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Pense - comportamentos, fatores psicossociais e sustentabilidade da alimentação de adolescentes brasileiros: da vigilância ao cuidado

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DIÔGO

VALE

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES

PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA

ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS:

DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO

NATAL/RN 2020

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DIÔGO

VALE

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES

PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA

ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS:

DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Doutor em Saúde Coletiva.

Orientador: Prof. Dr. Angelo Giuseppe Roncalli da Costa Oliveira

Natal/RN 2020

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Alberto Moreira Campos - -Departamento de Odontologia

Vale, Diogo.

Pense - comportamentos, fatores psicossociais e

sustentabilidade da alimentação de adolescentes brasileiros: da vigilância ao cuidado / Diogo Vale. - Natal, 2020.

273 f.: il.

Orientador: Prof. Dr. Angelo Giuseppe Roncalli da Costa Oliveira.

Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Natal, 2020.

1. Adolescentes - Tese. 2. Alimentação - Tese. 3. Epidemiologia - Tese. 4. Nutrição - Tese. 5. Determinantes Sociais da Saúde - Tese. I. Oliveira, Angelo Giuseppe Roncalli da Costa. II. Título.

RN/UF/BSO BLACK D585 Elaborado por MONICA KARINA SANTOS REIS - CRB-15/393

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DIÔGO VALE

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos muitos sujeitos que contribuíram com minha formação humana e profissional.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, à senhora Sant’Ana e a todas as enegias positivas que me impulsionaram nesse caminho de formação.

À minha mãe (Izabel Leni) e ao meu pai (Roberto) por todo o investimento de vida para criar filhos e formá-los para o trabalho e para o exercício da cidadania.

Aos meus avós e tias e ao meu irmão (Diego) que sempre foram exemplos e me incentivaram a seguir os caminhos do conhecimento.

À minha namorada (Mariana) e à rede de amizades que dividiram comigo diversos momentos de trabalho, estudo e boas conversas que fortaleceram minha saúde mental.

Aos meus orientadores Prof. Dr. Angelo Roncalli e Profa. Dra. Clélia Lyra, por terem me guiado no caminho da Saúde Coletiva e da Epidemiologia.

Ao Programa de Pós-Gradução em Saúde Coletiva da UFRN por ter me acolhido nesse percurso formativo.

Às minhas professoras Vera Lucia Xavier Pinto e Célia Marcia Medeiros de Morais por todo o cuidado na minha formação como nutricionista.

A todas as professoras do Departamento de Nutrição da UFRN pelo excelente trabalho que desempenham em nível de gradução e pós-gradução. Tenho muito orgulho de todo conhecimento construído nesse lugar.

Às minhas amigas Ginetta Amorim e Rebekka Fernandes por compartilharem comigo tantas reflexões sobre minha pesquisa e sobre o cuidado alimentar e nutricional de adolescentes. À Natalie Dantas, Larissa Seabra, Thaís Teixeira, Camila Valdejane, Maria Eduarda, Ricardo Andrade e Maria Hatjiathanassiadou que foram importantes parcerias na produção dos artigos.

Aos meus colegas de trabalho do IFRN e da UPA Parnamirim por todo apoio que foi fundamental para que eu conseguisse cursar o doutorado e trabalhar ao mesmo tempo.

A todas e todos adolescentes que compartilharam comigo suas histórias e questões de vida relacionadas à alimentação e nutrição.

À UFRN por ter me proporcionado uma formação integral enquanto profissional (graduação, mestrado e doutorado).

A todas as pessoas quem lutaram e ainda lutam por uma educação pública e de qualidade, mesmo diante de tantas dificuldades políticas.

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“Não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um ponto de chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De modo que nosso futuro se baseia no passado e se corporeifica no presente. Temos de saber o que fomos e o que somos, para saber o que seremos”.

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RESUMO

A adolescência é um período de modificações corporais, formação de comportamentos e de interações sociais, as quais impactam os padrões alimentares e o estado nutricional dos indivíduos, com repercussões ao longo da vida. Visando contribuir para o processo de vigilância e cuidado alimentar e nutricional desse público, o objetivo desta tese de doutorado foi investigar as prevalências de desvios nutricionais, padrões e comportamentos alimentares de adolescentes brasileiros e suas associações com fatores psicossociais, comportamentais e de sustentabilidade. Foram desenvolvidos dez estudos, sendo um metodológico, oito de associação utilizando abordagem quantitativa com dados provenientes da amostra 2 da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2015, e um ensaio teórico (1) O estudo metodológico destacou o potencial dos bancos de dados da PeNSE em estudos de vigilância alimentar e nutricional (VAN). Os estudos de associação exploraram as seguintes questões alimentares e nutricionais do adolescente: (2) adesão à alimentação escolar, (3) perfis alimentares e nutricionais, (4) obesidade e o déficit estatural, (5) indicadores de sustentabilidade da alimentação; (6) comportamentos de risco para transtornos alimentares, (7) distorção de imagem corporal, (8) vivência da insegurança alimentar e (9) insatisfação com imagem corporal. Finalmente, o ensaio discorre sobre o (10) cuidado alimentar e nutricional na adolescência. As variáveis dependentes/principais e independentes/secundárias dos estudos de associação foram representativas de contextos individuais, domiciliares e escolares. A identificação dos modelos explicativos para cada problemática ocorreu com a aplicação de estatísticas descritivas, teste Qui-quadrado de Person, Análises de Regressão de Poisson (clássica ou multinível) ou Análise de Correspondência. Os principais resultados foram: (1) os bancos de dados da PeNSE possibilitam diversas análises de associação para explorar questões alimentares, nutricionais e comportamentais relevantes ao processo de VAN dos adolescentes brasileiros; (2) a prevalência de baixa adesão à alimentação escolar (64,2%) associou-se aos comportamentos individuais, posição socioeconômica da família e do contexto escolar; (3) o perfil alimentar e nutricional mais prevalente entre adolescentes caracterizou-se por padrão alimentar de menor risco nutricional com eutrofia (42,6%) e os seis perfis formados por combinações entre categorias de padrão alimentar e de estado nutricional associaram-se a distintas características sociodemográficas, comportamentos e indicadores de sustentabilidade; (4) o déficit estatural (2,3%) foi explicado por variáveis biológicas e pior posição socioeconômica dos adolescentes; e a prevalência de obesidade (10,0%) apresentou associação com comportamentos individuais, fatores psicossociais de risco para saúde e melhor posição socioeconômica; (5) as pegadas médias de carbono (1206 gCO2e/kg), hídrica (2760 litros/kg) e ecológica (8,07 g-m2/Kg) foram maiores entre adolescente das regiões Sul e Sudeste, com padrão alimentar de maior risco nutricional; (6) a prevalência de comportamentos de risco para transtornos alimentares (16,5%) apresentou associação com pior posição socioeconômica, com comportamentos individuais e com fatores psicossociais de maior vulnerabilidade, existindo diferenças entre os comportamentos para perda de peso (11,3%) e aqueles para ganho de peso ou massa muscular (8,8%); (7) a superestimativa (6,6%) e a subestimativa (37,1%) da imagem corporal associaram-se a comportamentos individuais (sexo, satisfação corporal e comportamentos de risco para transtornos alimentares); (8) a vivência da insegurança alimentar domiciliar (22,8%) foi explicada pela pior posição socioeconômica, comportamentos de maior risco alimentar e

(8)

nutricional e por fatores psicossociais de maior vulnerabilidade; e (9) a insatisfação corporal coexiste com desvios nutricionais, consumo alimentar de maior risco nutricional, insegurança alimentar, comer de forma desatenta, comportamentos de risco para transtornos alimentares e melhor posição socioeconômica. Com base no reconhecimento de todo esse contexto, (10) deve-se pensar um modelo de gestão e produção do cuidado alimentar e nutricional de adolescentes brasileiros baseado na (a) incorporação de novos indicadores à VAN, (b) na qualificação das ações educativas para resiliência e autonomia e (c) no desenvolvimento de políticas públicas de saúde, alimentação e nutrição voltadas a essa população do Brasil.

