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Livro-reportagem: o relato em profundidade

3 A REPORTAGEM EM LIVRO: QUANDO O JORNALISMO E A

3.2 Livro-reportagem: o relato em profundidade

O livro-reportagem é classificado por Edvaldo Pereira Lima (2009), em sua obra Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da

literatura, como um subsistema do sistema jornalismo e descrito como um meio de

comunicação jornalística não-periódico, cuja função é prestar informação de forma ampliada a respeito dos fatos de relevância social a partir de uma variedade significativa de temas, desde simples aos mais complexos, com o objetivo de interpretar e discernir o sentido dos acontecimentos e dar luz a um assunto, evidenciando ângulos pouco visíveis ou compreendidos.

Ao questionar se livro-reportagem é um tipo diferente de jornalismo, Eduardo Belo (2006), na obra O que é livro-reportagem, argumenta que o instrumento não é substituto de nenhum meio de comunicação, mas um complemento de todos, pois é capaz de contemplar a maior gama de informação organizada e contextualizada acerca de um tema e oferecer diversas possibilidades para experimentação, uso da técnica jornalística, aprofundamento das abordagens e construção narrativa, constituindo-se na mídia de maior profundidade, com exceção do videodocumentário.

A definição acima permite perceber o quanto o conceito de livro-reportagem guarda uma lição estreita com a concepção de jornalismo. Em especial com o jornalismo “de profundidade”, mais crítico e mais analítico. Do ponto de vista técnico, o livro revela-se como um instrumento mais rico para o exercício da profissão. Tirando o fator temporal, já que em geral o veículo não comporta temas de caráter efêmero, todos os demais princípios do ofício podem ser aplicados e explorados intensamente. Forma, conteúdo e, em especial, dimensão consistem no conjunto de características que diferencia o jornalismo em livro do praticado em outros meios. (BELO, 2006, p. 41)

Belo (2006, p. 55) ainda defende que, embora o livro-reportagem não seja um substituto do jornal e da revista, ocupa perfeitamente “os espaços deixados pelas deficiências da cobertura cotidiana – complementando-a ou fazendo o que os outros meios não fazem”. O autor evidencia que a expansão deste veículo no Brasil ocorreu quase simultaneamente com a inauguração da era da informação digital, pois é o momento em que uma parte do público combate a ideia de não ter a necessidade de textos longos e aprofundados e recorre ao livro.

Lima (2009) demarca três condições essenciais que traçam uma linha de diferenciação entre livro-reportagem e demais livros. O primeiro diz respeito ao conteúdo, pois o objeto de abordagem deve ser condizente ao real e ao factual. Para isso, fatores como veracidade e verossimilhança são essenciais em sua composição. O segundo é que o livro-reportagem precisa ser eminentemente jornalístico, o que também compreende linguagem, montagem e edição de texto. Por fim, este veículo pode apresentar diferentes finalidades típicas do jornalismo, as quais se estendem desde a função básica do exercício, que é o de informar, explicar e orientar.

De acordo com Belo (2006), são critérios básicos do livro-reportagem e devem ser levados em conta na hora de escrevê-lo: a exatidão, detalhamento dos fatos, levantamento de dados que permita a conexão entre os acontecimentos, descrição e contextualização. Segundo o autor, quando o repórter se dispõe a fazer uma apuração mais aprofundada, consegue captar muitos detalhes que são desconhecidos ao público. “Um livro só atrairá o interesse do leitor se tiver novidades suficientes que compensem não só o gasto com a compra da obra, mas também o tempo empregado na leitura” (BELO, 2006, p. 49).

O autor aponta que, apesar dos números não especificarem o gênero, a biografia ainda é o que fomenta a maior parte da produção de livro-reportagem no Brasil. Ela permanece como o subgênero mais popular, “em especial aquelas rotuladas como vencedoras ou que tenham, por alguma razão não necessariamente positiva, alcançado a notoriedade” (BELO, 2006, p. 61). Embora o livro-reportagem que serve como peça prática para esta pesquisa não seja puramente uma biografia, mas a análise de um fenômeno, o produto trabalha com aspectos biográficos ao fazer o resgate de quem foi Berta Lucia.

