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3 A REPORTAGEM EM LIVRO: QUANDO O JORNALISMO E A

3.3 A fotografia como retrato da fé

A fotografia é um componente muito importante para a produção da peça prática deste trabalho, tendo em vista que sua utilização permite a melhor compreensão sobre as situações descritas e cenários mencionados, além de oferecer uma melhor visão acerca dos personagens entrevistados pelos autores. Ademais, conforme explica José de Souza Martins (2002), em seu artigo A imagem

incomum: a fotografia dos atos de fé no Brasil, este recurso objetiva a afirmação da

fé e é por esta razão que a religiosidade popular se apropriou rapidamente dele. Com a chegada da fotografia do Brasil, não havia mais a necessidade de representar o imaginário popular por meio de esculturas barrocas ou pinturas, que por mais imaginativas que fossem, não carregavam em si o mesmo valor de veracidade da fotografia.

Bastante utilizada para reproduzir os ex-votos, a pintura comumente trazia a imagem do enfermo na cama, enquanto do outro lado do quarto levitava a imagem do santo, cumprindo a sua função de vigilante e protetor. Estes testemunhos pictográficos, no entanto, necessitavam da palavra escrita para narrar os milagres e as circunstâncias nos quais ocorreram. Embora a fotografia não tenha dispensado a utilização de textos para explicar os milagres, a economia de escritos comprova a sua maior eficácia testemunhal (MARTINS, 2002).

O sociólogo enfatiza que a consolidação da fotografia como ícone e ex- voto estabelece, portanto, o imaginário de um real sem ocultações ou invisibilidades, além de dar rosto, nome e até mesmo endereço a um crente identificado diante de Deus ou do santo intermediador.

A organização das fotografias e objetos nas salas dos milagres não buscam apenas a garantia de sua visualização, mas a sensação de pequenez do observador perante os milagres testemunhados. Estes espaços se transformam, desta forma, em lugares onde a fé pode ser vista e presenciada. Aqueles que receberam as graças tornam-se cúmplices do santo e difundem os seus poderes (MARTINS, 2002).

Em relação ao registro dos fenômenos devocionais, Martins (2002) pondera que, embora seja pouco provável que o fotógrafo compreenda a dimensão antropológica do que fotografa, este ponto evidencia a relevância da fotografia enquanto documento, já que as cenas, pessoas ou objetos que lhe chamaram a

atenção trazem consigo uma grande gama de significados, configurando-se naquilo que o autor denomina como fato social total. Ou seja, as manifestações, mesmo silenciosas, falam por si próprias, conectam os gestos aos objetos e definem a totalidade do cumprimento de uma promessa.

Martins (2002) salienta que estas expressões religiosas se mostram intensamente visuais e aqueles que as registram se tornam parte da cena sagrada. Nesses casos, a iconoclastia do fotógrafo está na necessidade de superar e negar o realismo da verossimilhança. O teórico destaca que é justamente neste momento que a fotografia cumpre com o seu papel antropológico e sociológico, o que leva o autor a supor que o tempo e o espaço do sagrado é permite a fotografia ter ou não ter abrigo e sentido.

Considerada a importância da fotografia como um registro testemunhal dos fenômenos devocionais, os autores deste presente trabalho também viram a necessidade de analisar a importância do uso da imagem para fins informativos. Na imprensa de modo geral, a técnica está inserida no campo do fotojornalismo, que, de acordo com Jorge Pedro Sousa (2002, p. 7-8), em seu artigo Fotojornalismo: uma

introdução à história, às técnicas e à linguagem da fotografia na imprensa, pode ser

entendido como “uma actividade sem fronteiras claramente delimitadas”, compreendendo desde as fotografias de notícias e fotografias dos grandes projetos documentais até as ilustrações fotográficas6 e os features7. O autor defende que, assim como outros tipos de jornalismo, a principal função do fotojornalismo é informar.

Sousa (2002) destaca que, para cumprir essa finalidade, o fotojornalismo se vale da conciliação entre fotografia e texto, uma vez que a fotografia, por si só, não é capaz de oferecer determinadas informações, havendo a necessidade de ser complementada com textos que contribuam para a construção de sentido. O caminho oposto é ressaltado por por Ivan Lima (1998) em seu livro A

fotografia é a sua linguagem. Segundo ele, a fotografia visa complementar aquilo

que o texto deixou vago, além de ser um componente que gera interesse, levando

6 Imagens fabricadas ou planejadas com a finalidade de gerar um determinado efeito e ilustrar, na maior parte das vezes, assuntos “menos sérios”, como cozinha ou moda, embora não estejam restritas somente a eles (SOUSA, 2002).

7 Conforme Sousa (2002), são imagens fotográficas que, ao produzirem sentido próprio, reduzem o texto complementar às informações básicas (quando aconteceu, onde aconteceu, etc.).

em conta que uma publicação acompanhada de imagem está mais propensa a deter a atenção do leitor do que aquela que não possui.