Palavras-chave: Adolescentes, Alimentação, Nutrição, Determinantes Sociais da Saúde, Epidemiologia.

(9)

ABSTRACT

Adolescence is a time of changes in the body, behavior formation, and social interactions, which impact the eating patterns and nutritional status of individuals, with repercussions throughout life. Aiming to contribute to the process of surveillance and dietary and nutritional care of this public, the objective of this doctoral thesis was to investigate the prevalence of nutritional deviations, eating patterns, and behaviors of Brazilian adolescents and their associations with psychosocial, behavioral, and sustainability factors. Ten studies were developed, one methodological, eight association studies using a quantitative approach with data from sample 2 of the Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2015, and a theoretical essay. (1) The methodological study highlighted the potential of PeNSE databases in food and nutritional surveillance studies (VAN). The association studies explored the following food and nutritional issues of adolescents: (2) adherence to school feeding, (3) dietary and nutritional profiles, (4) obesity and status deficit, (5) indicators of food sustainability; (6) risk behaviors for eating disorders, (7) body image distortion, (8) experience of food insecurity and (9) dissatisfaction with body image. Finally, the essay discusses (10) food and nutritional care in adolescence. The dependent/main and independent/secondary variables of the association studies were representatives of individual, home, and school contexts. The identification of explanatory models for each problem occurred with the application of descriptive statistics, the Person Chi-square test, Poisson Regression Analysis (classic or multilevel), or Correspondence Analysis. The main results were: (1) PeNSE's databases allow several association analyses to explore food, nutritional, and behavioral issues relevant to the VAN process of Brazilian adolescents; (2) the prevalence of low school feeding (64.2%) was associated with individual behaviors, socioeconomic position of the family, and school context; (3) the most prevalent alimentary and nutritional profile among adolescents was characterized by an alimentary pattern of lower nutritional risk with eutrophy (42.6%) and the six profiles formed by combinations between categories of alimentary pattern and nutritional status were associated with different socio-demographic characteristics, behaviors and indicators of sustainability; (4) the status deficit (2.3%) was explained by biological variables and worse socioeconomic position of adolescents; and the prevalence of obesity (10.0%) was associated with individual behaviors, psychosocial risk factors for health and better socioeconomic position; (5) the average carbon footprint (1206 gCO2e/kg), water footprint (2760 liters/kg) and ecological footprint (8.07 g-m2/Kg) were higher among adolescents from the South and Southeast regions, with higher nutritional risk eating pattern; (6) the prevalence of risk behaviors for eating disorders (16.5%) presented

(10)

association with worse socioeconomic position, with individual behaviors and with more vulnerable psychosocial factors, existing differences between the behaviors for weight loss (11.3%) and those for weight gain or muscle mass (8.8%); (7) overestimation (6.6%) and underestimation (37.1%) of body image were associated to individual behaviors (sex, body satisfaction and risk behaviors for eating disorders); (8) the experience of household food insecurity (22.8%) was explained by worse socioeconomic position, higher food and nutritional risk behaviors and by more vulnerable psychosocial factors; and (9) body dissatisfaction coexists with nutritional deviations, higher nutritional risk food consumption, food insecurity, inattentive eating, risk behaviors for eating disorders and better socioeconomic position. Based on the recognition of all this context, (10) a model of management and production of food and nutritional care of Brazilian adolescents should be thought based on (a) incorporation of new indicators to VAN, (b) qualification of educational actions for resilience and autonomy and (c) development of public policies on health, food, and nutrition for this population in Brazil.

(11)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Vistas lateral direita e superior da sequência dinâmica de maturação da densidade de massa cinzenta sobre a superfície

cortical... 29 Figura 2 – Fontes de fatores de risco e de proteção, internos e externos ao

indivíduo, na infância e adolescência, que influenciam seu desenvolvimento nas diferentes faixas

etárias... 30 Figura 3 – Anamnese do adolescente: avaliação integral de adolescentes de 10 a

19 anos... 31 Figura 4 – Modelo conceitual de problemas nutricionais na adolescência e seus

fatores causais... 33 Figura 5 – Tendências no número de meninas (painel esquerdo) e meninos (painel

direito) com idades entre 5 e 19 anos com obesidade, por região, de

1975 a 2016... 34 Figura 6 – Prevalências de desvios nutricionais (magreza, excesso de peso e

obesidade) entre adolescentes brasileiros, segundo o sexo, Pesquisa de Orçamentos Familiares, 2008-2009... 35 Figura 7 – Prevalências de desvios nutricionais (magreza, excesso de peso e

obesidade) entre adolescentes brasileiros, segundo as faixas de idade,

Pesquisa de Orçamentos Familiares, 2008-2009... 35 Figura 8 – Prevalências de desvios nutricionais (magreza, excesso de peso e

obesidade) entre adolescentes brasileiros, segundo o sexo e faixa de

idade, Pesquisa de Orçamentos Familiares, 2008-2009... 36 Figura 9 – Avaliação pôndero-estatural: avaliar o crescimento segundo peso e

estatura do adolescente... 37 Figura 10 – Frequência semanal média de consumo de alimentos selecionados de

acordo com o padrão alimentar de escolares do 9º ano do Ensino Fundamental das capitais brasileiras e do Distrito Federal. Pesquisa

Nacional de Saúde do Escolar, 2009 (PeNSE 2009)... 40 Figura 11 – Uma estratégia geral para intervenção nutricional na adolescência... 44 Figura 12 – O desenvolvimento multifatorial da obesidade... 46 Figura 13 – Fontes de fatores de risco e de proteção, internos e externos ao

indivíduo, na infância e adolescência, que influenciam seu

desenvolvimento nas diferentes faixas etárias em situação ideal (a), situação de pouca participação familiar e escolar (b) e situação de institucionalização (c)...

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Figura 14 – Forma final do Commission on Social Determinants of Health

Conceptual Framework... 63 Figura 15 – Proporção de escolares do 9º ano do Ensino Fundamental em cada

padrão alimentar segundo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) das capitais brasileiras e do Distrito Federal. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2009 (PeNSE

2009)... 70 Figura 16 – Conceptual framework of factors associated with the nutritional status

of urban adolescents... 73 Figura 17 – A visão da Sindemia Global sobre a interação e os fatores comuns da

obesidade, da desnutrição e das mudanças

climáticas... 75

Figura 18 – A visão individual... 76 Figura 19 – Sistemas alimentares sustentáveis (seguros) e os Objetivos de

Desenvolvimento Sustentável. Um exercício de posicionamento de todos os 17 ODS no âmbito de sistemas alimentares sustentáveis. Prof. Elliot

Berry... 80 Figura 20 – Modelo conceitual da determinação social da alimentação e nutrição

do adolescente escolar brasileiro baseado no Commission on Social

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Composição e percentual de explicação da variabilidade dos padrões alimentares de cada região do país. Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA), Brasil,

2013-2014... 41 Quadro 2 – Observações sobre a prevenção da obesidade e de transtornos

alimentares em adolescentes. Academia Americana de

Pediatria... 49 Quadro 3 - Quadro 3: Síntese das variáveis e análises estatísticas por artigo da

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Indicadores antropométricos na população de 10 a 19 anos de idade, com base na distribuição de referência da Organização Mundial de Saúde – OMS, por sexo, segundo as classes de rendimento total e a variação patrimonial mensal familiar per capita – Brasil – período 2008-2009... 67 Tabela 2 – Indicadores antropométricos na população de 10 a 19 anos de idade, com

base na distribuição de referência da Organização Mundial de Saúde – OMS, por sexo e situação do domicílio, segundo as Grandes Regiões –

Brasil – período

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SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO ... 16

