhas nos ambientes disponíveis. A segunda é a influência que o ambiente tem nestas escolhas. A terceira é a influência que o indivíduo tem na mudança dos ambientes e dos sistemas ao seu redor (SWINBURN et al, 2019, p.38).

Esses modelos que destacam sistemas micro, intermediários, macro, governança e naturais possibilitam uma intersecção com os conceitos de determinantes sociais intermediários e estruturais em saúde para uma melhor compreensão dos desfechos em epidemiologia nutricional, principalmente, porque colocam em discussão a importância da análise dos impactos dos diversos ambientes nas condições alimentares e nutricionais.

No ambiente alimentar doméstico, a avaliação da insegurança alimentar domiciliar é uma forma de identificar vulnerabilidade social, alimentar e nutricional. Um inquérito com adolescentes de municípios da Amazônia Legal, por exemplo, estimou uma prevalência de 23,1% de insegurança alimentar moderada e grave, a qual foi associada com a baixa renda familiar, a condições de saneamento precárias e a raça/cor preta (GUERRA et al, 2013). Outro

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 77 estudo com o mesmo recorte geográfico verificou 51,8% de insegurança alimentar e nutricional nos domicílios com adolescentes, os quais apresentaram maior disponibilidade e consumo de alimentos fontes de energia e baixo consumo de hortaliças, frutas e leguminosas (GUERRA et al, 2018). Adolescentes vivendo em domicílios em insegurança alimentar estão expostos, portanto, a questões alimentares e nutricionais de maior risco para saúde.

O efeito mediador do ambiente doméstico na qualidade da dieta dos adolescentes é bastante discutido (TABBAKH; FREELAND-GRAVES, 2015). Investigação com uma população dos EUA composta por adolescentes e seus responsáveis identificou que a disponibilidade de alimentos saudáveis em casa associou-se positivamente à ingestão de frutas, legumes e vegetais e negativamente à ingestão de refrigerantes e salgadinhos de pacote. Além disso, quando os pais apresentavam hábitos promotores de saúde, era menor o consumo de refrigerante por adolescentes. A restrição alimentar por parte dos pais foi positivamente associada ao consumo de frutas, legumes e verduras, mas também à maior ingestão de salgadinhos (LOTH et al, 2016). Nessa perspectiva, um inquérito com adolescentes dinamarqueses verificou que os pais, e não os amigos, foram os principais influenciadores da alimentação saudável dos adolescentes. Evidenciando as práticas alimentares dos pais como mais importantes que seus discursos e que o ambiente familiar é fundamental para implementação de intervenções alimentares saudáveis com esse grupo etário (PEDERSEN et al, 2015).

Na dimensão do ambiente comunitário, a influência dos amigos é importante ser investigada. No comportamento alimentar saudável de crianças e adolescentes, esse grupo é normalmente considerado como influência negativa à alimentação saudável, sendo os momentos de interação marcada pelo consumo de alimentos com alta densidade energética e baixo valor nutricional. No entanto, uma revisão sistemática verificou que, em alguns casos, essa influência desses pares também pode ser positiva. Os autores recomendam para a elaboração de formas eficazes para explorar essas relações positivas em prol do incentivo a comportamentos alimentares saudáveis entre adolescentes. Além disso, orientam a realização de estudos que explorem o impacto dos irmãos e fatores relacionados à interação social, os quais podem explicar a influência de colegas e irmãos no comportamento alimentar saudável de crianças e adolescentes (RAGELIENĖ; GRØNHØJ, 2020).

O ambiente alimentar dos territórios também deve ser considerado como possíveis determinantes dos desfechos em alimentação e nutrição, principalmente no âmbito da disponibilidade e comercialização de alimentos nos territórios. Estudo realizado com

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 78 adolescentes residentes na cidade de São Paulo, usando modelos de regressão logística multinível, estimou 29,6% de excesso de peso. Apesar de não serem encontradas diferenças significativas entre o ambiente alimentar e o status de peso dos adolescentes, a presença de restaurantes fast food próximos ao domicílio aumentava a probabilidade de apresentarem sobrepeso ou obesidade (NOGUEIRA et al, 2020). Uma análise espacial no território de uma amostra representativa de polos do Programa Academia da Saúde de Belo Horizonte verificou acesso limitado a estabelecimentos comerciais que ofertavam frutas e hortaliças com qualidade no território desse programa (COSTA et al, 2015).

