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3.4 Determinantes sociais e sustentabilidade das questões alimentares e nutricionais na adolescência

3.4.1 Determinantes Sociais em Saúde

No Brasil, assim como em outros lugares do mundo, a situação de saúde dos adolescentes é marcada pela vulnerabilidade relacionada a situações de déficit, de risco e de violência (SILVA et al, 2014). Circunstâncias de vida que colocam esse grupo em desvantagem com relação a oportunidades de acesso à saúde e ao bem-estar, ou seja, contextos de vida de desigualdade e injustiça social (BARATA, 2009, p.12). Destarte, o estudo das desigualdades sociais relacionadas a questões de alimentação e nutrição dos adolescentes são fundamentais para o desenvolvimento de ações de segurança alimentar e nutricional que atendam aos princípios da equidade, universalidade e integralidade em saúde.

Para Barata (2009), as desigualdades sociais estudadas no campo da Saúde Coletiva “são diferenças no estado de saúde entre grupos definidos por características sociais, tais como

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 62 riqueza, educação, ocupação, raça e etnia, gênero e condições do local de moradia ou trabalho” (BARATA, 2009, p.11).

O impacto dessas iniquidades sociais na saúde dos adolescentes foi verificado em diversos estudos. Por exemplo, uma avaliação da evolução das condições de saúde de crianças e adolescentes de todo o mundo de 1990 a 2017 constatou que a mortalidade infantil e dos adolescentes diminuiu, porém, as melhorias gerais nos indicadores de saúde foram mais lentas nos adolescentes. Os resultados apresentaram que esses ganhos das condições de saúde da adolescência dependeram de melhorias nas condições de vida familiar, das condições sanitárias, de sistemas alimentares estáveis e de acesso à educação de qualidade e ao trabalho (GBD, 2019). Tal resultado ratifica a importância dos espaços domiciliar, escolar e comunitário na determinação em saúde do adolescente.

O estudo da saúde e de seus determinantes sociais pela Epidemiologia é um compromisso com a geração de informações relevantes ao compromisso internacional com a promoção dos direitos humanos e com o combate às iniquidades sociais.

As iniquidades em saúde são causadas pelas condições sociais em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem, as quais recebem a denominação de determinantes sociais da saúde. Esses determinantes incluem as experiências do indivíduo em seus primeiros anos de vida, educação, situação econômica, emprego e trabalho decente, habitação e meio ambiente, além de sistemas eficientes para a prevenção e o tratamento de doenças (WHO, 2011, p.1).

As questões de saúde e bem-estar dos indivíduos e das comunidades devem ser analisadas visando compreender contextos de vida, os quais não podem ter sua diversidade e sua complexidade negados. Nesse intuito de compreender os contextos de produção da saúde, a Commission on Social Determinants of Health publicou em 2011 uma estrutura conceitual apresentando os determinantes sociais estruturais e intermediários de impacto sobre a saúde e bem-estar (figura 14).

Na área da Saúde Coletiva, a análise desses contextos é fundamentada principalmente pelas teorias dos Determinantes Sociais em Saúde (DSS). “As intervenções sobre esses determinantes — para os grupos vulneráveis e a população como um todo — são essenciais para que as sociedades sejam inclusivas, equitativas, economicamente produtivas e saudáveis” (WHO, 2011).

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 63 Figura 14 – Forma final do Commission on Social Determinants of Health Conceptual

Framework.

Fonte: WHO (2010, p. 6).

Os determinantes estruturais mais importantes e seus indicadores de proxy incluem: Renda, Educação, Ocupação, Classe social, Gênero, Raça/etnia. Juntos, o contexto, os mecanismos estruturais e a posição socioeconômica resultante dos indivíduos são “Determinantes estruturais” e, com efeito, são esses determinantes que chamamos de “determinantes sociais de iniquidade em saúde”. Os determinantes sociais subjacentes às iniquidades em saúde operam através de um conjunto determinantes intermediários da saúde para moldar os resultados da saúde. Os termos “determinantes estruturais” e “determinantes intermediários” ressaltam a prioridade causal dos fatores estruturais. As principais categorias de determinantes intermediários da saúde são: circunstâncias materiais; circunstâncias psicossociais; fatores comportamentais e/ou biológicos; e o próprio sistema de saúde como determinante social. As circunstâncias materiais incluem fatores como qualidade da habitação e da vizinhança, consumo potencial (por exemplo, os meios financeiros para comprar alimentos saudáveis, roupas quentes etc.) e as condições físicas do ambiente de trabalho. As circunstâncias psicossociais incluem estressores psicossociais, condições estressantes de vida e relacionamentos, apoio social e estilos de enfrentamento (ou a falta deles). Fatores comportamentais e biológicos incluem nutrição, atividade física, consumo de tabaco e consumo de álcool, que são distribuídos de forma diferente entre os diferentes grupos sociais. Os fatores biológicos também incluem fatores genéticos (WHO, 2010, p. 5-6, tradução nossa).