2 INTRODUÇÃO ... 23

3 REVISÃO DA LITERATURA ... 26

3.1 A adolescência como período de transformações biopsicossociais ... 26

3.2 O estado nutricional e o consumo alimentar de adolescentes brasileiros ... 32

3.2.1 Os desvios nutricionais ... 33

3.2.2 Consumo alimentar: padrões e marcadores ... 39

3.3 Comportamentos de risco para alimentação e nutrição na adolescência ... 45

3.3.1 Obesidade, estigma do peso e comportamentos de risco para transtornos alimentares... 47

3.3.3 Rotinas e práticas alimentares: indivíduo, família e escola ... 54

3.4 Determinantes sociais e sustentabilidade das questões alimentares e nutricionais na adolescência ... 58

3.4.1 Determinantes Sociais em Saúde ... 61

3.4.2 Determinantes sociais da alimentação e nutrição de adolescentes ... 65

3.4.3 Os ambientes alimentares domiciliares, escolares e comunitário... 73

3.4.4 Um modelo conceitual da determinação social em alimentação, nutrição e saúde do adolescente escolar brasileiro ... 80

4 OBJETIVOS ... 82

4.1 Objetivo geral ... 82

4.2 Objetivos específicos ... 82

5 MÉTODO ... 84

ARTIGO 1: POSSIBILIDADES PARA VIGILÂNCIA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DE ADOLESCENTES BRASILEIROS UTILIZANDO DADOS DA PENSE ... 86

6 RESULTADOS E DISCUSSÃO ... 111

ARTIGO 2 - ADESÃO À ALIMENTAÇÃO ESCOLAR POR ADOLESCENTES BRASILEIROS: DETERMINANTES INDIVIDUAIS E DO CONTEXTO ESCOLAR ... 112

ARTIGO 3 - PERFIS ALIMENTARES E NUTRICIONAIS DE ADOLESCENTES BRASILEIROS ... 133

ARTIGO 4 - OBESIDADE E DÉFICIT ESTATURAL ENTRE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DETERMINANTES INDIVIDUAIS, DOMICILIARES E DO CONTEXTO ESCOLAR ... 153

ARTIGO 5 - SEGUINDO AS PEGADAS AMBIENTAIS DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS ... 172

ARTIGO 6 - DETERMINANTES SOCIAIS DOS COMPORTAMENTOS ALIMENTARES DE RISCO PARA TRANSTORNOS ALIMENTARES ENTRE ADOLESCENTES BRASILEIROS ... 190

ARTIGO 7: DETERMINANTES DA DISTORÇÃO DA IMAGEM CORPORAL ENTRE ADOLESCENTES BRASILEIROS ... 208

ARTIGO 8: INSEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL ENTRE ADOLESCENTES ESCOLARES BRASILEIROS: ASSOCIAÇÕES COM DETERMINANTES SOCIAIS EM SAÚDE ... 223

ARTIGO 9 - INSATISFAÇÃO CORPORAL: MARCADOR DE INSEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DE ADOLESCENTES BRASILEIROS ... 244

ARTIGO 10: CUIDADO ALIMENTAR E NUTRICIONAL DE ADOLESCENTES DO BRASIL ... 252

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 260

(16)

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 16

1 APRESENTAÇÃO

O trabalho de colocar no papel minhas pesquisas, vivências, experiências e desejos é desafiador e talvez, por isso, intenso e estimulante. A dificuldade de iniciar a finalização desta tese foi ainda maior por ter realizado esse exercício criativo em meio a Pandemia de Covid-19. Acho que se pudéssemos falar sobre nossas pesquisas sentados em uma cadeira de balanço colocada nas calçadas das casas das pessoas de quem tanto gostamos em Caicó (nossa, dos nossos avós e amigos), produziríamos estudos mais impactantes e aplicáveis a realidade. Essa roda de conversa nas calçadas segue uma metodologia. Trata-se de um processo de “puxar as cadeiras pra fora”, contar boas histórias, discutir temas geradores sempre com escuta atenta, crítica e amorosa e “puxar as cadeiras pra dentro” é um, por isso, um fazer metodológico. Pode não ser “científico”, mas é produção de conhecimento com crítica qualificada e empática.

Lembro que ao escutar atentamente as histórias dos meus avós nas calçadas, aqueles causos iam sendo aprimorados conforme eram recontados. Esse era uma verdadeiro trabalho de reflexão e aprimoramento daquilo que queria ser comunicado. Inconscientemente, acho que usei uma adaptação dessa técnica para desenvolver minha pesquisa e conseguir produzir minha tese sobre alimentação e nutrição de adolescentes durante os quatro anos de doutorado. Contei minhas ideias nos grupos de WhatsApp, nas conversas de cafezinho com os colegas de trabalho e, ultimamente, nas reuniões virtuais.

Como para todas as pessoas que se desafiam a viver um doutorado, esses foram quatro anos marcantes. Algumas vezes não sabia dizer quando era meu trabalho como nutricionista do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) e quando era pesquisa de doutorado. Minha pesquisa e minha prática dialogaram de maneira muito prazerosa, por isso devo ter conseguido chegar até aqui.

Durante minha formação no doutorado em Sáude Coletiva tive oportunidade de participar de diversas ações no ambito do seviço, ensino, pesquisa e extensão. Cada uma delas foi determinante para minha formação profissional e humana. Assim que me formei mestre em 2016, finalizava além dessa etapa, meu ciclo como docente temporário do Departamento de Nutrição da UFRN. Entre 2006 e 2020, foram quatro anos de imersão como nutricionista em diferentes serviços de saúde e educação, do trabalho clínico em uma UPA24h (Parnamirim/RN) onde pude vivenciar o cuidado nutricional de pessoas com diferentes enfermidades, até os primeiros três anos e meio de minha jornada como nutricionista do IFRN. Fui de em um campus do interior (Currais Novos) a um campus do litoral (Ceará-Mirim). Somando a isso, iniciei com

(17)

PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 17 outras colegas nutricionistas um projeto de Educação Alimentar e Nutricional chamado “AlimentAção”. Tenho certeza de que todas essas experiências me permitiram crescer como profissional da Saúde Coletiva.

Mesmo não estando como docente, continuei exercendo minha vocação de professor em cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC), os quais crirei no IFRN Currais Novos: “Agente de alimentação escolar” para formação de merendeiras e agricultoras familiares, e “Promoção da alimentação saudável nas escolas”, o qual visava a formação de professores e nutricionistas para trabalharem a educação alimentar e nutricional de forma mais qualificada em suas escolas. Além disso, comecei a participar como orientador de estudantes do Curso Técnico em Programação de Jogos Digitais no desenvolvimento de seus trabalhos finais. Nesse processo estou aprendendo sobre a utilização de meios digitais como ferramenta educativa importante às ações de educação em saúde. Desenvolvemos dois jogos digitais, um para promoção da alimentação saudável com crianças (Um dia com carlinha) e outro para merendeiras (Maria: um dia na cozinha). No momento que estou finalizando esta tese, oriento três alunas no desenvolvimento de seus trabalhos finais, os quais são jogos digitais para adolescentes: (1) incentivo ao consumo de café da manhã e (2) prevenção de transtornos alimentares.

Nesse tempo, participei também como convidado para compartilhar minhas experiências profissionais nas disciplinas Educação Alimentar e Nutricional e Alimentação Escolar do Departamento de Nutrição da UFRN (DNUT/UFRN) e Seminários Gerais (Programa de Pós-Graduação em Nutrição da UFRN), além de ter colaborado como professor no Curso de Formação de Preceptores de Estágio na Área de Gestão em Alimentação Coletiva (DNUT/UFRN).

Em Pesquisa, além da construção da tese, pude aprender mais sobre métodos de investigação e produção científica, ao coloborar, como pesquisador do Programa Mais Médicos pelo Brasil no Rio Grande do Norte e com o Grupo de Pesquisa em Alimentação Coletiva do DNUT/UFRN; e na produção e publicação de artigos científicos em periódicos da área de Saúde Coletiva.