Em relação a este gênero, Pena (2006) afirma que consiste na parte do jornalismo literário que discorre sobre um determinado personagem, responsável pelo desencadeamento de todo o enredo. “Os acontecimentos, por mais importantes que sejam, são apenas satélites. Tudo gira em torno da história de uma vida” (PENA, 2006, p. 70). O autor acrescenta que o relato biográfico normalmente intenta ordenar fatos de uma vida de modo cronológico, “na ilusão de que eles formem uma narrativa autônoma e estável, ou seja, uma história com princípio, meio e fim, formando um conjunto coerente” (PENA, 2006, p. 72). Ele faz alguns questionamentos acerca do papel do escritor que deseja construir uma biografia:

[...] Que tipo de discurso ele deve construir? Que linguagem empreender? Que informações priorizar? Como fugir da ilusão de que se pode apresentar a vida como uma história coerente? Como explorar as múltiplas identidades? E, principalmente, quem escolher como personagem e de que maneira evitar a “celebrização” de sua imagem? (PENA, 2006, p. 90)

Lima (2009, p. 427), por sua vez, aponta outras duas vertentes: o perfil, que visa traçar o retrato de uma pessoa a partir dos “seus valores, suas motivações, talvez seus receios, seus lados luminosos e suas facetas sombrias”; e os textos de memórias, apropriados para este trabalho, considerando que tratam sobre uma fase da vida de uma pessoa ou acerca de um ou mais eventos dos quais ela fez parte, sendo geralmente lembranças de um período remoto e distinguindo-se da biografia por não estarem incumbidos de narrar a vida inteira do personagem-alvo.

Sobre o mercado, Belo (2006) destaca que os livros-reportagem sobrevivem mesmo com o avanço da tecnologia quanto aos arquivos digitais. “Assim como o jornal não sucumbiu inteiramente à televisão nem à internet, o livro em papel ainda resiste à chegada de obras digitais” (BELO, 2006, p. 59).

O autor diz que a prova de que a demanda por livros-reportagem existe está concentrada na grande oferta de títulos disposta nas livrarias, tais como “retratos dos bastidores da política e da economia, importantes relatos de feitos esportivos, perfis, livros com entrevistas, história da música e narrativas históricas sobre agremiações esportivas ou de crimes de toda natureza etc” (BELO, 2006, p. 63), o que mostra que a grande variedade de gêneros tratados é tão extensa quanto os assuntos suscetíveis de serem contemplados com uma reportagem. “Tende ao infinito. E há mercado para tudo que atice a curiosidade humana” (BELO, 2006, p. 63).

Em Jornalismo best-seller: o livro-reportagem no Brasil contemporâneo, Antonio Heriberto Catalão Júnior (2010) elenca os dezoito livros-reportagem mais vendidos no Brasil entre 1966 a 2004: Olga, de Fernando Morais (1989); A viagem

do descobrimento: a verdadeira história da expedição de Cabral, de Eduardo Bueno

(2006); A terceira onda, de Alvin Toffler (1980); 1968: o ano que não terminou, de Zuenir Ventura (1988); As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior (2003);

Náufragos, traficantes e degredados: as primeiras expedições ao Brasil, 1500-1531,

de Eduardo Bueno (2006); Chatô, o rei do Brasil, de Fernando Morais (1994); A

Gaspari (2002); Rumo à Estação Finlândia: escritores e atores da história, de Edmund Wilson (1989); Vinho & guerra: os franceses, os nazistas e a batalha pelo

maior tesouro da França, de Don e Petie Kladstrup (2002); Capitães do Brasil, de Eduardo Bueno (2006); Stupid white men: uma nação de idiotas, de Michael Moore

(2003); Rota 66: a história da polícia que mata, de Caco Barcellos (2008); Abusado:

o dono do Morro Santa Marta, de Caco Barcellos (2008); As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano (2007); Brasil: uma história – a incrível saga de um país, de Eduardo Bueno (2003); e Mauá. Empresário do Império, de Jorge

Caldeira (1995).

