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Deus escolhe incondicionalmente

No documento Misael Nascimento e Ivonete Porto (páginas 48-50)

5 A eleição é incondicional, generosa e justa

5.1 Deus escolhe incondicionalmente

Temos dito (caps. 2—4) que a eleição para a salvação é incondicional. Apesar do eleito ser re- conhecido por sua fé e vida transformada,108 não é sua fé, nem boas obras que motivam Deus

a predestiná-lo para a salvação. Deus elege motivado por amor livre (segundo o “conselho da sua vontade”). Fé e as boas obras são consequências, não causa da eleição (cf. 6º cap.).

O conselho do Senhor dura para sempre; os desígnios do seu coração, por todas as gerações (Sl 33.11).

Porque o Senhor dos Exércitos o determinou; quem, pois, o invalidará? A sua mão está estendida; quem, pois, a fará voltar atrás? (Is 14.27).

Por aquele tempo, exclamou Jesus; Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado (Mt 11.25-26).

Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito (Rm 8.28). Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação; visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento; pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus (1Co 1.26-29).

Nele [em Cristo], digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade (Ef 1.11).

Quando, porém, se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com todos, não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo a sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente por meio de Jesus Cristo, nosso Salvador (Tt 3.4-7).

Bavinck resume o ensino, como segue:

Todas as obras de Deus, tanto na criação quanto na redenção, são produto não ape- nas de seu pensamento, mas também de sua vontade. Humanamente falando nós podemos dizer que toda obra de Deus é precedida por uma deliberação da mente e uma decisão da vontade. Em alguns lugares da Escritura, a palavra usada é conselho, em outros lugares é estabelecimento, determinação ou decreto, em outros lugares é propósito, em outros lugares é ordenação [ou predestinação] e em outros é o favor ou beneplácito de Deus. Paulo fala do prazer e do conselho da vontade de Deus.109

Aqui cabe esclarecer o conceito de presciência de Deus. Assim como no caso de “so- berania” (cf. seção 2.2), cristãos dão significados diferentes ao vocábulo “presciência”. De modo amplo (e popular), a presciência é admitida como um aspecto da onisciência de Deus. 108 Retornaremos a este assunto no cap. 6.

109 BAVINCK, Herman. Teologia Sistemática: Fundamentos Teológicos da Fé Cristã. Santa Bárbara D´Oeste: Socieda- de Cristã Evangélica de Publicações (SOCEP), 2001, p. 176. Grifo nosso.

36 A doutrina da salvação: Eleição e redenção

Se onisciência é o conhecimento que Deus possui de tudo, presciência é a capacidade divina de prever — saber tudo sobre — o futuro. Nesse caso, a presciência pertenceria ao intelecto divino110 e significaria “o simples conhecimento que Deus tem das coisas futuras”.111 Por

este ângulo, “eleitos, segundo a presciência de Deus Pai”, em 1Pedro 1.2, quer dizer que Deus elege porque sabe quem crerá (a posição dos antigos e modernos pelagianos, rejeitada pelos autores destes estudos).112

Na seção 1.1, explicamos que o verbo “conhecido” (proginōskō), em 1Pedro 1.20, indica não apenas conhecimento, mas uma “escolha prévia”. A mesma ideia (prognōsis) é encontrada em Atos 2.23 e 1Pedro 1.2, traduzida como “presciência” (ARA, ARC, NVI). O mais bíblico e, portanto, melhor, é entender “[presciência] no sentido do amor prático e do decreto que Deus formulou concernente à salvação de pessoas particulares”.113 Nesse

caso, a presciência “pertence à vontade. Nesse sentido, conhecimento é amiúde tomado como deleite e aprovação (Sl 1.6; Jo 10.14; 2Tm 2.19). Assim, ginōskein significa não só conhecer, mas também conhecer e julgar acerca de uma coisa”.114 Turretini esclarece que:

Nessa benevolência e presciência prática de Deus distinguimos: (1) O amor e a bene- volência com que ele nos busca; (2) o decreto propriamente dito, por meio do qual ele determinou revelar-nos seu amor pela comunicação da salvação. Daí suceder que

prognōsis é, num momento, tomado mais amplamente, quanto a ambos (ou seja,

amor e eleição, como em Rm 8.29 e Rm 11.2); em outro momento, mais estritamen- te, quando ao amor e ao favor, que são a fonte e o fundamento da eleição.115

Schreiner atualiza Turretini, afirmando que:

O termo conhecimento [...] tem raízes no AT, em que o conhecimento que Deus tem das pessoas é uma manifestação do seu amor presente na aliança. [...] A decisão hu- mana de amar a Deus e de obedecê-lo está alicerçada no fato de ser conhecido por Deus, no amor de Deus presente na aliança.116

E prossegue:

Essa compreensão sobre a presciência de Deus é crucial para explicar Romanos 8.28-30, passagem em que a cadeia de termos de 8.29-30 começa com a expressão conheceu por antecipação (proegnō) [de antemão conheceu; ARA]. Para alguns, essa expressão significa que Deus simplesmente conhecia antecipadamente quem seria predestinado, chamado, justificado e glorificado (cf. At 26.5; 2Pe 3.17). Contudo, o pano de fundo do AT, mencionado anteriormente, indica que a expressão [de an- temão conheceu] também deve ser interpretada no contexto da aliança. Deus não só

conheceu a quem predestinaria, chamaria, justificaria e glorificaria, mas também dispôs sobre certos indivíduos seu amor eletivo presente na aliança. [...] Assim como em Gála-

110 TURRETINI, op. cit., p. 431. Grifo nosso. 111 Ibid., loc. cit.

112 Os adeptos da doutrina da graça universal costumam citar os pais da igreja, sugerindo que, para eles, presciência (como conhecimento prévio dos atos humanos) é a base da eleição. Berkhof (op. cit., p. 103) explica que Pe- lágio recorria a estes primeiros pais e conclui que os “primeiros pais da igreja, assim chamados [...] não tinham

ainda uma clara concepção do assunto” (grifo nosso).

113 TURRETINI, op. cit., loc. cit. Grifos nossos. 114 Ibid., p. 431-432. Grifos nossos.

115 Ibid., p. 432.

37

A eleição é incondicional, generosa e justa

tas 4.9 e 1Coríntios 8.3, a decisão de Deus precede, sustenta e determina o que os seres

humanos escolhem.117

Por este ângulo, “eleitos, segundo a presciência de Deus Pai”, em 1Pedro 1.2, quer dizer que Deus elege de acordo com seu amor prático e decreto. Retornando ao acróstico TULIP, a doutrina verdadeiramente bíblica da salvação ensina uma escolha incondicional.

No documento Misael Nascimento e Ivonete Porto (páginas 48-50)