Com uma análise a partir dos dados da PeNSE, produzi o trabalho “Hortas escolares: análise espacial e associação com práticas alimentares de adolescentes brasileiros”, com o qual recebi o Prêmio de Menção Honrosa na modalidade Comunicação Oral durante o “II Ciclo de debates sobre sistemas alimentares sustentáveis para segurança alimentar e nutricional”. Esse trbalho foi publicado como capítulo no livro do evento (Caminhos para nutrição sustentável: Reflexões do II Ciclo de debates sobre sistemas alimentares sustentáveis, 2018).

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 18 Na Extensão, coordenei projetos, dentre os quais destaco “Promoção da alimentação saudável nas escolas: a comunidade escolar em rede” e “A utilização de jogos digitais para promoção da alimentação saudável nas escolas”. Esses foram importantes para divulgação do conhecimento produzido durante meus estudos do doutorado. Também colaborei com projetos para produção de hortas escolares (LABNUTRIR) e eventos sobre Educação Alimentar e Nutricional (I Ciclo de Debates sobre Educação Alimentar e Nutricional e O nutricionista e as redes sociais: ética, responsabilidade, perspectivas e desafios).

No contexto da Pandemia de COVID-19, estou envolvido nos projetos de extensão: “Se Liga: Autocuidado no Isolamento” e “Formação em Boas Práticas para prevenção da COVID-19 em serviços de alimentação escolar – IFRN”. Em todos esses, contribui e contribuo para ações relacionadas à alimentação, nutrição e saúde da comunidade escolar.

Como contribuição prática a partir das reflexões desta tese, produzi o livro “Educação alimentar e nutricional de adolescentes: complexidade, resiliência e autonomia”, o qual foi aprovado para publicação na Editora do IFRN. Essa obra pretende contribuir com a qualificação do cuidado alimentar e nutricional no contexto das ações de educação alimentar e nutricional com adolescentes no âmbito individual e coletivo.

Registrar aqui esse percurso formativo é fundamtal para compreensão do meu lugar de produção científica: Nutrição, Adolescentes, Saúde Coletiva. A partir desse momento apresentarei melhor minha tese. Tavez as informações do resumo tenham assustado um pouco, por isso decidi trazer um pouco de arte para este espaço. Aprendi que a arte torna nosso menos sofrido. Voltando a pensar sobre as conversas de calçadas, a arte de contar histórias naquele espaço me fez compreender questões muito complexas, como por exemplo, o conceito de “Seca” e de estiagem.

Lembro o meu avô Aprígio contando na calçada sobre as dificuldades vivenciadas durante o período de seca. Sem entregar um conceito de “Seca” que talvez ele nem soubesse, suas histórias me fizeram apreender as dimensões da estiagem hídrica e qual o efeito daquele processo para segurança alimentar e nutricional da população do Nordeste brasileiro, por exemplo. Como é fácil entender as questões da vida, mesmo sendo uma criança como era quando escutava todas as “histórias de calçada”, essas trazem conhecimento a partir de metáforas.

Rememorando aquelas que considero minhas melhores produções acadêmicas, identifiquei que todas foram tecidas a partir de uma metáfora. Não falo aqui das minhas produções científicas de maior impacto, mas aquelas com fluidez na leitura e que me trouxeram

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 19 o prazer de escrever. Infelizmente, a “academia” ainda não dialoga tão bem com a arte. Prezando pelo “cientificismo” e sem querer ser muito ousado, uso metáfora apenas aqui na apresentação.

Na necessidade de escrever uma tese que fosse lógica e que apreendesse a atenção do meu leitor diante das diversas quetões de saúde pública vivenciadas pelos adolescentes brasileiros com imensuráveis danos sociais, biológicos e econômicos, veio em meus pensamentos uma das importantes personagens de minha formação: a professora Vera Lucia Xavier Pinto. Ela me ensinou que nosso ato de escrever torna-se mais prazeroso quando nos guiamos por uma metáfora (PINTO, 2015).

Então nesse momento, começo uma história contada no estilo “calçada da casa das minhas tias em Caicó/RN”. Com objetivo de metaforizar minha tese e dar-lhe um fio condutor nessa apresentação escolhi uma obra de Julio Verne (1828-1905): Viagem ao Centro da Terra. Na adolescência lembro de ter me aproximado de suas obras, mas foi recentemente, por trabalhar com adolescentes que tive o prazer de revisitar algumas e conhecer outras. Verne é tido como o autor que inaugurou o gênero literário romance geográfico e científico. Ele viveu no século XIX, durante o período de revolução industrial que impactou as ciências e tecnologias, foi contemporâneo de importantes teorias e descobertas como a evolução das espécies de Darwin, a medicina experimental de Claude Bernard, a teoria atômica de John Dalton, a radioatividade de Henri Becquerel, a psicanálise de Sigmund Freud e o positivismo de Augusto Comte. Em suas obras, Verne retrata sua paixão por viagens, belezas naturais e a fascinação pelo mundo científico-tecnológico no qual vivia (RENARD, 2018, p.7)

Considero suas obras um exercício inteligente de religação entre conhecimentos científicos vigentes na época, notas sobre as realidades sociais e exposição criativa de sua imaginação. Julio Verne representa para mim: a inquietação, a capacidade de lidar com o imprevisível e com a curiosidade científica. Essas são posturas para desenvolver “Ciência com Consciência”, como ensina Edgar Morin (MORIN, 2013)

Durante a graduação tive oportunidade de conhecer nas minhas vivências com a professora Vera, algumas ideias sobre o conhecimento de Edgar Morin. Para ele “conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza” (MORIN, 2004, p. 59) e o Pensamento Complexo o qual defende em suas obras é “capaz de enfrentar a complexidade do real, permitindo ao mesmo tempo à ciência refletir sobre ela mesma” (MORIN, 2013, p. 31).

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 20 O que deve fazer um sanitarista se não o enfretamento da complexidade do real? E é dessa complexidade que se alimenta minha paixão pela ciência, pela Saúde Coletiva e pela alimentação e nutrição. Esses são campos “de conhecimentos e práticas” os quais me permitem ter uma consciência de mundo mais ampla e implicada com “o chamado do inconsciente coletivo, esse grande e sábio ancião que fala dentro de nós, e associá-lo ao outro chamado que vem da ciência moderna, feita com consciência” (BOFF, 1997, p.72).

Na ciência da Saúde Coletiva, posso realizar religações entre realidades sociais, informações epidemiológicas, os desafios da gestão, os interesses políticos, as ações em saúde e das suas ferramentas de avaliação. Essa multiplicidade de conhecimentos produz esse espaço de reflexão (Saúde Coletiva) tendo a garantia do direito humano à saúde como premissa.

O múltiplo da Saúde Coletiva fica evidente, por exemplo, ao pensarmos sobre o conceito de saúde. Almeida Filho em seu livro “O que é saúde?” apresenta suas “várias dimensões ou facetas”:

1. Saúde como fenômeno; fato, atributo, função orgânica, estado vital individual ou situação social, definido negativamente como ausência de doenças ou incapacidade, ou positivamente como funcionalidades, capacidades, necessidades e demandas.

2. Saúde como metáfora; construção cultural, produção simbólica ou representação ideológica, estruturante da visão de mundo de sociedades concretas.

3. Saúde como medida; avaliação do estado de saúde, indicadores demográficos análogos de risco, competindo com estimadores econométricos de salubridade ou carga de doença.

4. Saúde como valor; nesse caso, tanto na forma de procedimentos, serviços e atos regulados e legitimados, indevidamente apropriados como mercadoria, quanto na de direito social, serviço público ou bem comum, parte da cidadania global contemporânea.

5. Saúde como práxis; conjunto de atos sociais de cuidado e atenção a necessidades e carências de saúde e qualidade de vida, conformadas em campos e subcampos de saberes e práticas institucionalmente regulados, operando em setores de governo e de mercados, em redes sociais e institucionais (ALMEIDA FILHO, 2011, p. 27).

Ao expor a complexidade dessa ideia, esse importante sanitarista brasileiro, nos coloca em diálogo em prol da reflexão: será a saúde “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”? (OMS, 1946). Refletir e dialogar permitem a expansão dos conhecimentos e práticas de forma ética.

