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2.1 Hanseníase como Problema de Saúde Pública

2.1.2 Determinantes Sociais em Saúde & Hanseníase

A saúde sempre foi alvo de desejo do homem e a busca para a cura das doenças, consecutivamente, esteve vinculada a concepções sociais sobre o processo saúde-doença- morte. Ao compreender, por exemplo, que os males e adoecimentos estavam relacionados à percepção de pecado, as ações instituídas para o seu controle tinham forte caráter religioso, como penitências e castigos. À medida que novas percepções surgiam, alterou-se o foco das intervenções. Ainda no Renascimento, por exemplo, as reflexões sobre causalidade passaram a concentrar esforços sobre fatores externos, atribuindo à insalubridade de ambientes físicos a origem de fenômenos de contágio e difusão de epidemias (CARVALHO et al., 2014).

No século XVIII, foram desenvolvidos estudos, relacionando o status de saúde à condição de vida (pobreza) e a ambientes sociais e físicos, a exemplo da obra “A miséria do povo, mãe das enfermidades” (MARCONDES, 2004). O avanço no conhecimento das causas e determinações do processo saúde-doença possibilitou a diversificação das interpretações, bem como as opções de medidas para proteção à saúde e combate à doença (ROSEN; IMPERATO, 2015). Uma das possibilidades interpretativas está baseada na construção do modelo de intervenção, a partir do modelo da história natural da doença (HND), integrando os diferentes momentos do processo de adoecimento a diferentes níveis de prevenção (CZERESNIA, 2003).

Por outro lado, modelos sociais estruturalistas procuraram avançar nestas formulações, distanciando cada vez mais dos limitados aspectos biológicos ao incluir fortemente a determinação social dos processos mórbidos, no que se poderia chamar de modelo da “história social da doença” (CARVALHO et al., 2014). Mais recentemente, mobilizam-se diversos saberes que ampliam o escopo dos conhecimentos científicos e tecnológicos gerados, buscando desvendar os complexos processos biológicos e sociais envolvidos.

O tema da saúde situa-se cada vez mais como prioridade nas agendas públicas globais (ROSEN; IMPERATO, 2015). No centro desse processo, está o conceito da saúde, como uma complexa produção social, em que os resultados para o bem-estar da humanidade são cada vez mais o fruto de decisões políticas, voltadas para seus determinantes sociais (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2006; CARVALHO et al., 2014). Na década de 1970, inspirado pela reforma do sistema de saúde do Canadá, concebeu-se um modelo explicativo mais abrangente, intitulado “Modelo do Campo da Saúde”, segundo o qual as condições de saúde dependem de quatro conjuntos principais de fatores: o patrimônio biológico; as condições sociais, econômicas e ambientais nas quais o homem é criado e vive; o estilo de vida adotado (de maior influência); e os resultados das intervenções médicos-sanitárias (CARVALHO et al., 2014). A dinâmica da relação destes determinantes define o perfil sanitário de uma população e, consequentemente, deveria nortear a adoção de políticas amplas e efetivas de promoção a saúde (HEIDMANN et al., 2006; BRASIL, 2008).

Na década de 1980, há o fortalecimento do movimento de promoção da saúde, como campo conceitual e de práticas, discutindo amplamente o fracasso do modelo vigente até então, com foco centrado no combate à doença. Como resultado, são estabelecidos cinco princípios básicos de promoção da saúde. O primeiro define que estas ações devem pautar-se em uma visão holística da saúde, a partir da multicausalidade deste processo e da determinação social. O segundo faz referência à equidade social, como objetivo a ser atingido. Consiste em criar oportunidades iguais para que todos tenham saúde, o que está intimamente relacionado à distribuição dos determinantes de saúde na população. O terceiro princípio discute a intersetorialidade, que desloca da questão saúde para o centro do processo de desenvolvimento humano e social, articulando diferentes setores, saberes e práticas. O quarto princípio faz referência à participação social em diferentes formas no planejamento, na execução e avaliação das políticas e intervenções, criando mecanismos que estimulem a corresponsabilidade. O último princípio, sustentabilidade, remete a um duplo significado: criar iniciativas que estejam de acordo com os princípios de desenvolvimento sustentável e garantir um processo duradouro e denso (BUSS, 2000; HEIDMANN et al., 2006; WESTPHAL et al., 2006).