Análises de alguns desfechos em saúde dos adolescentes brasileiros destacam essa forte relação com questões sociais. Um primeiro exemplo é a autoavaliação do estado de saúde como ruim (7,1%), a qual foi associada positivamente ao sexo feminino, idade de 15 anos ou mais e

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 64 raça/cor da pele amarela, parda e indígena; o consumo regular de álcool e experimentação de drogas; e questões relacionadas à saúde física e emocional. Melhor escolaridade materna e a procura por serviços de saúde apresentaram associação negativa com esse desfecho (MALTA et al, 2018a).

Um segundo exemplo é a percepção de qualidade de vida relacionada à saúde, a qual foi melhor entre adolescentes de escolas privadas. Adolescentes mais velhos, de escola pública e aqueles com menor posse de bens apresentaram valores mais baixos de percepção da qualidade de vida (AGATHÃO et al, 2018).

O terceiro destaque é para importância do ambiente familiar e da rede de relações na prevenção de riscos em saúde, como utilização de tabaco, álcool por adolescentes (MALTA et al, 2011). O uso de drogas ilícitas durante a vida, por exemplo, foi relatado por 9,0% dos adolescentes escolares brasileiros, sendo mais prevalente entre as meninas, entre os que usavam álcool e tabaco, com atividade sexual, com maior percepção de solidão, com pouco vínculo/responsabilização entre escola e pais e com vivências de agressões no ambiente familiar. A menor utilização de drogas ilícitas pelos adolescentes associou-se ao maior contato e supervisão dos pais. Esse desfecho também foi mais prevalente entre adolescentes filhos de mães com maior escolaridade, que estavam inseridos no mercado de trabalho e entre jovens de escolas públicas (HORTA et al, 2018).

A prevalência de uso de tabaco (5,6%), de uso de álcool (23,8%); e da experimentação de drogas (9,0%) foi menor quando o adolescente morava com os pais, fazia refeições com pais ou responsável e existia supervisão familiar; enquanto faltar às aulas sem consentimento dos pais aumentou a chance de uso dessas substâncias. A maior chance do uso de substâncias esteve ainda associada à cor/raça branca, ao aumento da idade, a trabalhar, a sentir-se solitário e a ter insônia. Não ter amigos foi associado positivamente ao uso de drogas e de tabaco, porém, foi protetor para o uso de álcool (MALTA et al, 2018b). Com tudo, maiores vínculos com familiares e outros pares, como também melhores condições de vida da família e da comunidade parecem ter efeito protetor para a adoção de hábito de vida de maior risco para saúde entre adolescentes.

O quarto exemplo é a prevalência de transtornos mentais comuns (presença de sintomas de depressão e ansiedade, além de diversas queixas inespecíficas e somáticas) que foi de 30,0% para adolescentes brasileiros. As prevalências de transtornos mentais comuns aumentaram conforme a idade, para ambos os sexos, sempre maior nas meninas (variando de 28,1% aos 12 anos, até 44,1% aos 17 anos), do que nos meninos (variando de 18,5% aos 12

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 65 anos até 27,7% aos 17 anos). Não houve diferença importante por macrorregião ou tipo de escola, porém, análises estratificadas mostraram maior prevalência de transtornos mentais comuns entre meninas de 15 a 17 anos de escolas privadas da região Norte (LOPES et al, 2016). As situações de violência são outra relevante questão de saúde entre adolescentes brasileiros com comprovada determinação social. Os grupos mais vulneráveis a situações de violência entre os adolescentes das capitais brasileiras, a partir de uma análise das três edições da PeNSE, foram aqueles das escolas públicas. O sexo masculino foi associado aos casos de envolvimento em brigas com arma branca ou de fogo; e adolescentes do sexo feminino, nos casos de agressão física por familiar (PINTO et al, 2018).

A atividade física, como outro marcador de saúde, apresenta menor ou maior determinação social dependendo do indicador utilizado para avaliação dos adolescentes brasileiros. As prevalências de adolescentes fisicamente ativos observadas em 2012 (21,0%) e 2015 (20,7%) foram similares e independentes das características sociodemográficas analisadas a partir de dados das PeNSE (CONDESSA et al, 2018). Um estudo com os dados da PeNSE 2012, que utilizou o mesmo ponto de corte para prática regular de atividade física (300 minutos/semana ou mais) do estudo anterior, identificou que a escolaridade materna, os hábitos alimentares saudáveis e a supervisão familiar foram associados à prática regular de atividade física em meninos e meninas (CONDESSA et al. 2019). Outro estudo que avaliou dois indicadores de atividade física com dados das três edições da PeNSE verificou que escolares filhos de mães com maior escolaridade apresentaram maiores prevalências de atividade física de lazer; e menores, de deslocamento ativo para escola (FERREIRA et al, 2018).

Todos esses resultados sobre marcadores de proteção e risco para saúde dos adolescentes sugerem que o menor número de comportamentos de risco, as melhores condições de saúde e qualidade de vida são mais prevalentes em adolescentes que ocupam melhores posições sociais, caracterizadas pela escolaridade materna, vínculo familiar, tipo de escola que estuda e cor/raça.