Segundo Paulo Freire, “o que se pretende com o diálogo, em qualquer hipótese, [...] é a problematização do próprio conhecimento em sua indiscutível relação com a realidade concreta na qual se gera e sobre a qual incide, para melhor compreendê-la, explicá-la, transformá-la” (FREIRE, 1992, p. 52).

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 21 Acredito que essa tese é um produto que fala indiretamente sobre minha relação com pessoas, sonhos, com o diálogo, a problematização, a complexidade, a alimentação e nutrição, a educação e a Saúde Coletiva. É um trabalho fruto de minha história e meus desejos que me levaram a pesquisar sobre adolescentes e suas questões alimentares e nutricionais, os quais são minha realidade concreta como nutricionista do IFRN.

“Viagem ao centro da Terra”, obra lançada por Verne em 1864, que descreve uma emocionante aventura narrada em primeira pessoa por Axel, um garoto que participa do percurso ao centro da terra depois que ele decifra um manuscrito. A trama inicia-se em 1863, século XIX, quando o renomado cientista e professor de geologia e mineralogia alemão, Otto Lidenbrock, após ter encontrado um manuscrito em código misterioso pelo antigo alquimista islandês do século XVI, Arne Saknussemm. Após seu sobrinho Axel ter decifrado o enigma, ele descobre que, segundo o alquimista, a cratera do vulcão Sneffels, situado na Islândia, é uma passagem para o centro da Terra.

Como na história de Axel que precisou decifrar o manuscrito, essa tese inicia com uma revisão de ideias principais para facilitar compreensões sobre adolescentes, alimentação, nutrição, comportamentos, sustentabilidade e determinantes sociais em saúde. Essa parte do texto é muito influenciada por minhas vivências profissionais como nutricionista da alimentação escolar implicado com o cuidado alimentar e nutricional de adolescentes.

O artigo metodológico (1) assemelha-se ao percurso feito por Axel e o professor Lidenbrock quando partiram para a Islândia com o intuito de penetrar no interior da crosta terrestre. Depois da chegada à Islândia, os aventureiros contrataram um caçador de gansos islandês, Hans Bjelke, para servir-lhes de guia até o vulcão e de ajudante na sua longa jornada no interior da Terra. Nesse primeiro artigo, como na preparação para a empreitada ao Centro da Terra, estão descritos os processos de tratamento do banco de dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), as variáveis e análises para produção de conhecimentos qualificados para vigilância alimentar e nutricional de adolescentes fundamental ao início do meu processo de exploração das realidades desse grupo etário no Brasil.

Os sete primeiros artigos de associação que exploram questões alimentares e nutricionais da adolescência são para mim como a descida realizada pelos três personagens por corredores e galerias até chegarem ao “Centro da Terra”. Axel, seu professor e o caçador de gansos vivenciaram vários obstáculos e empecilhos durante essa etapa, como a falta de água, falta de comida e a perda de Axel. Ao atingirem seu objetivo, vislumbram naquele interior um oceano, ilhas, nuvens e até mesmo luz, gerada por um fenômeno elétrico desconhecido. Naquele

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 22 ambiente há milhares de metros de profundidade, eles descobriram que existia um mundo paralelo ao mundo superficial. Vida que na superfície era considerada extinta há milhares de anos, que ia de dinossauros aos homens das cavernas.

Ao produzir os artigos com dados da PeNSE e pensar sobre seus resultados confrontados com minha prática profissional, fui realizando descobertas sobre mundo da adolescência. Por isso, esse trabalho foi se modificando e certamente nunca conseguiria registrar tudo que aprendi. À medida que realizei explorações dos dados, contatos com adolescentes em conversas de refeitório, nos atendimentos individuais e nos grupos de promoção de saúde do IFRN, surgia uma nova ideia, uma nova questão.

Durante esse tempo de pesquisa, me senti como aqueles três exploradores, os quais tiveram de construir uma jangada para viajar naquele oceano que parecia não ter fim. No oceano encontraram vários tipos de animais que nunca tinham visto anteriormente. Como eles, a cada nova descoberta desejava explorar mais, acredito que esse desejo pode ser sentido com as leituras dos nove artigos que constituem a seção resultados.

O nono artigo que discorre sobre a insatisfação corporal como marcador de insegurança alimentar e nutricional na adolescência é como os derradeiros eventos da aventura. Na história, Axel, Lindenbrock e Hans resistiram a uma tempestade de vários dias que os levou à margem oposta do oceano, onde encontraram a passagem para sair do centro da Terra, mas estava bloqueada por um recente desabamento de terra. Hans colocou pólvora em torno da passagem e explodiu o obstáculo, mas essa explosão foi de tal ordem que fez com que a jangada onde os três estavam fosse puxada para uma chaminé de um vulcão. Em consequência de uma erupção, foram expelidos com força para a superfície terrestre. Quando estabeleceram contato com os habitantes locais, descobriram que tinham saído no vulcão Stromboli, localizado a norte da Sicília. Ou seja, percorreram mais de cinco mil quilômetros nesse mundo paralelo. O artigo da insatisfação corporal assemelhasse a explosão para finalizar a aventura e exploração no “Centro da Terra”. Como os aventureiros, precisei estabelecer um final para essa aventura científica.

O décimo estudo que consiste em um ensaio sobre o cuidado alimentar e nutricional de adolescentes brasileiros foi pensado como conclusão das minhas explorações nessa aventura (tese). Acredito que é minha principal contribuição para reflexões sobre a saúde, alimentação e nutrição de adolescentes. É a “moral da história” dessa viagem que durou quatro anos, é “aquela contribuição” a qual desejamos entregar à sociedade, a contrapartida por todo o investimento de diferentes sujeitos em nossa formação, a “cereja do bolo”, o “mel do filhós”. Espero que sua leitura contribua para reflexões sobre alimentação, nutrição e saúde de adolescentes brasileiros.

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 23

2 INTRODUÇÃO

As questões alimentares e nutricionais da adolescência são amplas e não devem ser restritas a desvios nutricionais, como, por exemplo, baixa estatura, magreza, sobrepeso e obesidade. Todos esses são importantes indicadores do processo de vigilância alimentar e nutricional, mas parecem insuficientes para a efetivação das ações de organização da atenção nutricional, primeira diretriz da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) do Brasil (BRASIL, 2013). Esse processo de estruturação da gestão e produção do cuidado em alimentação e nutrição de adolescentes brasileiros deve considerar a avaliação de comportamentos e fatores psicossociais de risco para a nutrição e a saúde, bem como seus diferentes contextos de produção, os quais são tema de pesquisa desta tese.

Complementares aos indicadores de estado nutricional e consumo alimentar dos adolescentes brasileiros, foram realizadas análises sobre questões de adesão à alimentação escolar, de perfis alimentares e nutricionais, de indicadores de sustentabilidade, de comportamentos de risco para transtornos alimentares, de desvio da imagem corporal, da vivência da insegurança alimentar e de insatisfação com a imagem corporal. Esses marcadores parecem relevantes para a compreensão das vivências e das práticas alimentares de adolescentes, como também para o desenvolvimento de ações de promoção em saúde e de prevenção de agravos e doenças.

Este trabalho foi desenvolvido com a intenção de contribuir com os conhecimentos sobre a distribuição de desfechos referentes à alimentação, à nutrição e à saúde dos adolescentes brasileiros e seus fatores determinantes. Como motivações, tem-se o envolvimento do pesquisador com o tema, por ser nutricionista que trabalha com adolescentes, além da constatação de que esse grupo etário se encontra à margem das ações de saúde no Brasil. Isso se dá devido à consolidação de uma representação do adolescente como “problemático”, a qual acarretou poucas ações no sistema de saúde voltadas ao “protagonismo juvenil e o seu empoderamento” para melhoria de sua situação de saúde e bem-estar (VIEIRA NETTO, DESLANDES, 2016).

