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Devido Processo Legal Formal.

No documento O Devido processo legal na jurisdição civil (páginas 166-196)

organismos de Estado ou por organizações sociais, bem como por funcionários no exercício das suas funções”.

Capítulo 4 Devido Processo Legal Formal.

4.1 – Noções.

Como é sabido, o antecedente histórico do devido processo legal é o art. 39 da Magna Carta, outorgada em 1215 por João Sem-Terra a seus barões: “nenhum homem livre será preso ou privado de sua propriedade, de sua liberdade

ou de seus hábitos, declarado fora da lei ou exilado ou de qualquer forma destruído, nem o castigaremos nem mandaremos forças contra ele, salvo julgamento legal feito por seus pares ou pela lei do país”. Cláusula semelhante, já empregando a

expressão due process of law foi jurada por Eduardo III; do direito inglês passou para o norte-americano, chegando à Constituição como Emenda n.º V.

A Constituição brasileira aponta vários dispositivos a caracterizar a tutela constitucional da ação e do processo. A própria Constituição incumbe-se de configurar o direito processual não mais como mero conjunto de regras acessórias de aplicação do direito material, mas, cientificamente, como instrumento público de realização da justiça. Reconhecendo a relevância da ciência processual, a Constituição brasileira atribui à União a competência para legislar sobre o direito processual, unitariamente conceituado (art. 22, inciso I, da CF de 1988); quanto a “procedimentos em matéria processual”, a Carta Política dá competência concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal (art. 24, XI, da CF de 1988).

A competência constitucional é uma das atuais distinções entre processo e procedimento. A doutrina tradicional, a seu modo, define processo e procedimento, ensinando Odete Novais Carneiro Queiroz que:279 “Processo é uma

direção no movimento enquanto procedimento é o modo de mover e a forma em que é movido o ato, repetiu-se inúmeras vezes. O processo é essencialmente dinâmico. Lições pertinentes nos passam os estudiosos da lei adjetiva, ao assegurar que os atos processuais, embora tenham de ser praticados em determinado momento, compreendem várias etapas, não se exaurindo com sua prática, o que faz por tornar

279

QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. O devido processo legal. Revista dos Tribunais, n. 748. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 51.

impossível uma tutela imediata do direito.

Mas não se pode procrastinar em demasia a solução da lide, pois daí adviriam danos irreparáveis às partes, sobretudo as mais vulneráveis. Tem-se notícia que a Corte Européia dos Direitos Humanos já condenava por danos morais inúmeros países, em conseqüência dessa demora que provocava angustiante espera pelo êxito da lide. Com fundamento no art. 6º, 1, da Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais280

, o direito subjetivo à prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável foi estendido a todos, tendo por parâmetro: a) complexidade do assunto; b) o comportamento dos litigantes; e c) a atuação do órgão jurisdicional ao verificar a indevida dilação, conforme leciona José Rogério Cruz e Tucci”.

Tradicionalmente, dividem-se os princípios do direito processual civil em informativos e fundamentais. Os princípios informativos (lógicos; jurídicos; políticos e econômicos) são aqueles que não sofrem de influência ideológica, sendo, eminentemente, técnicos e universais. Já os princípios fundamentais, ao contrário dos informativos, são diretrizes nitidamente inspiradas por características políticas, trazendo em si carga ideológica significativa e, por isso, válidos para o sistema, ideologicamente, afeiçoado a esses princípios fundamentais que existem e devem ser preservados.

Os princípios, na lição de Nélson Nery Júnior,281

não precisam estar explicitamente previstos no sistema jurídico: “Os princípios são, normalmente, regras de ordem geral que, muitas vezes, decorrem do próprio sistema jurídico e não necessitam estar previstos expressamente em normas legais, para que se lhes empreste validade e eficácia”.

Dessa forma, o princípio constitucional do devido processo legal é a fonte mediata ou imediata dos princípios judiciais existentes dentro de um sistema

280

Art. 6º - “Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada eqüitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre os seus direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela”.

