• Nenhum resultado encontrado

Utilidade e limitação das teorias

No documento Misael Nascimento e Ivonete Porto (páginas 77-79)

9 Teorias da expiação

9.1 Utilidade e limitação das teorias

As teorias são úteis porque sintetizam verdades bíblicas sobre a expiação. Elas nos ajudam a compreender que a expiação assegura a salvação,167 efetivando a vitória de Jesus (cumprindo

Gn 3.15), nos colocando sob o pastoreio de Deus (comunhão), propiciando resgate (liberta- ção) e perdão dos pecados e, em tudo isso, demonstrando o amor divino por nós (figura 02).168

Amor divino demonstração na história Resgate (libertação) Perdão dos pecados Comunhão com Deus (sacrifício) Vitória sobre o pecado e morte

Figura 02: Diferentes aspectos ou aplicações da expiação.

Entendamos, porém, uma limitação das teorias: Conhecê-las não é fundamental para a salvação. Como bem explica Bavinck:

O poder da morte de Cristo é independente da interpretação mais ou menos clara que podemos ter desse poder. Ele também é desfrutado por aqueles que têm apenas um conhecimento muito pequeno da doutrina da verdade. Na verdade, não é a doutrina 166 Bavinck considera as teorias como “dimensões da morte de Cristo” (BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada:

O Pecado e a Salvação em Cristo. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 386-391. v. 3.).

167 MCGRATH, op. cit., p. 74 168 Ibid., p. 75-93.

65

Teorias da expiação sobre a morte de Cristo, mas a própria morte que expia nossos pecados e dá paz à nossa consciência. No entanto, algum conhecimento da importância e do valor dessa morte é sempre necessário para distingui-la da de outras pessoas — a dos mártires e heróis — e associar nossa salvação a essa morte.169

Exemplificando, o ladrão na cruz foi salvo, mesmo sem saber dissertar sobre as teorias da expiação. Bastou para ele demonstrar temor a Deus e reconhecer em Jesus um crucifica- do inocente e o Rei que “viria” para estabelecer um reino (Lc 23.43). A menção do “reino”, nesta fala, é cheia de acepções. “O reino inclui dentro de si o amor do Pai, o perdão dos pecados, justiça e vida eterna e Jesus, na qualidade de Messias, atribui a si mesmo o poder de conceder todos esses benefícios aos seus discípulos”.170

Mesmo sem serem absolutamente necessárias para a salvação, as teorias nos ajudam ao sugerir sentidos e aplicações da expiação. Uma coisa é conhecer um fato; outra é interpretá- -lo (discernir seu significado). Pensemos, por exemplo, na declaração de Paulo aos cristãos coríntios:

Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras (1Co 15.3).

A declaração “Cristo morreu” é histórica (apresenta um dado historicamente compro- vável). O complemento “pelos nossos pecados” é teológico (explica a finalidade e significado da morte de Jesus; cf. figura 03).

Cristo morreu | pelos nossos pecados, segundo as Escrituras

Dado histórico (fato)

Dado teológico (significado)

Figura 03: Aspectos histórico e teológico da morte de Jesus Cristo, em 1Coríntios 15.3.

O NT apresenta tanto os fatos sobre a vida, morte e ressurreição de Jesus, quanto as teorias, quer dizer, os significados. Aqui, concordamos com Berkhof:

A Sagrada Escritura não nos relata o fato simples da morte de Cristo para então base- ar a interpretação e avaliação dela no critério de cada um, mas, de todos os ângulos, apresenta o fato à luz da Palavra. Como acontece em outras partes da Escritura, a palavra e o fato, aqui, estão muito estreitamente entrelaçados. Cristo é um sacerdote, mas também é um profeta. Ele explicou sua própria pessoa e obra. Em seu ensino e, mais tarde, por meio da boca de seus apóstolos, ele mesmo interpretou seu sofrimen- to e morte e a teologia cristã está presa a essa palavra. Há não muitas teorias — moral, governamental, mística, privada e pública orientada pela lei — que são estruturadas na teologia na forma de hipótese e como uma tentativa de explicar os fatos e fenô- menos e, como diferentes tentativas de solução, todas têm igual direito de existir. A questão é o que, em todas essas ideias, concorda com a Escritura e o que a própria Escritura ensina a respeito da importância e do poder da morte de Cristo.171

169 BAVINCK, 2012, p. 386. Grifos nossos. 170 Ibid., p. 387.

66 A doutrina da salvação: Eleição e redenção

Sendo assim, as teorias podem ser úteis para atender a demanda da diversidade (con- textos específicos abrem espaço para exposições distintas da expiação). Canonicamente esta necessidade é atendida com o NT (Evangelho Quádruplo, Atos, epístolas e Apocalipse). Teologicamente, a igreja ensina diferentes ângulos da expiação para suprir a carência do ser humano de conhecer a salvação e desfrutar dela.172

Por fim, as teorias da expiação podem ser úteis — de um modo enigmático e gracioso — à evangelização.

Eis o enigma: O dado histórico pode ser apreendido pelos inconversos, mas o teológi- co não. Somente os alcançados pelo evangelho recebem graça para compreender e acolher a finalidade salvífica da expiação. Já falamos sobre isso quando citamos 1Coríntios 1.18, na seção 3.3, mas a mesma verdade é ratificada nos versículos seguintes, do mesmo capítulo da Escritura.

Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura da pregação. Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios (1Co 1.21-23).

O apóstolo prossegue ensinando que os benefícios da expiação não são desfrutados por todos, pois este entendimento é vedado ao homem natural.

Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem

espiritualmente. Porém o homem espiritual julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém. Pois quem conheceu a mente do Senhor, que o possa instruir? Nós, porém, temos a mente de Cristo (1Co 2.14-16).

Eis a graça: A salvação é um ato de nova criação. Assim como Deus falou e houve luz (em Gn 1.3), ele fala hoje pelo evangelho e resplandece no coração (cf. 2Co 4.6; 5.17, citados no fim da seção 4.3). Nesses termos, como explicações bíblicas da expiação, as teorias podem auxiliar na evangelização, quando usadas para apresentar o significado da obra de Jesus, enquanto se suplica ao Espírito Santo que aplique a verdade nos corações dos ouvintes.

Nisso reside um aspecto “louco” da pregação. Apresentar as verdades da Palavra a quem não pode, por si mesmo, compreendê-la ou aceitá-la. E fazer isso certo de que esta mesma Palavra — incompreensível ao homem natural — é o meio estabelecido por Deus para alcançá-lo, ou seja, a evangelização é um ato de obediência e fé que espera um milagre (nesse caso, o novo nascimento; cf. seção 6.2.5).

No documento Misael Nascimento e Ivonete Porto (páginas 77-79)