Ações na perspectiva de proteção e promoção da autonomia no processo de cuidado em saúde são importantes para esse grupo, ao contrário do que comumente acontece. Os adolescentes são quase sempre desconsiderados frente a decisões dos pais/responsáveis e as relações familiares não incentivam o diálogo, por serem baseadas em regras, punições, cobrança e controle. Por isso, debates acadêmicos sobre determinantes em saúde do adolescente são importantes para construção de conhecimentos sobre a necessidade de compartilhamento da

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 24 condução de uma fase saudável com atuação familiar e de outros ambientes, como a escola e a comunidade (ARAÚJO et al, 2018). Principalmente, ao ser considerado que, na área da alimentação, as compras dos alimentos e os cardápios servidos em casa são bastante influenciados pelas preferências dos adolescentes e crianças nesse contexto de sociedade de consumo (CONTRERAS & GARCIA, 2012).

É nesse conjunto de espaços de formação da adolescência (família, escola e comunidade) e dos determinantes sociais em saúde que são exploradas as práticas alimentares e o estado nutricional de adolescentes do Brasil nesta pesquisa de doutorado. Todas as discussões e os conhecimentos deste trabalho estão fundados na premissa de que a construção de hábitos saudáveis requer a ruptura da alimentação como: uma ação de comer certo ou errado, de um contexto familiar que não representa apenas proteção; do estigma social do corpo; das relações de controle por profissionais de saúde; e do ideal de desvinculação com a problematização (RODRIGUES, BOOG, 2006). Estes são pontos identificados para adolescentes convivendo com obesidade, mas que, na prática profissional do pesquisador, parece ser comum em adolescentes com estados nutricionais distintos.

Verificam-se, no Brasil, discussões incipientes dessas temáticas de saúde do adolescente nas políticas de alimentação e nutrição. Ações que historicamente avançaram, entretanto, não conseguiram progredir naquelas voltadas para os adolescentes. Talvez pelo pouco investimento político, até mesmo em ações de manejo da obesidade, importante questão de saúde pública. Essa ausência agrava as diversas situações de risco alimentar e nutricional vivenciadas por esse grupo, contribuindo para o aumento da vulnerabilidade biológica, psíquica e social dessa fase da vida (FREITAS et al, 2014).

A não legitimação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens é um marcador de que a adolescência não é prioridade na saúde pública brasileira (LOPEZ, MOREIRA, 2013). Talvez essa decisão política tenha impactado em indicadores de saúde-doença desse público, por exemplo, verifica-se estabilidade nas prevalências de consumo de cigarro, porém, um aumento de 18% no consumo de outros produtos do tabaco; redução de 27,3% (2009) para 23,2% (2015) do consumo regular de álcool, mas um aumento da experimentação de outras drogas. Somado ao crescimento das prevalências de todos os indicadores de violência e redução do uso de preservativos na primeira relação sexual. Além do predomínio de hábitos não saudáveis, apesar de discreta melhoria no consumo de alimentos ultraprocessados, acompanhado da redução no consumo de feijão e com apenas 20% dos escolares classificados como fisicamente ativos (REIS et al, 2018).

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 25 Frente a essa realidade epidemiológica, a qual também é social, faz-se necessário intensificar estudos sobre a saúde de adolescentes para denunciar condições de vida. Isso é importante para provocar gestores, objetivando a inclusão dessas questões na agenda do Sistema Único de Saúde (SUS), integrada a ações de outros setores, como Educação, Desenvolvimento Social e Segurança (REIS et al, 2018).

Esta tese, construída no campo da Saúde Coletiva, busca ser uma contribuição para discussões sobre efeitos dos contextos de vida dos adolescentes para qualificação da vigilância alimentar e nutricional, e do cuidado em alimentação e nutrição desse grupo. Para isso, no primeiro capítulo, está disponível uma revisão de literatura, que parte da discussão sobre a multiplicidade da adolescência, passando por tópicos que destacam o estado nutricional, o consumo alimentar e os comportamentos alimentares dos adolescentes, finalizando com uma discussão sobre a sustentabilidade e os determinantes sociais da alimentação e nutrição de adolescentes brasileiros. Destaca-se o papel das condições de vulnerabilidade social materializadas em comportamentos individuais, condições familiares, nos contextos do ambiente escolar e dos espaços geográficos.

O capítulo da metodologia destaca o tipo de estudo, as características da PeNSE 2015 e das variáveis utilizadas, além das técnicas de análise múltipla de dados (dependência e interdependência). Estas foram empregadas para identificação de modelos representativos da realidade alimentar e nutricional de adolescentes escolares brasileiros e estão descritos no (1) artigo metodológico que compõe tal seção.

Posteriormente, o capítulo de resultados está composto por uma coletânea de nove artigos referentes a identificação de modelos explicativos de comportamentos, fatores biológicos e psicossociais: (2) baixa adesão à alimentação escolar, (3) perfis alimentares e nutricionais, (4) obesidade e déficit estatural, (5) pegadas hídrica, ecológica e de carbono da alimentação, (6) comportamentos de risco para transtornos alimentares, (7) distorção da imagem corporal, (8) vivência da insegurança alimentar, e (9) insatisfação corporal. A partir dessa análise de marcadores de alimentação e nutrição e da revisão da literatura, foi construído um (10) ensaio sobre o cuidado alimentar e nutricional de adolescentes com característica mais propositiva.

Finalmente, é apresentada uma síntese dos principais resultados e suas contribuições para Saúde Coletiva e Nutição, sugestões para estudos posteriores, recomendações para o campo da alimentação e nutrição na adolescência e um pouco do meu percurso formativo nessa área.

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 26

3 REVISÃO DA LITERATURA

O presente capítulo expõe o referencial teórico e conceitual que norteou esta pesquisa. O primeiro tópico, “A adolescência como período de transformações biopsicossociais”, apresenta um compilado de informações que situa esse momento da vida em sua complexidade envolvendo mudanças biológicas, comportamentais e de relações com seus grupos e espaços.

No tópico seguinte, “O estado nutricional e o consumo alimentar dos adolescentes brasileiros”, exploram-se dados e indicadores dos principais estudos brasileiros que avaliaram as questões do excesso de peso, obesidade, magreza, baixa estatura e padrões alimentares e dietéticos de adolescentes. O terceiro tópico “Comportamentos de risco para alimentação e nutrição do adolescente”, aborda conceitos e indicadores relacionados a questões alimentares e nutricionais da adolescência, com destaque para os comportamentos de risco para transtornos alimentares, rotinas e práticas alimentares.

Por fim, no quarto tópico, “Determinantes sociais das questões alimentares e nutricionais na adolescência”, são descritos resultados da literatura científica nacional e internacional sobre a vulnerabilidade da saúde do adolescente, sua relação com a família, escola e comunidade. Com destaque para reflexões sobre a teoria dos Determinantes Sociais em Saúde, sobre a sustentabilidade e sua aplicabilidade para compreensão de questões alimentares e nutricionais da adolescência no Brasil.

3.1 A adolescência como período de transformações biopsicossociais

A adolescência é uma fase de importantes transformações corporais (ALOTAIBI, 2019) e um período oportuno para o cuidado em saúde. Nesse momento da vida, pode-se intervir para correção de problemas nutricionais da infância e para prevenção de questões de saúde-doença prevalentes na vida adulta (WHO, 2005, p. 7).

Essa fase cronologicamente abrange indivíduos entre 10 e 19 anos, 11 meses e 29 dias de idade, contida na faixa etária chamada de juventude (entre 15 e 24 anos de idade) (WHO, 1995). Geralmente, entre 10 e 14 anos de idade, ocorre o estirão de crescimento e o surgimento de características sexuais secundárias; e, entre os 15 e 19 anos, finaliza-se o crescimento e o desenvolvimento morfológico (OPAS, 1995). Essas modificações físicas estão conectadas a questões de desenvolvimento psíquico e a realidades sociais, as quais tendem a acarretar mudanças nos hábitos alimentares, no estado nutricional, no estilo de vida e nos

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 27 comportamentos de socialização com a família, com os amigos e com outros pares (PRIORE et al, 2010; FERRREIRA et al, 1998).