Avanços sanitários vêm sendo reconhecidos ao longo do tempo, contribuindo para a discussão e também para a operacionalização de medidas de promoção à saúde. No entanto, são persistentes as evidentes desigualdades sociais, inclusive as iniquidades em saúde, as quais caracterizam-se por serem injustas e desnecessárias (BRICEÑO-LEÓN; MINAYO; COIMBRA JR, 2000; BRASIL, 2008). Em busca de maior compreensão dos determinantes sociais, modelos explicativos que estabeleceram uma hierarquia entre os fatores mais macros de natureza social-econômica-política, passou-se a representar melhor os determinantes do processo saúde doença (DAHLGREN; WHITEHEAD, 1991). Os diferentes níveis interpretativos incidem sobre os determinantes “proximais”, vinculados aos comportamentos individuais, sobre os “intermediários”, relacionados às condições de vida e trabalho, e sobre os “distais”, referentes à macroestrutura econômica, social e cultural. Ademais, para que as intervenções sejam viáveis, efetivas e sustentáveis, devem estar apoiadas em três pilares básicos: intersetorialidade, participação social e evidências científicas (CARVALHO et al., 2014).

Reafirma-se que mudanças nas condições socioeconômicas, culturais, ambientais gerais e na forma de organização da sociedade são reconhecidas como necessárias para impulsionar a promoção da saúde (CZERESNIA, 2003). No Brasil, esta situação é ainda mais complexa, uma vez que além da iniquidade na distribuição de riqueza, há parcela substancial de sua população, vivendo em condições de pobreza. A compreensão da persistência de endemias milenares, a exemplo da hanseníase, passa necessariamente pela análise da perspectiva dos determinantes sociais do processo saúde-doença. Da mesma forma, somente, a partir do olhar sob a perspectiva da promoção da saúde, é possível impactar a dinâmica de transmissão da hanseníase nos territórios vulneráveis. Um dos pilares da nova estratégia global da OMS para acelerar o fim da hanseníase (WHO, 2016) engloba aspectos socioeconômicos sob a abordagem de questões de inclusão social, como por exemplo, o empoderamento de pessoas afetadas, o fortalecimento de sua capacidade de participação ativa, a promoção do acesso a serviços de apoio financeiro e o desenvolvimento de iniciativas de Reabilitação Baseada na Comunidade (RBC) (WHO, 2004).

Este modelo de desenvolvimento inclusivo (baseado em RBC) tem, em seus princípios, elementos em comum ao preconizado pelo modelo de promoção da saúde. Para a construção de uma sociedade inclusiva, a RBC discute principalmente empoderamento, participação social, multisetorialidade, inclusão e sustentabilidade. RC é definida pela OMS como uma estratégia para desenvolvimento geral da comunidade, voltada para reabilitação, igualdade de oportunidades, redução da pobreza e inclusão de todas as pessoas com deficiência (WHO, 2004). Para tanto, envolve necessariamente esforços combinados entre pessoas com

incapacidades, suas famílias, comunidades, organizações governamentais e não governamentais de educação, saúde, assistência social, entre outros atores.

O plano integrado de ações estratégicas, para o Brasil 2016-2020, encontra-se em fase de elaboração. Espera-se que estes elementos, inclusive o apoio à RBC, aconteçam para criar as condições necessárias rumo a uma sociedade sem hanseníase e tantas outras doenças de caráter negligenciado, as quais persistem no Brasil (MIERAS et al., 2016; STOLK et al., 2016). Parece que de fato, o empoderamento da sociedade, em particular das pessoas acometidas pela hanseníase, torna-se uma das estratégias centrais para a conquista necessária rumo a uma sociedade mais igualitária, caracterizada pelo controle de doenças milenares, fruto de iniquidades sociais que promovem diferentes dimensões de vulnerabilidades.