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Devotos de Berta Lucia: os patrocinadores da crença popular

4 BERTA LUCIA: A SANTA PRUDENTINA

4.7 Devotos de Berta Lucia: os patrocinadores da crença popular

Anualmente, o Cemitério Municipal São João Batista recebe uma multidão de pessoas que traça um caminho comum: a capela da “santa prudentina”, alcunha pela qual Berta Lucia se tornou conhecida no imaginário popular. A santidade da menina não é decretada pela Igreja e nem está próxima de ser, no entanto, para os fiéis, a condição é legítima. A alguns, o sepulcro é novidade, ao passo que, a outros, é um ambiente com o qual estão familiarizados, já que a visita anual se tornou tradição. Há aqueles que vêm motivados pela curiosidade, já os demais chegam impulsionados pela crença em uma figura que, em função da morte prematura, conserva a pureza e a ingenuidade da infância. No decorrer das décadas, os romeiros têm expressado sua fé e gratidão por meio de flores, velas, fitas e a entrega de presentes, especialmente bonecas, além de ornamentarem a capela com placas que imortalizam as graças alcançadas, como mostram os exemplos:

FIGURA 8 – Exemplo de placa votiva 1

Foto: André Esteves

29 Dom Benedito Gonçalves dos Santos. Bispo da Diocesana de Presidente Prudente. Entrevista sobre a possibilidade de canonização de Berta Lucia, 22 mar. 2017.

FIGURA 9 – Exemplo de placa votiva 2

Foto: André Esteves

Considerando que o intuito deste presente trabalho é analisar a construção da santidade de Berta Lucia no imaginário popular, houve a necessidade de conhecer os discursos que fundamentam a crença na menina e mantêm o fenômeno devocional vivo. Algumas das histórias coletadas foram aqui reunidas e fornecem um panorama sobre a realidade que esta pesquisa se propôs a discutir.

A dona de casa Alessandra Mataruna30 explica que sua relação com a figura de Berta Lucia se dá por meio da troca. Ela se dirige até o sepulcro da menina, faz a promessa e a cumpre conforme o tamanho do milagre alcançado. Ou seja, quanto maior for a graça, maior a boneca que será destinada à capela. Mataruna31 conta que conhece a fama da santa “desde que se conhece por gente” e já teve diversas intercessões atendidas.

A mais recente esteve relacionada a um cálculo renal muito grave que a dona de casa teve. Mataruna32 aponta que estava para perder o rim, quando decidiu recorrer à capacidade milagreira da criança e conseguir a cura. Outro evento ocorreu com o seu filho, Nathan Daniel de Carvalho, que sentia dificuldades para aprender a ler, chegando a passar por psicólogos e neurologistas. Sem alternativa, a mãe decidiu se valer do sagrado e fazer a prece para Berta Lucia em um mês de outubro. Mataruna33 relata que a graça foi concedida e o menino voltou à escola em fevereiro do ano seguinte já sabendo ler.

30 Alessandra Mataruna. Dona de casa. Entrevista sobre a devoção em Berta Lucia, 02 nov. 2016. 31 Idem.

32 Idem. 33 Idem.

Mataruna34 ressalta ainda as propriedades milagreiras da água que corre em uma torneira instalada diante do túmulo de Berta Lucia. Segundo ela, basta o enfermo lavar a região do corpo onde sente a dor e aguardar a melhora:

Se você tiver dor de cabeça, você pode chegar e lavar a sua cabeça. Você tem que ter fé, né! Tudo o que você faz, você tem que ter fé! Não adianta eu chegar aqui e pedir pra ela sem fé. Mesma coisa a Deus. Tudo o que você pede a Deus, se você não tiver fé, não é alcançado. Então ela é assim, ela é uma intercessora. Tudo o que você pede pra ela, ela está mais próxima de Deus e ela vai estar levando o seu pedido.

Luiz César Teixeira da Silva35 conheceu a história de Berta em 1997 por meio de sua esposa, Eliane Cristina Pereira da Silva, que à época era sua namorada. Ele tinha apenas 16 anos quando visitou a capela da menina pela primeira vez e, ao adentrá-la, sentiu que era um lugar onde estava sepultada “uma pessoa muito especial”, embora não fosse um jovem de muita fé. No mesmo ano, a amada, com 19 anos, engravidou de sua primeira filha e teve complicações. Desesperada, Eliane fez a promessa de que se o bebê nascesse com saúde seria batizado com o nome de Berta Lucia. Dívida essa que foi paga com o nascimento da menina.

Mais tarde, ao decidirem ter mais um filho, Eliane sofreu um aborto espontâneo aos dois meses. Silva36 relata que foi um momento muito difícil para o casal e tudo que haviam conquistado perdeu o sentido. Na ocasião, a filha Berta Lucia já estava com 18 anos, ao passo que a esposa, 38. Como era a última chance de serem pais por causa da idade avançada, ambos ficaram preocupados com a possibilidade de não conseguirem dar um irmão para a filha.