As rápidas transformações biopsicossociais que acontecem na adolescência relacionam-se à situação de vulnerabilidade do seu processo saúde-doença, no qual os estímulos externos se unem intensamente às mudanças internas do organismo (COSTA; MACHADO, 2014). Trata-se, portanto, de um momento vivenciado de formas diferentes por cada sujeito, em cada sociedade e cultura.

Historiando o conceito de adolescência, Corso & Corso (2018) apresentam-no como uma construção do século XX:

A adolescência é um extenso espaço de tempo no qual ocorrem o desligamento da infância e a preparação para a vida adulta. Essa forma de categorizar a juventude se iniciou ao redor da Primeira Guerra, mas assumiu forma massiva no Ocidente após a Segunda Guerra, seguindo em vigência e tomando contornos cada vez mais amplos. Além de inventarmos essa fase da vida, nós a idealizamos, convictos de que seria o tempo de ouro da existência (CORSO & CORSO, 2018, n.p).

Coutinho (2009, p.17) também defende a “adolescência” como uma ideia consolidada no século XX, mas chama atenção que sua construção conceitual é permeada por aspectos históricos, movimentos literários e manifestações culturais que datam a pré-história, quando já existiam ritos de passagem da infância para a vida adulta.

Jensen (2016, p. 24-25) relata que o psicólogo Granville Stanley Hall, primeiro norte-americano a obter o grau de Doutor em Psicologia pela Universidade de Havard, foi pioneiro ao ter utilizado o termo adolescência em sua obra publicada em 1904: Adolescence: Its Psychology and Its Relations to Physiology, Anthropology, Sociology, Sex, Crime, Religion and Education. Para Hall, esse período consistia em uma fase fisiológica, psicológica e socioantropológica específica.

Fisiologicamente, ocorrem alterações nas concentrações sanguíneas de hormônios sexuais (testosterona, estrogênio e progesterona), as quais causam transformações físicas diferenciando meninos (modificação vocal e crescimento de pelos faciais) de meninas (desenvolvimento de seios e início da menstruação). No sexo feminino, ocorrem oscilações na concentração sérica do estrogênio e progesterona, hormônios modulados pelo ciclo menstrual e ligados a neurotransmissores de controle do humor. A maior quantidade de testosterona no sexo masculino encontra receptores na amídala, região cerebral responsável por reações de luta e fuga (agressão e medo), por exemplo. Somado a esses fatos, os hormônios sexuais também

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 28 possuem forte interação com o sistema límbico – centro emocional do cérebro. Tudo isso é indicativo da adolescência como um período de comportamentos muito peculiares, algumas vezes rotulado por sua impulsividade e irracionalidade (JENSEN, 2016, p. 27).

Esses comportamentos devem ser compreendidos a partir de conhecimentos sobre a neurofisiologia do comportamento dos adolescentes. Jensen (2016, p. 32) descreve que:

[...] o cérebro de um adolescente é quase um paradoxo. Tem uma abundância de substância cinzenta (os neurônios que formam os componentes básicos do cérebro) e um suprimento insuficiente de substância branca (o tecido conectivo que ajuda as informações a fluírem com eficiência de uma parte do cérebro para outra) -, e é por isso que o cérebro adolescente é quase como uma Ferrari novinha em folha: está preparada e abastecida, mas ainda não passou pelo teste de pista. Em outras palavras, ele está acelerando, mas não sabe muito bem para onde ir. Esse paradoxo levou a uma espécie de mensagem cultural confusa. Presumimos que, quando alguém tem a aparência física de um adulto, também deve ser mentalmente adulto. Os garotos fazem a barba e as garotas podem engravidar, mas, em termos neurológicos, nenhum dos dois tem o cérebro pronto para o horário nobre: o mundo dos adultos.

As variações séricas de hormônios sexuais e essa insuficiência de substância branca cerebral somam-se a um terceiro fator, que é a ordem de conectividade das áreas cerebrais. Uma análise da maturação da massa cinzenta da superfície córtex cerebral humano dos 4 aos 21 anos de idade evidencia que o seu processo de maturação (representado pela cor azul) inicia-se nas regiões dorsais parietais (áreas sensório-motoras) e acontece por último nos lobos pré-frontais (comportamentos e emoções) (GOGTAY et al, 2004) (figura 1).

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 29 Figura 1 – Vistas lateral direita e superior da sequência dinâmica de maturação da densidade

de massa cinzenta sobre a superfície cortical.

Fonte: Gogtay et al. (2004, p.8178).

Na fase da adolescência, portanto, “o cérebro [...] percorreu apenas cerca de 80% do caminho para maturidade. Esses 20% de defasagem, nos quais as conexões são as mais delicadas, são cruciais e contribuem muito para explicar por que os adolescentes se portam de maneiras tão intrigantes [...]”: humor irregular, maior irritabilidade e impulsividade, dificuldade de concentração, tendência a condutas arriscadas (JENSEN, 2016, p. 41-42). Essas informações permitem reflexões sobre aspectos dos diversos comportamentos na adolescência, inclusive aqueles ligados à alimentação e à nutrição.

Todavia, o comportamento não é constituído apenas a partir de interações fisiológicas. As condições de vida e as influências mútuas que o indivíduo estabelece nesse momento da vida são determinantes de seus traços comportamentais, de escolhas e de desenvolvimento. Em 1978, Nordio discutiu esses determinantes e publicou na Revista Italiana de Pediatria um diagrama distributivo “das forças que entram em jogo no processo de desenvolvimento da criança e do adolescente numa perspectiva geral” (BRASIL, 2017, p. 31) (figura 2).

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 30 Figura 2 – Fontes de fatores de risco e de proteção, internos e externos ao indivíduo, na infância e adolescência, que influenciam seu desenvolvimento nas diferentes faixas etárias.

Fonte: Nordio, 1978 apud Brasil (2017, p. 30).

São forças compostas por fatores de proteção (forças de resiliência) e por fatores de risco (forças de vulnerabilidade). Cada sujeito irá se autoproduzir na confluência destas linhas de força e na forma como estas lhe são apresentadas. Uma mesma força poderá ser vivida de forma radicalmente diferente por diferentes sujeitos, cada um em sua singularidade (BRASIL, 2017, p. 31).

Com essa representação gráfica, pode-se conjeturar sobre os papéis e as influências dos múltiplos espaços sobre o processo saúde-doença de adolescentes, os quais serão afetados de maneiras diferentes de acordo com o conjunto de exterioridades sociais inerentes à sua realidade. Pode-se perceber, a partir do diagrama anterior, que é esperada redução das forças de influência da família e da escola a partir dos 10 anos de idade, com aumento importante das forças de resiliência e vulnerabilidade advindas do próprio indivíduo e da comunidade (amigos e outros pares).

A redução da influência do ambiente familiar e da escola demanda e, ao mesmo tempo possibilita, o desenvolvimento da autonomia do adolescente para fazer suas escolhas e adotar comportamentos. O indivíduo necessita, com isso, de condições favoráveis para um processo de transição saudável entre a infância e a vida adulta. Por isso, é importante a avaliação contínua de fatores de proteção e risco. Nesse sentido, a iniciativa Proteger e Cuidar da saúde de adolescentes na atenção básica (BRASIL, 2017) apresenta em seu fluxograma da atenção

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 31 integral perguntas que permitem reconhecer aspectos, como: educação, trabalho, vida social, hábitos, alimentação, situação emocional, imagem corporal e projeto de vida (figura 3).

Figura 3 – Anamnese do adolescente: avaliação integral de adolescentes de 10 a 19 anos.

Fonte: Adaptado de Brasil (2017, p. 110).

Perguntar Observar Especificar

• Motivo da consulta do adolescentes e do responsável (quando presentes). • Antecedentes pessoais e familiares. • Educação. • Trabalho. • Hábitos. • Alimentação.

