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3 A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E SUA

3.3 O DEVER ESTATAL DE REPARAR OS DANOS ADVINDOS DA PRESTAÇÃO

Como já esposado, os danos suportados pelos administrados, em razão de ação ou omissão estatal, ensejam a obrigação do Poder Público de indenizar. Igual entendimento deve se aplicar às usuárias e usuários de serviços públicos de saúde, quando não obtêm a prestação estatal que lhe é devida, ou ela lhe é fornecida de maneira ineficiente, a ponto de lhe causar perdas e danos.

Nesse sentido, saliente-se que o direito à saúde, nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988112, é tido como um direito fundamental social, sendo, assim, um direito

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FRANÇA, Catarina Cardoso Sousa, op. cit., p. 52.

111 CC/02, Art. 945: “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será

fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”. (BRASIL. Lei nº

10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 02 out. 2017).

112 CRFB/88, Art. 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o

transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”; Art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (BRASIL. Constituição

subjetivo, que garante ao indivíduo a possibilidade de pretender do Estado o fornecimento de bens ou prestação de serviços que reduzam o risco de doença ou de outros agravos ou promovam, protejam e recuperem o bem estar físico e psíquico113.

Destaque-se, também, que o artigo 197 da Carta Magna114 intitula as ações e serviços de saúde como de relevância pública, a serem executados diretamente pelo Poder Público, pela sua Administração Pública Direta e Indireta, ou indiretamente, através de celebração de contrato de direito público com empresas privadas ou com de convênios com entidades privadas do terceiro setor, conforme preceitua o artigo 199, §1º do texto constitucional115.

Dessa forma, os serviços públicos de saúde, seja quando prestados diretamente pelo Estado, seja quando prestados por pessoas privadas contratadas pelo mesmo para fazê-lo, submete-se ao disposto no já mencionado artigo 37, §6º da Constituição Federal.

Todavia, a prestação desses serviços pela iniciativa privada deve ser complementar ao Sistema Único de Saúde (SUS)116, isto é, excepcional, apenas na hipótese de indisponibilidade de recursos por parte dos entes estatais, consoante o aludido artigo 199 da Constituição, bem como os artigos 4º, §2º, 24, e 25, todos da Lei Federal nº 8.080/1990117.

da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 02 out. 2017).

113 FRANÇA, Catarina Cardoso Sousa, op. cit., p. 22.

114 CRFB/88, Art. 197: “São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público

dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”. (BRASIL.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 02 out. 2017)

115 CRFB/88, Art. 199: “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º As instituições privadas poderão

participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos”. (Idem).

116 O SUS foi criado pela Constituição Federal de 1988, e é regulamentado pelas Leis nº 8.080/90 e 8.142/90,

bem como por meio de portarias e resoluções que constituem as normas operacionais do sistema. MELO esclarece que sua finalidade é “alterar a situação de desigualdade na assistência à saúde através do atendimento público e gratuito, abrangendo centros e postos de saúde, hospitais, laboratórios, homocentros, fundações e institutos de pesquisa, com financiamento advindo de recursos arrecadados através de impostos e contribuições sociais”. Ressalta, ainda, que “A sua estrutura abrange as esferas federal, estadual e municipal, permanecendo a direção do sistema sob a responsabilidade do Ministério da Saúde no que toca à esfera federal, enquanto que no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, caberá à respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente”. (MELO, Maurício de Medeiros. O direito coletivo prestacional à saúde e o Poder Judiciário: a concretização do art: 196 da Constituição de 1988 pela via jurisdicional, 2007. Natal, Dissertação (Mestrado em Constituição e Garantia de Direitos) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, p. 82. Disponível em: <http://hdl.handle.net/123456789/14008>. Acesso em: 21 mai. 2017)

117 Lei nº 8.080/90, Art. 4º, §2º: “A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em

caráter complementar”; Art. 24: “Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada”; Art. 25: “Na hipótese do artigo anterior, as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos terão preferência para participar do Sistema Único de Saúde (SUS)”. (BRASIL. Lei nº 8.080, de

19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a

organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em: 22 out. 2017).

Consequentemente, é dever do Estado se comprometer a assegurar o atendimento integral na área da saúde, dando prioridade às atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais118, caso contrário, pode ser compelido a concretizar aquela pretensão ou obrigado a se abster de violá-la, seja por meio do exercício do direito de petição ou do direito de ação, previstos no artigo 5º, incisos XXXIV e XXXV da Constituição Federal119.

De acordo com FRANÇA120, o fato-tipo da responsabilidade civil extracontratual do Estado na prestação de serviços de saúde publica tem dispensado a comprovação de culpa do agente público ou da culpa do serviço, possuindo a seguinte composição:

(i) o nexo de causalidade entre o dano moral ou patrimonial sofrido pelo administrado e a prestação de serviços de saúde pública; (ii) a prestação de serviços de saúde pública, seja pelo Estado, seja por ente privado que atue no SUS; (iii) a ocorrência de ato ilícito ou de situação de risco criada pela atividade estatal; (iv) a configuração de dano moral ou patrimonial à esfera jurídica do administrado.