Novamente, procuraram o auxílio da santa prudentina e, quatro meses depois, afirmam que foram atendidos. No entanto, aos cinco meses de gestação, Eliane teve um descolamento da placenta, que colocou a gravidez em risco. Naquele período, toda vez que os dois vinham a Presidente Prudente para o pré-natal, a cada vinte dias, faziam uma passagem pelo Cemitério Municipal São João Batista, levavam uma boneca para Berta Lucia e pediam que a menina protegesse o bebê. Silva37 conta que a gestação foi bem-sucedida e, atualmente, sempre que voltam ao

34 Alessandra Mataruna. Dona de casa. Entrevista sobre a devoção em Berta Lucia, 02 nov. 2016. 35 Luiz César Teixeira da Silva. Entrevista sobre a devoção em Berta Lucia, 23 abr. 2017.

36 Idem. 37 Idem.

município para levar Valentina, de 11 meses, ao pediatra, passam pela capelinha e realizam uma oração de agradecimento. O devoto também atribui à santa a bolsa de estudos integral que a filha mais velha conquistou para estudar Pedagogia.

A importância de honrar o acordo estabelecido com Berta Lucia é mencionada por Silva38:

Elas [as filhas] são um presente que a santinha Berta Lucia ajudou Deus a nos dar. Uma vez, eu fiz um pedido e esqueci de cumprir minha promessa. Por um bom tempo fiquei sonhando que eu brincava de bola com uma menina e o campo ficava dentro de um cemitério. Eu não lembrava do retrato da santinha Berta Lucia. Um dia, eu e minha esposa fomos visitar a capelinha e eu olhei o retrato. Era a menina que eu sonhava e tinha prometido levar uma bola e tinha me esquecido. Fico muito emocionado de lembrar disso até hoje, pois já faz uns dez anos que isso aconteceu e aumentou ainda mais minha fé. Tenho certeza que ela ajudou muita gente, pois se temos fé com certeza ela está ao lado de Deus e vai interceder por nós.

Francisco Ferreira Nobre39 descobriu a capela de Berta Lucia por acaso, após visitar o túmulo do filho assassinado. Ele descreve que, ao ouvir a história da menina, entrou no local, ajoelhou-se e começou a pedir e orar. Na ocasião, uma mulher lhe perguntou se estava sentindo alguma coisa. Foi neste momento que Nobre40 percebeu que chorava sem perceber.

Como estava com um problema de estômago, aproveitou o ensejo para tomar três goles de água da torneira localizada diante da capela e passar a mão molhada em cima da região onde sentia dor. Nobre41 declara que, dois meses mais tarde, o sofrimento desapareceu. Para agradecer a bênção recebida, ele deu uma boneca para a menina e prometeu rezar um Pai Nosso, três Ave Maria e três Santa Maria toda vez que retornasse ao sepulcro, cumprindo o acordo religiosamente desde então.

Cristiana Cícera Brito de Sá42 é devota de Berta Lucia por influência da mãe, que lhe ensinou a confiar na menina desde a infância. Ela acredita em outros santos, mas sem a mesma convicção depositada na imagem de Berta Lucia. Segundo Sá43, a garota foi quem lhe atendeu no momento de maior necessidade. Ainda no início da maternidade, descobriu que a filha de seis meses estava com

38 Luiz César Teixeira da Silva. Entrevista sobre a devoção em Berta Lucia, 23 abr. 2017. 39 Francisco Ferreira Nobre. Entrevista sobre a devoção em Berta Lucia, 24 abr. 2017. 40 Idem.

41 Idem.

42 Cristiana Cícera Brito de Sá. Entrevista sobre a devoção em Berta Lucia, 21 abr. 2017. 43 Idem.

leucemia e resolveu apoiar-se em Berta Lucia, pois “nem os médicos acreditavam na cura”, chegando a estimar apenas mais um mês de vida para a criança.

Hoje, Lorrana Policarpo das Neves tem 20 anos, está casada e grávida de um menino, que receberá o nome Bernardo. Com a eficácia do tratamento, Sá44 presenteou a santa com uma boneca. Ela explica que a escolha do brinquedo é justificada pelo fato de Berta “ser uma criança como a filha era”. Agora, as orações estão voltadas para o nascimento saudável do neto e o auxílio de Berta Lucia na hora do parto.

O que se percebe aqui é que a fé na santa prudentina se transforma em uma herança, transmitida de pais para filhos, enquanto a boneca não simboliza apenas um gesto de gratidão, mas uma forma de homenagear esta que teve a infância roubada em função daquela que teve a infância devolvida.

5 PROJETO EDITORIAL DO LIVRO-REPORTAGEM “BERTA LUCIA: A SANTA