281

NERY JUNIOR, Nélson. Recursos no processo civil. Princípios fundamentais. Teoria geral dos recursos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 244.

jurídico como um todo. Diz Nelson Nery Junior282 que “o princípio fundamental do

processo civil, que entendemos como a base sobre a qual todos os outros se sustentam, é o do devido processo legal, expressão oriunda da inglesa due process

of law”.

Como ensina Eduardo J. Couture,283

“a garantia de ordem estritamente processual acabou por transformar-se, com o andar do tempo, no símbolo da própria garantia jurisdicional. Ter assegurada a defesa em juízo consiste, em última análise, em não ser privado da vida, liberdade ou propriedade sem a garantia que pressupõe a tramitação de um processo a forma estabelecida em lei”. E complementa o jurista: “Uma procedural limitation veio a converter-se, pela evolução do tempo, em uma

general limitation, no sentido que este conceito tem na doutrina do direito político”.

Em que pesem opiniões contrárias, entendemos que o princípio do

devido processo legal se constitui na fonte primária dos princípios do direito processual civil, apesar de não estar atrelado apenas às normas de direito processual. Esse princípio está bipartido, de modo que tanto se esgalha para aspectos processuais como também para aspectos materiais.

A Constituição Federal consagra o princípio do devido processo legal, cláusula insculpida nas garantias fundamentais previstas no seu art. 5º, inciso LIV, que diz: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo

legal”. Entende-se que este princípio é, por si só, bastante para legitimar e legalizar

a existência dos demais princípios processuais arrolados na Constituição Federal.

As conseqüências resultantes da vigência do princípio do devido

processo legal são apontadas por José Augusto Delgado284

e estão baseadas em três postulados: “a) ninguém pode ser afetado no âmbito de seu círculo jurídico sem ser ouvido, pelo que, sem essa condição, não pode receber sentença condenatório mesmo prolatada por juiz natural; b) o contraditório processual é comportamento de

282

Idem, p. 25. 283

COUTURE, Eduardo J. Fundamentos do direito processual civil. Campinas: Red Livros, 1999, p. 74. 284

natureza essencialmente democrática, por simbolizar a eficácia do direito fundamental da igualdade de todos perante a lei; c) além do devido processo legal compreender a proteção judiciária (o denominado direito ao processo), ele abrange o direito à completa proteção jurídica, ou melhor explicando, a uma proteção processual razoável e adequada à situação do jurisdicionado, todas as vezes que necessitar ser ouvido em juízo”.

Portanto, a garantia constitucional de direito ao processo (direito à tutela jurisdicional) só será efetiva à medida que se assegurar o recurso ao devido processo legal, ou seja, aqueles meios e recursos traçados previamente pelas leis processuais, sem discriminação de parte, e com garantia de defesa, instrução contraditória, duplo grau de jurisdição, publicidade dos atos e outras garantias.

O grande equívoco de parte da doutrina que tratou do princípio do devido processo legal foi a insistência em se mantê-lo atrelado apenas ao aspecto processual (procedural due process), não lhe dando a amplitude e extensão que o princípio exige com relação aos aspectos substanciais (substantive due process).

O devido processo legal, que remonta às suas origens no sistema da

common law, está genericamente caracterizado pelo trinômio vida-liberdade-

propriedade e, de modo mais elástico possível, este princípio deve ser interpretado, tal qual o faz a Suprema Corte americana. A este propósito, deve ser acentuado que a própria Constituição americana cria, especialmente, como direito positivo, certos princípios amplos de justiça moral. Assim, a Constituição estabelece que nenhuma pessoa pode ser privada de vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo de lei, uma frase que significa para um americano o que a frase direito natural tem significado, tradicionalmente, no sentido de igualdade, consistência, imparcialidade, justiça, bondade. Ainda, certas liberdades amplas, tais como liberdade da palavra e de religião, e certos direitos como o de julgamento imparcial, igualdade de proteção das leis.

