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2.3 Vigilância, Prevenção e Controle da Hanseníase

2.3.2 Vigilância Epidemiológica da Hanseníase

O papel da epidemiologia como fonte de dados, informações e conhecimentos torna-se cada vez mais essencial para a gestão da saúde (ALMEIDA FILHO; BARRETO, 2013). Os altos custos e a necessidade de qualificar a atenção prestada, de forma custo-efetiva, devem impulsionar, cada vez mais, uma saúde pública baseada em evidências. Reafirma-se, portanto, a importância das informações epidemiológicas para contribuir nos processos de decisão e gestão, com destaque aos seguintes usos: a) no processo de formulação de políticas; b) na definição de critérios para repartição de recursos; c) na realização de diagnóstico e análises de situação de saúde; d) na elaboração de planos e programas; e) na organização de ações e serviços; e f) na avaliação de sistemas, políticas, programas e serviços de saúde (TEIXEIRA, 1999).

Paim (2008) reafirma que o saber epidemiológico e o saber planejador podem ser considerados tecnologias não materiais, aplicadas nos processos de trabalho em saúde coletiva, principalmente no que se refere à organização, gestão e avaliação. Neste contexto, a vigilância epidemiológica das doenças transmissíveis, incluindo a hanseníase, e as não transmissíveis torna-se essencial, uma vez que fornece a nível municipal, estadual e nacional informações relevantes para tomada de decisão.

Dentre as principais atividades desenvolvidas pela vigilância epidemiológica, encontram-se: coleta de dados e informações; processamento, análise e interpretação dos dados coletados; tomada de decisão-ação; avaliação; divulgação de informações pertinentes e normatização (WALDMAN, 1998). A disponibilidade de dados traduzidos em informações é essencial para o cumprimento dos propósitos da vigilância epidemiológica. No Brasil, a principal fonte de dados instituída é o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), disponibilizado na rede do SUS, a partir da notificação por profissionais de saúde de casos suspeitos ou confirmados das doenças de notificação compulsória (BRASIL, 2016).

A hanseníase faz parte da lista de doenças consideradas obrigatórias, constando de uma ficha individual de notificação, assim como do boletim de acompanhamento a ser preenchido ao longo do tratamento (BRASIL, 2016). Além da subnotificação, frequente em diferentes municípios (FAÇANHA et al., 2006), a qualidade dos dados do SINAN (consistência e completitude) tem sido algo amplamente discutida entre pesquisadores, gestores da saúde e profissionais (BRITO; MOTA; TEIXEIRA, 1993; LIMA et al, 2009), considerando que a

garantia de informações com qualidade seja uma condição essencial para análise objetiva da situação sanitária.

No entanto, a ocorrência de determinado agravo em termos absolutos numéricos tem seu uso limitado, o que leva à necessidade de se padronizar indicadores que permitam estabelecer perspectivas e padrões para comparação entre diferentes agregados humanos, como também facilitar o monitoramento de sua evolução ao longo do tempo e avaliar possíveis mudanças. Portanto, são fundamentais a definição e utilização de indicadores com capacidade para discriminar realidades e que sejam aplicáveis de maneira universal a todos os grupos populacionais (MEDRONHO; PEREZ, 2002).

Nessa perspectiva, os indicadores mais frequentemente usados são conduzidos por dois eixos principais. O primeiro diz respeito ao agravo propriamente dito, enfocado sob os aspectos da magnitude, transcendência e vulnerabilidade; e o segundo está relacionado ao sistema, ações e serviços segundo atributos de utilidade, qualidade e custo (GAZE; PEREZ, 2002). O MS do Brasil elegeu um conjunto de indicadores epidemiológicos - que avaliam aspectos relacionados ao evento - e operacionais - que avaliam os atributos dos serviços de saúde - para monitoramento da hanseníase (CUNHA et al., 2007; BRASIL, 2016). Para o presente estudo, foram selecionados os principais indicadores utilizados pelos municípios, estados e governo federal.

Todos os diferentes pontos da rede de atenção, de gestão pública e/ou privada são potenciais unidades notificadoras mediante a ocorrência de casos de hanseníase. Portanto, casos confirmados da doença devem ser registrados, utilizando-se como critérios (BRASIL, 2016):

1. Lesão ou lesões e/ou área (s) de pele com alterações da sensibilidade térmica e/ou dolorosa e/ou tátil; ou

2. Espessamento de nervos periférico, associado a alterações sensitivas e/ou motoras e ou autonômicas; ou

3. Presença de M. leprae, confirmada na baciloscopia de esfregaço dérmico ou na biópsia de pele.

É considerado caso novo, todo aquele que nunca recebeu qualquer tratamento específico para a doença, a partir do qual se calcula o indicador de detecção relativizado pela população sob risco que traduz magnitude do evento. Considerando a importância do monitoramento da ocorrência em crianças, além do coeficiente de detecção para população geral, também é calculado o coeficiente específico para os menores de 15 anos de idade. Este indicador traduz de forma consistente a situação de circulação ativa de bacilos (ALENCAR et al., 2008;

BUTLIN; SAUNDERSON, 2014), ou seja, áreas de maior risco de transmissão. A OMS sugeriu na estratégia global para 2016-2020 outro indicador, baseado no número de crianças com diagnóstico de hanseníase e presença de deformidades visíveis (WHO, 2016).