• Uso de álcool, tabaco e outras substâncias psicoativas. • Acidentes. • Sexualidade. • Situação emocional. • Imagem corporal. • Projeto de vida. • Aparelhos e sistemas orgânicos. • Segurança ambiental do território. • Condições gerais: higiene pessoal, tatuagem e piercings. Atitude durante a consulta, rejeição/aceitação. • Comunicação • Sinais de depressão, de ansiedade. • Sinais de desnutrição/obesidade.

Satisfação com sua imagem corporal.

Obs. O exame físico pode ser realizado em mais de uma consulta, de acordo com a necessidade ou aceitação do adolescente. • Crescimento. • Desenvolvimento. • Estado emocional. • Estado nutricional. • Estágio puberal. • Acuidade visual. • Saúde bucal. • Imunizações. • Capacidade de resiliência. • Vulnerabilidades. • Patologias clínicas/psicossociais. • Inserção na família, escola, trabalho e comunidade.

DIAGNOSTICAR A CONDIÇÃO DE SAÚDE DO ADOLESCENTE

Adolescente saudável Adolescente vulnerável/doente biológico ou psicossocial Individualizar segundo os achados

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 32 Esse documento ressalta que o crescimento e o desenvolvimento na adolescência devem ser avaliados considerando as especificidades da fase. Um período o qual exige maior demanda do adolescente por alimentação em quantidade e qualidade adequada visando ao não comprometimento desse processo devido ao desenvolvimento de desvios nutricionais (magreza e obesidade) e de outros problemas de saúde. Tudo isso necessitando ser avaliado no seu contexto biopsicossocial. Sempre considerando suas relações com a alimentação, a nutrição e os ambientes, a satisfação corporal e suas condições de vida, pautados em uma atitude de vigilância alimentar e nutrição por parte de profissionais e serviços de saúde.

3.2 O estado nutricional e o consumo alimentar de adolescentes brasileiros Os dados antropométricos (peso, estatura), de composição corporal e de consumo alimentar e dietético são as principais fontes de informação no processo de vigilância alimentar e nutricional – individual ou coletiva e em estudos epidemiológicos.

A vigilância alimentar e nutricional consiste na descrição contínua e na predição de tendências das condições de alimentação e nutrição da população e seus fatores determinantes. Deverá ser considerada a partir de um enfoque ampliado que incorpore a vigilância nos serviços de saúde e a integração de informações derivadas de sistemas de informação em saúde, dos inquéritos populacionais, das chamadas nutricionais e da produção científica (BRASIL, 2013, p.35).

A Organização Mundial de Saúde (OMS), em publicação de 2005, objetivando contribuir para a vigilância alimentar e nutricional, publicou um documento sobre os desafios e questões de nutrição na adolescência para o setor de saúde. Nessa publicação, destacou os problemas nutricionais (desnutrição, deficiência de micronutrientes, obesidade e doenças crônicas relacionadas à nutrição) e seus fatores causais: estilo de vida, inadequações alimentares, gravidez precoce e doenças infecciosas. Segundo os apontamentos da OMS, tais inadequações são determinadas por fatores psicológicos e socioeconômicos, como descritos em seu modelo teórico, o qual motivou diversos estudos sobre desvios nutricionais e padrões alimentares associados (figura 4).

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 33 Figura 4 – Modelo conceitual de problemas nutricionais na adolescência e seus fatores

causais.

Fonte: WHO (2005, p. 12).

3.2.1 Os desvios nutricionais

No mundo, a prevalência de obesidade, desvio nutricional de reconhecida magnitude, entre crianças e adolescentes aumentou nos últimos 25 anos, chegando, em 2015, a 5,0%, e em adultos a 12,0% (GDB, 2017). Foram especialmente afetados por esse crescimento os países do Oriente Médio, Leste Asiático, aqueles de alta renda, de língua inglesa e da América Latina Central e da América Latina do Sul nos últimos 40 anos (figura 5) (STEINBECK et al, 2018).

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 34 Figura 5 – Tendências no número de meninas (painel esquerdo) e meninos (painel direito)

com idades entre 5 e 19 anos com obesidade, por região, de 1975 a 2016.

Fonte: Steinbeck et al (2018, p. 333).

No Brasil, resultados do Estudo Nacional de Despesas Familiares (ENDEF) e da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostraram que, entre 1974-1975 (IBGE, 1978) e 2008-2009(IBGE, 2010), a prevalência de excesso de peso (sobrepeso e obesidade) entre adolescentes passou de 11,3% para 20,5%. A taxa de obesidade aumentou de 1,1% para 4,9% nesse período.

Na POF 2008-2009, as prevalências de todos os desvios foram maiores no sexo masculino: magreza (3,7%), de excesso de peso (21,5%) e obesidade (5,8%), quando comparado às encontradas para o sexo feminino (figura 6).

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 35 Figura 6 – Prevalências de desvios nutricionais (magreza, excesso de peso e obesidade) entre

adolescentes brasileiros, segundo o sexo, Pesquisa de Orçamentos Familiares, 2008-2009.

Fonte: Elaborado pelo autor (2020) com dados do IBGE (2010, p. 52).

Nesse ano, os três desfechos (magreza, excesso de peso e obesidade) nessa fase da vida apresentaram redução com o aumento da idade (figura 7).

Figura 7 – Prevalências de desvios nutricionais (magreza, excesso de peso e obesidade) entre adolescentes brasileiros, segundo as faixas de idade, Pesquisa de Orçamentos Familiares,

2008-2009.

Fonte: Elaborado pelo autor (2020) com dados do IBGE (2010, p. 52).

As reduções das prevalências de excesso de peso e obesidade com o aumento da idade ocorreram em ambos os sexos. Porém, na última faixa de idade (18-19 anos), adolescentes do

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 36 sexo feminino apresentaram maiores prevalências desses desfechos comparados ao sexo masculino (figura 8).

Figura 8 – Prevalências de desvios nutricionais (magreza, excesso de peso e obesidade) entre adolescentes brasileiros, segundo o sexo e faixa de idade, Pesquisa de Orçamentos Familiares,

2008-2009.

Fonte: Elaborado pelo autor (2020) com dados do IBGE (2010, p. 52).

Inversão semelhante foi identificada em estudo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2015 (PeNSE 2015), no qual o sexo feminino ultrapassou as prevalências de excesso de peso encontradas para o sexo masculino (18,4%) a partir dos 16 anos de idade (20,3%) (CONDE et al, 2018).

Resultados do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (ERICA), o qual avaliou adolescentes escolares de municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes em 2013-2014, estimaram aproximadamente 25,5% de excesso de peso (17,1% de sobrepeso e 8,4% de obesidade) (BLOCH et al, 2016). Estudo com dados da PeNSE 2015 identificou uma prevalência de magreza e de excesso de peso para os adolescentes escolares brasileiros de 2,9% e 22,2%, respectivamente (CONDE et al, 2018).

Na adolescência, os indicadores de estado nutricional recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) são Índice de Massa Corporal para idade (IMC-I) e Estatura para idade (E-I) (BRASIL, 2015, p.22). Ao considerar a idade e o sexo do(a) adolescente, são realizadas avaliações mais precisas ponderando-se as modificações que ocorrem nos diferentes sexos entre os 10 anos e 19 anos, 11 meses e 29 dias de idade (figura 9).

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PENSE - COMPORTAMENTOS, FATORES PSICOSSOCIAIS E SUSTENTABILIDADE DA ALIMENTAÇÃO DE ADOLESCENTES BRASILEIROS: DA VIGILÂNCIA AO CUIDADO 37 Figura 9 – Avaliação pôndero-estatural: avaliar o crescimento segundo peso e estatura do

adolescente.

Fonte: Adaptado de Brasil (2017, p. 74).

É importante destacar que o cálculo de tais indicadores e a plotagem dos resultados nas curvas de crescimento da OMS são apenas uns dos métodos de avaliação nutricional antropométrica. Diferentes técnicas podem ser utilizadas quando o objetivo é avaliação da composição corporal ou a estimativa do gasto energético, por exemplo. Porém, esses são

Referências

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