Entende Canotilho285 que a leitura das Emendas americanas

relacionadas com o due process of law é assim sintetizada: “processo devido em direito significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade. Dito ainda por outras palavras: due process eqüivale ao processo justo definido por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicação de sanções criminais particularmente graves”.286

Em sentido processual, a expressão alcança outro significado mais restrito. No direito processual americano, a cláusula (procedural due process) significa o dever de propiciar-se ao litigante: a) comunicação adequada sobre a recomendação ou base da ação governamental; b) um juiz imparcial; c) a oportunidade de deduzir defesa oral perante o juiz; d) a oportunidade de apresentar provas ao juiz; e) a chance de reperguntar às testemunhas e de contrariar provas que forem utilizadas contra o litigante; f) o direito de ter um defensor no processo perante o juiz ou tribunal; g) uma decisão fundamenta, com base no que consta dos autos. Além desses elementos essenciais, o princípio do devido processo legal no direito americano possui ainda: a) o direito a processo com a necessidade de haver provas: b) o direito de publicar-se e estabelecer-se conferência preliminar sobre as provas que serão produzidas; c) o direito a uma audiência pública; d) o direito à transcrição dos atos processuais: e) julgamento pelo tribunal do júri (civil); f) o ônus da prova, que o governo deve suportar mais acentuadamente do que o litigante individual.

É nesse sentido processual que a doutrina brasileira tem empregado a locução “devido processo legal”. Quanto ao processo civil, é manifestação do “due

process of law”: a igualdade das partes; garantia do jus actionis; respeito ao direito

285

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2001, p. 481.

286

E prossegue Canotilho, a respeito do devido processo legal: “Esta leitura básica abre a porta para um outra idéia já através acentuada. É ela a do processo devido como processo justo de criação legal de normas jurídicas, designadamente das normas restritivas das liberdades dos cidadãos. Por outras palavras porventura mais expressivas: o due process of law pressupõe que o processo legalmente previsto para aplicação de penas seja ele próprio um “processo devido” obedecendo aos trâmites procedimentais formalmente estabelecidos na constituição ou plasmados em regras regimentais das assembléias legislativas. Procedimentos justos e adequados moldam a actividade legiferante. Dizer o direito segundo um processo justo pressupõe que justo seja o procedimento de criação legal dos mesmos processos”.

de defesa; e contraditório.287 Mas, como ensina Iñaki Esparza Leibar288, a doutrina e

a jurisprudência tem flexibilizado e estendido, progressivamente, a polifacética cláusula, definindo e configurando o devido processo legal ao redor de uma idéia central percebida como uma ampla e indefinida proteção.

Em suma, a finalidade do devido processo legal processual constitui-se na garantia de um julgamento limpo e justo para as partes em qualquer processo. As outras garantias específicas contidas ou superpostas no devido processo legal destinam-se a assegurar a realização da justiça nos processos.

4.2 - O princípio da garantia do acesso à Justiça.

4.2.1 - Denominações.

O princípio da garantia do acesso à justiça também é denominado ou conhecido como o princípio da ampla garantia de acesso ao judiciário, direito de ação, da garantia da via judicial, da judicialidade, da inafastabilidade do controle jurisdicional ou controle jurisdicional, simplesmente ou, ainda, princípio da universalidade da jurisdição. Mas o sentido é sempre o mesmo, ou seja, da plenitude do exercício de postulação judicial, mas não só de ir a juízo, mas também de se defender, sendo um direito do cidadão a entrega integral da jurisdição.

4.2.2 - Acesso à Justiça e cidadania.

Esse princípio, insculpido no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, garante a todos o acesso ao Poder Judiciário, que não pode deixar de atender quem venha a juízo deduzir uma pretensão fundada no direito e pedir solução para ela. Diz o texto constitucional que “a lei não excluirá da apreciação do Poder

287

MELLO FILHO, José Celso. A tutela judicial da liberdade. Revista dos Tribunais. n. 526. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 299.