Além da detecção de casos novos, a ocorrência de recidivas da doença tem tido um papel importante na epidemiologia da doença. Considera-se recidiva os casos de hanseníase, tratados regularmente com esquemas oficiais padronizados, corretamente indicados, que receberam alta por cura, mas que voltaram a apresentar novos sinais e sintomas clínicos de doença infecciosa ativa (BRASIL, 2016). Estes casos acontecem em geral cinco anos após a cura, podendo sinalizar falência da PQT. Devido à sua importância e complexidade, estes casos necessitam ser investigados de forma bastante criteriosa (PIRES; OLIVEIRA; CARDOSO, 2015; BRASIL, 2016), para descartar possível tratamento inadequado, mais frequentemente decorrente de erros na classificação da doença. O Estado da Bahia representa um dos estados com maior ocorrência de recidivas da doença, necessitando o desenvolvimento de estudos adicionais (FERREIRA et al., 2011; SILVA, 2014).

Por sua vez, o indicador de proporção de casos classificados como MB direciona para o diagnóstico tardio e está relacionado a áreas de maior risco para transmissão (ALENCAR, 2011, BRASIL, 2016). Além disso, trata-se de um indicador essencial para planejamento da logística de abastecimento de PQT, nas unidades dispensadoras (BRASIL, 2016).

A alta por cura é estabelecida segundo critérios clínicos, número de doses e tempo de tratamento. O MS estabelece, como parâmetro considerado “bom”, o alcance de percentuais maiores ou iguais a 90% (BRASIL, 2016). Deve ser considerado abandono todo paciente que não conseguiu completar o tratamento dentro do prazo máximo permitido (BRASIL, 2016). Desta forma, sempre que um caso PB perdeu mais de três meses de tratamento e um caso MB mais de seis meses, não será possível completá-lo no tempo máximo, considerado ideal. Neste caso, será necessário reiniciar o tratamento específico. Importante compreender as causas de abandono, no intuito de intervir para melhoria desta situação desfavorável (PEREIRA JUNIOR, 2011; LOPES; RANGEL, 2014). Os parâmetros do MS definem como “bom” este indicador quando a proporção de abandono é menor do que 10% dos casos em tratamento (BRASIL, 2016).

A prevenção e o tratamento de incapacidades físicas representam medidas essenciais no manejo das pessoas acometidas pela hanseníase com vistas a reduzir danos físicos, sociais e psicológicos associados (MALVIYA, 2014; MONTEIRO et al., 2014). A análise do dano neural e do GIF deve ser realizada de forma qualificada antes, durante e após a PQT, a

fim de instituir medidas de reabilitação de prevenção de novas lesões (WHO, 2004; WHO, 2016; BRASIL, 2016). O resultado da avaliação do GIF representa uma das variáveis que constam na ficha de investigação da hanseníase, permitindo construir indicadores que avaliam a qualidade dos serviços prestados, seja na realização da avaliação para definir o GIF, seja na proporção de casos com GIF 1 ou 2 no momento do diagnóstico e na alta, captando a informação sobre diagnóstico tardio e necessidade de reabilitação física. Também é possível reconhecer os coeficientes de casos novos de hanseníase com GIF 2 na população geral, assim como estimar a prevalência oculta em um dado território (GOULART; PENNA; CUNHA, 2002).

Por se tratar de uma doença infecciosa e reconhecendo que pessoas que conviveram ou convivem intimamente com alguém com doença ativa (caso-referência) apresentam maior risco de adoecimento, a vigilância epidemiológica não deverá se restringir apenas ao caso, mas também aos seus contatos de rede social (NETO et al., 2000; LOCKWOOD et al., 2015). Neste caso, a investigação epidemiológica tem o objetivo de reconhecer novos casos, de forma mais precoce possível, em contextos de maior risco de transmissão (LOBATO; NEVES; XAVIER, 2016). A detecção é realizada por meio de detecção ativa, incluindo investigação epidemiológica de contatos, exames de coletividade, inquéritos epidemiológicos e campanhas específicas. Da mesma forma, a detecção passiva também deverá ser priorizada, garantindo atendimento às pessoas que chegam aos serviços espontaneamente e/ou devido a encaminhamentos de outros serviços de saúde. O espaço prioritário para o desenvolvimento destas ações é na rede de atenção primária, por meio da atuação das equipes da ESF e o indicador a ser monitorado refere-se à proporção de contatos examinados na coorte de casos, devendo ser superior a 90% (BRASIL, 2016).

O MS passou a conceituar contato de caso de hanseníase toda e qualquer pessoa que reside ou tenha residido com o caso de hanseníase. As novas diretrizes discutem também contato social, que incluem vizinhos, colegas de trabalhos e de escola, entre outros que devem ser investigados de acordo com o grau e tipo de convivência, ou seja, aqueles que tiveram contato muito próximo e prolongado com a pessoa não tratada. Outra alteração refere-se à orientação de que todos os contatos não doentes sejam avaliados anualmente ao longo de cinco anos, considerando-se o período de incubação médio (BRASIL, 2016).

Ressalta-se que a análise conjunta de todos indicadores epidemiológicos e operacionais permite aos serviços de saúde e programas de controle da hanseníase traçar estratégias que busquem integrar as ações de prevenção, recuperação e reabilitação nas dimensões individual e coletiva. No entanto, é preciso incorporar outros indicadores que traduzam condições sociais e econômicas com vistas a discutir determinantes sociais,

ampliando assim potenciais intervenções. Neste sentido, aliando mudanças estruturais às ações de controle de rotina, amplia-se o escopo de promoção da saúde para maior qualidade de vida.