Não há questionamentos quanto à responsabilidade civil extracontratual do Estado na prestação de serviços públicos de saúde em caso de ato ilícito lesivo. Embora seja de difícil configuração na realidade, a responsabilidade na hipótese de ato lícito também não pode ser descartada121.

Nas hipóteses de omissão estatal, como dito, deve haver ato ilícito para que seja possível a pretensão indenizatória do administrado. Sendo assim, cabe ao administrado demonstrar que o Estado não realizou a referida prestação, e que há norma constitucional ou legal que obriga a disponibilização do bem ou serviço de saúde pelo Estado122.

Embora o entendimento majoritário seja o de que a responsabilidade civil extracontratual em caso de omissão estatal exige, além da comprovação do nexo de causalidade, a demonstração da culpa do serviço (ou culpa administrativa), como bem observa FRANÇA123, nos casos dos serviços públicos de saúde, a tendência dos tribunais superiores é adotar a teoria do risco administrativo, a exemplo dos Embargos de Declaração no Agravo

118

FRANÇA, Catarina Cardoso Sousa, op. cit., p. 22.

119 CRFB/88, Art. 5º, inc. XXXIV: “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o

direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;”; Art. 5º, inc. XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 02 out. 2017).

120 FRANÇA, Catarina Cardoso Sousa, op. cit., p. 80. 121

Ibidem, p. 70.

122 Ibidem, p. 65. 123 Idem.

Regimental no Agravo de Instrumento nº 734.689/DF124, julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Sobre a modalidade de responsabilidade objetiva por omissão, preleciona MENDONÇA125, in verbis:

Numa situação em que se verifique o dever de agir do Estado, a omissão representaria descumprimento de obrigação capaz de gerar responsabilidade, por ser conduta contrária ao ordenamento. Esse dever de agir é determinado pelas normas (sejam mesmo constitucionais com eficácia negativa) existentes, conjugadas com os dados da situação fáctica.

Assim é que não se transmuda em subjetiva a responsabilidade quando o Estado vier a responder por ato praticado por terceiro, num caso onde é sabida a necessidade de atuação estatal. [...]

Para tanto, porém, é preciso que seja razoável prever a ocorrência do ato danoso. Pode-se chamar fato previsível pelo estado da técnica.

Quanto ao dano indenizável na saúde pública, cumpre reiterar que o mesmo pode ser material ou moral, e deve ser certo, não se admitindo qualquer pretensão indenizatória em razão de ameaça de lesão ao administrado. No caso de responsabilidade civil extracontratual por ato lícito, é preciso ainda a demonstração de que dano é especial e anormal126, como já explanado em tópico anterior.

124 EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INOCORRÊNCIA DE CONTRADIÇÃO,

OBSCURIDADE OU OMISSÃO – PRETENDIDO REEXAME DA CAUSA – CARÁTER INFRINGENTE – INADMISSIBILIDADE – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO – ELEMENTOS ESTRUTURAIS – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – FATO DANOSO (MORTE) PARA O OFENDIDO (MENOR IMPÚBERE) RESULTANTE DE TRATAMENTO MÉDICO INADEQUADO EM HOSPITAL PÚBLICO – PRESTAÇÃO DEFICIENTE, PELO DISTRITO FEDERAL, DO DIREITO FUNDAMENTAL A SAÚDE, INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. - Não se revelam cabíveis os embargos de declaração, quando a parte recorrente – a pretexto de esclarecer uma inexistente situação de obscuridade, omissão ou contradição – vem a utilizá-los com o objetivo de infringir o julgado e de, assim, viabilizar um indevido reexame da causa. Precedentes. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o “eventus damni” e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. A omissão do Poder Público, quando lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade civil objetiva do Estado, desde que presentes os pressupostos primários que lhe determinam a obrigação de indenizar os prejuízos que os seus agentes, nessa condição, hajam causado a terceiros. Doutrina. Precedentes. - A jurisprudência dos Tribunais em geral tem reconhecido a responsabilidade civil objetiva do Poder Público nas hipóteses em que o “eventus damni” ocorra em hospitais públicos (ou mantidos pelo Estado), ou derive de tratamento médico inadequado, ministrado por funcionário público, ou, então, resulte de conduta positiva (ação) ou negativa (omissão) imputável a servidor público com atuação na área médica. - Configuração de todos os pressupostos primários determinadores do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, o que faz emergir o dever de indenização pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido. (STF, AI 734689 AgR-ED, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 26/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 23-08-2012 PUBLIC 24-08-2012)

125 MENDONÇA, Fabiano André de Souza, op. cit., p.185-186. 126 FRANÇA, Catarina Cardoso Sousa, op. cit., p. 70.

4 A PULVERIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NA JURISPRUDÊNCIA

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