288

Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito”, não podendo o juiz, a pretexto de lacuna ou obscuridade da lei, escusar-se de proferir decisão (art. 126, do Código de Processo Civil brasileiro)289

.

É o princípio do acesso amplo à justiça, que é um direito público subjetivo exercitável até mesmo contra o Estado que, por sua vez, não pode recusar-se a prestar a tutela jurisdicional. O Estado-juiz não está obrigado a decidir em favor do autor, mas sim aplicar o direito ao caso concreto. Embora o destinatário principal desse princípio seja o legislador, o comando constitucional atinge a todos indistintamente. Vale dizer, ninguém pode impedir que o jurisdicionado compareça a juízo e deduza sua pretensão.

Acesso à Justiça é uma expressão que significa o direito de buscar proteção judiciária, ou seja, é o direito de recorrer ao Poder Judiciário em busca da solução de um conflito de interesses. Nessa acepção, a expressão acesso à Justiça tem um sentido institucional. Essa é a significação que se acha no inciso XXXV, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988, quando diz que "a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Mas, se o acesso à Justiça se resumisse apenas nessa acepção institucional, seu significado seria de enorme pobreza valorativa. Essa norma constitucional do inciso XXXV não se resume nessa fórmula de pouca expressividade normativa. É que, na verdade, quem recorre ao Poder Judiciário confia que ele é uma instituição que tem como finalidade ministrar Justiça com valor, uma instituição que, numa concepção moderna, não deve nem pode satisfazer-se com a pura solução das lides. Os fundamentos constitucionais da atividade jurisdicional querem mais, porque exigem que se vá a fundo na apreciação da lesão ou ameaça a direito para efetivar um julgamento justo do conflito. Só, assim, se realizará a Justiça concreta que se coloca quando surgem os litígios, pois somente onde existem os conflitos de interesses a justiça se torna um problema. Parasafreando Kelsen, onde não há conflitos de interesses, não há necessidade de justiça.

289

Art. 126 do CPC: “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”.

Como o Poder Judiciário é um dos Poderes do Estado, como enuncia o art. 2º, da Constituição Federal de 1988, e como o Estado, República Federativa do Brasil, tem como um de seus primeiros fundamentos construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inciso I, da CF de 1988), então, não pode mais ele se contentar com a mera solução processual dos conflitos. Cada sentença há que constituir numa parte da construção da sociedade justa. E a Justiça há de ser aquele valor supremo de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito que nos promete o Preâmbulo da Constituição. Já dizia Montesquieu que não haveria liberdade se o poder de julgar não fosse separado dos outros poderes. Hoje, quer-se muito mais da pessoa humana, sem o que a Justiça não se realizará.

Daí o surgimento da cidadania. Uma idéia essencial do conceito de cidadania consiste na sua vinculação com o princípio democrático. Pode-se afirmar que, sendo a democracia um conceito histórico que evolui e se enriquece com o evolver dos tempos, assim também a cidadania ganha novos contornos com a evolução democrática. É por essa razão que se pode dizer que a cidadania é o foco, para onde converge a soberania popular.

O primeiro aspecto importante no conceito de cidadania é o da cisão que o discurso jurídico burguês fez entre o homem e o cidadão, inclusive, refletindo na famosa Declaração de Direitos de 1789, que se chamou Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na qual a expressão Direitos do Homem denota o conjunto dos direitos individuais, pois ela é profundamente individualista, assinalando à sociedade um fim que é o de servir aos indivíduos, enquanto a expressão Direitos do Cidadão significa o conjunto dos direitos políticos de votar e ser votado, como institutos essenciais à democracia representativa. E esta foi a primeira manifestação da cidadania que qualifica os participantes da vida do Estado, ou seja, o cidadão, indivíduo dotado do direito de votar e ser votado, oposta à idéia de vassalagem tanto quanto a de soberania aparece em oposição à de suserania. Surge, porém, uma nova dimensão da cidadania que decorre da idéia de Constituição dirigente, que não é apenas um repositório de programas vagos a serem cumpridos, mas constitui um sistema de previsão de direitos sociais, mais ou menos eficazes, em torno dos quais se vem construindo a nova idéia de cidadania.

