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2 RECONHECENDO A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E A RELEVÂNCIA DA

2.4 OS PROJETOS DE LEI EM TRAMITAÇÃO

O Projeto de Lei nº 7.633/201460, elaborado pela Artemis, assinado pelo Deputado Federal Jean Willys (PSOL/RJ), inspirado na legislação venezuelana, tem como principais objetivos a instituição do parto humanizado como regra e o combate à violência obstétrica, garantindo à mulher o direito à assistência humanizada durante a gestação, pré-parto, parto e puerpério, incluindo-se o abortamento, seja este espontâneo ou provocado, na rede de atendimento do SUS e em estabelecimento privado de saúde suplementar, segundo o art. 1º.

Como princípios da assistência humanizada no parto e no nascimento, estabelece, em seu art. 3º, a mínima interferência por parte da equipe de saúde, a preferência pela utilização dos métodos menos invasivos e mais naturais, de escolha da parturiente, o fornecimento de informações adequadas e completas à mulher, assim como a(o) acompanhante, referente aos métodos e procedimentos disponíveis para o atendimento à gestação, pré-parto, parto e puerpério e a harmonização entre a segurança e o bem-estar da mulher e do concepto.

Em seu art. 8º, o projeto ainda garante o cumprimento do plano individual de parto que, somente poderá ser alterado se, comprovadamente, durante o trabalho de parto, forem necessárias intervenções para garantir a saúde da mãe e/ou do concepto em condições de urgência ou emergência que indiquem risco de morte materna e/ou fetal, devendo somente ser realizadas após o consentimento da mulher.

Assim, tal projeto coloca a pessoa da gestante essencialmente como sujeita de direitos, trazendo a necessidade de um tratamento personalizado e respeitoso, garantindo seu direito à liberdade, dignidade, autonomia e autoridade moral para decidir sobre seu parto.

Diante disso, o legislador traz um rol exemplificativo de atitudes consideradas como violência obstétrica, atentando-se, inclusive, para os meios sancionatórios, in litteris:

Art. 17 – Todos os casos de violência obstétrica praticados pelos profissionais da equipe de saúde serão relatados à ouvidoria dos serviços de saúde e às Comissões de Monitoramento dos Índices de Cesarianas e de Boas Práticas Obstétricas - CMICBPO, e constituem infração à legislação sanitária federal, implicando obrigatoriamente na aplicação das penalidades previstas nesta Lei ao estabelecimento de saúde.

§ 1º - Os e as profissionais de saúde que praticarem atos de violência obstétrica ficam pessoalmente sujeitos à responsabilização civil e criminal decorrente de suas condutas.

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BRASIL. Projeto de Lei nº 7.633/2014. Dispõe sobre a humanização da assistência à mulher e ao neonato durante o ciclo gravídico-puerperal e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1257785>. Acesso em: 18 out. 2017.

§ 2º - Os casos de violência obstétrica serão também notificados aos Conselhos Regionais de Medicina e de Enfermagem, para os devidos encaminhamentos e aplicações de penalidades administrativas aos profissionais envolvidos.

Art. 19 - Ficam as escolas e universidades que ministram curso de formação de profissionais da área de saúde, médicos(as), enfermeiros(as), obstetrizes e equipes administrativas hospitalares obrigadas a implementar em suas diretrizes curriculares conteúdos disciplinares relativos ao atendimento à saúde da mulher e do concepto, nos termos desta Lei.

Art. 20 - Os direitos e a proteção à vida de mulheres no ciclo gravídico- puerperal e de seus recém-nascidos de que trata esta Lei, mais especificamente de gestantes, parturientes, puérperas e seus neonatos, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos, grau de gravidade ou qualquer outra.

Art. 21 – As disposições constantes desta Lei aplicam-se ao Sistema Único de Saúde e a toda a rede de saúde suplementar e filantrópica do país, bem como aos serviços de saúde prestados de forma autônoma (BRASIL, 2014).

Por outro lado, também foi apresentado pelo Deputado Federal Marco Feliciano o Projeto de Lei nº 2589/1561, contudo, este apenas criminaliza a violência obstétrica, punindo individualmente o profissional, não apresentando nenhuma forma de humanizar a assistência ao parto e combater a violência na esfera institucional e estrutural..

Além de não enfrentar o problema institucional e estrutural da violência obstétrica, esse projeto não define quais são esses conjuntos de condutas condenáveis, por isso, segundo OLIVEIRA62, caso fosse aprovado, não teria nenhuma ou quase nenhuma efetividade.

Por tais motivos, o Projeto de Lei nº 7.633/14 se mostra atualmente como o mais avançado texto legislativo sobre o assunto, sendo o único que trata a violência obstétrica como violência de gênero, e que apresenta o ensino e a prática da humanização do parto, nas instituições de saúde, como a melhor alternativa ao combate ao atual modelo de atendimento ao parto agressivo, por estar alicerçado no sistema atual de saúde63.

Caso o Projeto de Lei seja convertido em lei, não haverá, necessariamente, uma inovação no ordenamento jurídico brasileiro quanto ao direito ao parto humanizado, visto que, mesmo que de maneira bem fragmentada, tal direito encontra-se positivado. Não obstante, a iniciativa é positiva para que esse direito deixe de ser apenas algo esparso nas legislações vigentes para se tornar uma prática no sistema de saúde brasileiro, a partir de uma regulamentação mais sólida.

61 BRASIL. Projeto de Lei nº 2.589/2015. Dispõe sobre a criminalização da violência obstétrica. Disponível

em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/1373312.pdf>. Acesso em: 18 out. 2017.

62 OLIVEIRA, Amanda Lima de, op. cit., p. 61-62. 63 Idem.

Nesse sentido, destaca NOGUEIRA64 que a falta de legislação específica, além de dificultar a aplicação de punições aos agentes da violência obstétrica, também pode significar a não preocupação do Direito em relação às questões que afetam a saúde física e psíquica da mulher.

Dessa forma, é salutar a aprovação de uma lei específica, com abrangência nacional, para a resolução de uma pendência legislativa, e garantia dos direitos fundamentais atinentes, quais sejam o direito a vida, a liberdade, a saúde, que desencadeiam na dignidade da pessoa humana, garantindo-se, assim, o pleno exercício do direito ao parto humanizado.

Havendo uma lei que discipline as sanções relacionadas à violência obstétrica, haverá, concomitantemente, o reconhecimento de um problema de gênero pelo direito65, como aconteceu com as leis referentes à violência doméstica (Lei nº 11.340/06) e ao feminicídio (Lei nº 13.104/15).

3 A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E SUA

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