O ambiente alimentar escolar é uma terceira categoria de ambiente que poder ser avaliada no processo de vigilância alimentar e nutricional do adolescente. O ERICA estudou o ambiente alimentar das escolas públicas e privadas no Brasil. Os resultados desse inquérito apontaram que, proporcionalmente, mais escolas públicas ofereciam refeições escolares (98,15%), em comparação com as escolas privadas (8,07%). A venda de alimentos e bebidas dentro do ambiente escolar era mais prevalente nas escolas privadas (97,75% vs. 45,06%). Além disso, a propaganda e a venda de alimentos processados e ultraprocessados (refrigerantes, biscoitos, salgadinhos, sanduiches e pizza) também eram mais comuns nas escolas privadas, assim como, a presença de máquinas de autoatendimento com venda de produtos industrializados (18,02% vs. 4%). Os vendedores ambulantes no portão ou nos arredores da escola foram identificados em 41,32% das escolas públicas e 47,75% das escolas privadas (CARMO et al, 2018).

A presença de hortas em escolas pode ser também uma variável do ambiente alimentar escolar relevante ao planejamento de ações de promoção da alimentação adequada e saudável. Análise com dados da PeNSE 2015 identificou que 27,6% dos adolescentes estudavam em escolas com hortas no Brasil. Dentre as macrorregiões, as maiores frequências de adolescentes em escolas com hortas foram identificadas na região Norte (34,1%) e Centro-Oeste (34,1%), e a menor da região Nordeste (19,8%). A ausência de horta associou-se a maiores prevalências de consumo regular de salgados fritos, refrigerantes e produtos alimentícios ultraprocessados salgados nesse grupo (VALE et al, 2018). Sugerindo, com isso, a importância desse espaço como uma estratégia para melhoria do consumo alimentar de adolescentes.

Outros indicadores referentes ao ambiente alimentar escolar são a oferta e a adesão à alimentação na escola. No Brasil, estudos que avaliaram essa oferta em escolas públicas são estratégicos para avaliação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A população de adolescentes atendidos em escolas públicas é um público socialmente mais

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 79 vulnerável, devido a piores condições de vida (renda, moradia). Isso afeta a disponibilidade de alimentos no domicílio, colocando-os em situações de insegurança alimentar e nutricional. Mesmo assim, o baixo poder aquisitivo não garante que a adesão à alimentação ofertada nas escolas seja alta. Estudo com dados da PeNSE 2012 apontou para uma baixa prevalência de consumo regular (3 ou mais dias na semana) da alimentação escolar por adolescentes brasileiros (22,8%). Essa regularidade foi maior entre os alunos do sexo masculino, pardos, que não moram em capitais, que trabalham, com mães pouco escolarizadas e entre aqueles que tomam café da manhã e almoçam com os pais (LOCATELLI et al, 2017).

A adesão à alimentação escolar parece depender de questões sociais, de hábitos alimentares do adolescente e, também, de organização do ambiente alimentar na escola. Inquérito com adolescentes de um município do Paraná verificou que essa adesão efetiva foi baixa (19,8%) e associada à renda familiar per capita inferior a um salário mínimo, ao menor consumo de alimentos que não os da alimentação escolar, ao fato de os adolescentes considerarem o espaço do refeitório adequado e acreditarem que a alimentação escolar era saudável (VALENTIM et al, 2017).

As interações entre adolescente e ambiente, também devem começar ser discutidas na dimensão da sustentabilidade levando em conta que esse é um publico estratégico (SHEEHAN et al, 2017). Na perspectiva dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, adolescentes precisam estar conscientes de seus papeis na construção de um mundo respeitando preservação da natureza e culturas e que discutir sobre desenvolvimento sustentável é criar possibilidade para ter uma alimentação saudável a partir de intervenções nas dimensões do ambiente, da disponibilidade, da acessibilidade e da utilização (EUPHA, 2017). No âmbito individual, as discussões sobre impacto ambiental da alimentação do adolescente parecem ser uma via diante de sua maior demanda nutricional e carcaterísticas dos padrões alimentares (HAN; CHAI; LIAO, 2020).

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 80 Figura 19: Sistemas alimentares sustentáveis (seguros) e os Objetivos de Desenvolvimento

Sustentável. Um exercício de posicionamento de todos os 17 ODS no âmbito de sistemas alimentares sustentáveis. Prof. Elliot Berry.

Fonte: European Public Health Association, 2017, p.13.

3.4.4 Um modelo conceitual da determinação social em alimentação, nutrição e saúde do