E essa nova idéia de cidadania se constrói, pois, sob o influxo do progressivo enriquecimento dos direitos fundamentais do homem. A Constituição brasileira de 1988, que assume as feições de constituição dirigente, incorporou essa nova dimensão da cidadania (art. 1º, inciso II, da CF de 1988), quando a menciona como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito em que é constituída a República Federativa do Brasil, dando-lhe um sentido mais amplo do que o de titular de direitos políticos. Qualifica os participantes da vida do Estado o reconhecimento dos indivíduos como pessoas integradas na sociedade estatal (art. 5º, LXXVII, da CF de 1988). Significa, também, que o funcionamento do Estado estará submetido à vontade popular, vinculando aí o termo com o conceito de soberania popular (art. 1º, § único, da CF de 1988) e com o conceito de dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF de 1988), com os objetivos da educação (art. 205 da CF de 1988), como base e meta essenciais do regime democrático.

Assim considerada, a cidadania consiste na consciência de pertinência à sociedade estatal como titular dos direitos fundamentais, da dignidade como pessoa humana, da integração participativa no processo do poder com a igual consciência de que essa situação subjetiva envolve também deveres de respeito à dignidade do outro, de contribuir para o aperfeiçoamento de todos.

O direito fundamental de acesso à Justiça está no campo jurídico- constitucional. É lamentável constatar, porém, que o nosso direito ainda não foi capaz de revogar a frase que Ovídio, poeta latino dos Tristes e das Metamorfoses, lançou há mais de dois mil anos: Curia pauperibus clausa est (o tribunal, ou seja, a Justiça está fechada para os pobres). É que o acesso à justiça não é só uma questão jurídico-formal, mas é, especialmente, um problema econômico-social, de sorte que sua aplicação real depende da remoção de vários obstáculos de caráter material, para que os pobres possam gozar do princípio de uma Justiça igual para todos. Ter acesso ao Judiciário sem a garantia de um tratamento igualitário não é participar de um processo justo. A igualdade é um elemento comum a toda concepção de justiça, mormente na sua manifestação mais característica e mais relevante que é a igualdade perante o juiz. É nesse momento, pois, que a igualdade ou a desigualdade se efetivam concretamente, como coisa julgada. O princípio da igualdade da Justiça só será respeitado, no sentido atual, se o juiz perquirir a idéia

de igualdade real, que busca realizar a igualização das condições dos desiguais em consonância com o postulado da justiça concreta, não simplesmente da justiça formal.

A cidadania não se realizará com a simples igualdade perante a lei, pois, como lembra Cappelletti, tratar como iguais sujeitos que econômica e socialmente estão em desvantagem não é outra coisa senão uma ulterior forma de desigualdade e de injustiça. Convém ressaltar a insuficiência dos velhos princípios sobre os quais se apóia o processo judicial, tais como ne procedat iudex ex officio -

ne iudex judicet in re sua - audiatur altera pars, que respondem a um processo

liberal, mas não a um processo justo, para cuja efetivação não basta que ante a um juiz imparcial haja duas partes em contraditório, de modo que o juiz possa ouvir as razões de ambas. É necessário, além disso, que essas duas partes se encontrem, entre si, em condição de paridade não, meramente, jurídica e teórica, mas que exista entre elas uma efetiva paridade prática, o que quer dizer paridade técnica e também econômica. Diante da administração da justiça existe o perigo de que gravite sobre o pobre aquela maldição que pesa sobre ele cada vez que os ordenamentos democráticos se limitem a assegurar-lhe e aos outros cidadãos, as

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