Sobre a relação entre texto e fotografia, Sousa (2002, p. 76) complementa que embora “não sejam estruturas homogéneas [o texto ocupa, geralmente, um espaço contíguo ao da fotografia, não invadindo o espaço desta, a não ser para construir mensagens gráficas], não existe jornalismo sem texto”.

Lima (1988) explica que o real papel da fotografia é “transmitir a informação esgotando suas possibilidades, ou seja, adquirindo também um caráter estético e transmitindo valores culturais” (LIMA, 1988, p. 24). Para ele, não é finalidade deste recurso gerar a informação suplementar, mas propiciar a informação que é intrínseca à linguagem fotográfica. “Essa linguagem se dará com o uso de todos os recursos visuais de que dispõe a fotografia como forma de expressão, como técnica e como documento” (LIMA, 1988, p. 24).

De acordo com Lima (1988), para que a comunicação por meio da fotografia seja bem-sucedida, é preciso atender a três condições. A primeira é saber “ler” o que a imagem imprime, a segunda é conhecer os elementos que compõem a fotografia e a terceira é compreender a língua na qual a mensagem é expressada. “No caso da imagem fotográfica, essa língua comum pertence ao mesmo meio sócio-cultural” (LIMA, 1988, p. 19). Ainda conforme Lima (1988), é preciso que a fotografia tenha linguagem própria, seja clara e contextualize o fato dentro de seu espaço e de sua época.

Uma vez que o livro-reportagem fruto desta pesquisa encontra na história oral o ponto de partida para a sua confecção, o retrato (FIGURA 1) é a melhor forma de representar as fontes que contribuirão para o desenvolvimento da narrativa. Para Sousa (2002), o retrato fotojornalístico é fruto do interesse que o leitor tem de conhecer as pessoas que fazem parte da história. Desta forma, cabe ao fotojornalista reproduzir não apenas a faceta física exterior de um ou mais personagens, como também expor um traço da personalidade individual ou coletiva. “A expressão facial é sempre muito importante no retrato, já que é um dos primeiros elementos da comunicação humana” (SOUSA, 2002, p. 121).

Embora a pose seja aceita no momento da composição de um retrato, até mesmo para imprimir um sentido à imagem, Sousa (2002) não descarta a perda da naturalidade. Posada ou não, a forma como a pessoa será fotografada é uma

decisão do fotojornalista ou do próprio retratado, o que, para o autor (2002, p. 122), “será identicamente revelador da sua personalidade”.

FIGURA 1 – Exemplo de retrato

Foto: André Esteves

Lima (1988), por sua vez, menciona a fotografia social (FIGURA 2), que capta “o dia-a-dia das pessoas da cidade, do campo, do país, das diversas classes da sociedade” (LIMA, 1988, p. 95). Ele acrescenta que esta categoria contempla a fotografia de festas populares, que, no produto jornalístico resultante deste trabalho, configura-se na documentação das manifestações populares no dia de Finados. Em termos de enquadramento, os autores entendem que, com relação ao livro- reportagem Berta Lucia: a santa prudentina, o Plano de Conjunto é o mais apropriado para compor esse tipo de imagem, considerando que consiste em um plano geral mais fechado, onde se distinguem os intervenientes da ação e a própria ação com facilidade e por inteiro (SOUSA, 2002).

FIGURA 2 – Exemplo de fotografia social

Foto: Daniel Lucena

Lima (1988) argumenta que os movimentos de ação são mensagens transmitidas inconscientemente pelo seu executor, portanto, podem traduzir informações que não são verbalizadas. As comunicações não-verbais (FIGURA 3) se sustentam no corpo, nos artefatos e no espaço. No primeiro, a mensagem se expressa por meio da expressão (rosto e, especialmente, olhos), gestos (braços e mãos) e postura (corpo direcionado pelos membros inferiores). Ao lançar mão na fotografia como recurso documental, estes pesquisadores almejam captar as emoções emanadas pelos personagens da narrativa diante do fenômeno da devoção, como, por exemplo, o modo que os fiéis se posicionam para pedir graças ou cumprir os votos e como seus semblantes reagem ao falarem sobre a menina. Já os artefatos são as roupas e os objetos próximos que contribuem para a identificação. Por fim, o espaço é a forma como os indivíduos estão dispostos nos espaços que ocupam ou os cercam. No livro-reportagem, o ambiente de maior relevância é o cemitério, que se transforma anualmente no ponto de encontro de milhares de devotos que visitam a capela de Berta Lucia.

FIGURA 3 – Exemplo de comunicação não-verbal

Foto: Daniel Lucena

Levando em consideração os conceitos apresentados, o objetivo dos autores é utilizar as fotografias, assim como a palavra escrita, para a reconstrução deste fragmento da cultura popular prudentina. Para tanto, serão empregadas fotos produzidas pelo próprio grupo, tendo em vista que o fenômeno devocional ainda pode ser acompanhado.