Lima (2009) denota que a variedade de livros-reportagem quanto aos temas tratados pode ser classificada em diferentes grupos. Os critérios utilizados pelo autor para tal são “o objetivo particular, específico, com que o livro desempenha narrativamente sua função de informar e orientar com profundidade” e “a natureza do tema de que trata a obra” (LIMA, 2009, p. 51).

Para Lima (2009), ficam assim estabelecidos: livro-reportagem-perfil (aborda uma personagem pública ou anônima de interesse); livro-reportagem- biografia (relata a vida, o passado e a carreira da pessoa em foco); livro-reportagem- depoimento (reconstitui um fato de relevância conforme o testemunho de um participante); livro-reportagem-retrato (aborda uma localidade, um setor da sociedade, um segmento da atividade econômica); livro-reportagem-ciência (divulga um tema científico); livro-reportagem-ambiente (visa atender aos interesses ambientalistas e causas ecológicas); livro-reportagem-atualidade (seleciona temas atuais cujos desdobramentos ainda são desconhecidos); livro-reportagem-antologia (consiste em reunir reportagens compiladas sob um determinado critério); livro- reportagem-denúncia (tem propósito investigativo e enfoca casos marcados pelo escândalo); livro-reportagem-história (resgata um tema do passado que tenha alguma relação com o presente); livro-reportagem-nova consciência (aborda temas de novas correntes comportamentais, sociais, culturais, econômicas e religiosas); e livro-reportagem-instantâneo (focaliza um fato cujos desfechos foram recém- concluídos e já podem ser identificados).

Belo (2006) expõe que, em um livro-reportagem, o ponto de partida é transformar a ideia inicial em um plano de trabalho, isto é, como o tema será abordado. Isso pode ficar claro de antemão na pauta, que também se torna conveniente para apresentar o tamanho da obra e como ela será subdividida. O

autor enfatiza que, neste sentido, “a pauta pode funcionar como uma espécie de argumento, com o resumo dos caminhos que se pretende percorrer com a reportagem e sua concepção final” (BELO, 2006, p. 78). Segundo Belo (2006), o planejamento evita que o escritor se perca no meio do caminho e contribui para incorporar as surpresas na apuração, que, normalmente, são muitas.

Apurar é, conforme Belo (2006, p. 88), “buscar a informação verdadeira e, de preferência, contextualizada”, sendo obrigatória em qualquer livro-reportagem, pois o leitor anseia um compilado além dos fatos e procura entender as causas e consequências. Segundo o autor, os detalhes, curiosidades e informações surpreendentes aparecem conforme a apuração é feita. Para ele, o ideal é que o jornalista estabeleça laços com o objeto tratado, compreendendo a conjuntura em que ele se deu. Se for um personagem, Belo (2006) defende que é necessário familiarizar-se com os hábitos, estilo de vida, relacionamentos pessoais e profissionais, cultura, maneira de pensar, falar e vestir e até mesmo idade e tipo físico. “Ao colocar-se no lugar do personagem, o autor compreende melhor as motivações que levaram a agir de determinada maneira e não outra” (BELO, 2006, p. 91-91). Berta Lucia não é uma personagem que tem participação direta neste trabalho, no entanto, o objetivo dos autores é estar próximos das pessoas que estão vinculadas ao fenômeno abordado.

Embora o livro-reportagem ofereça espaço e tempo maiores para a documentação de fatos aprofundados, Belo (2006) ressalta dois fatores que limitam a prática no Brasil: a dificuldade de acesso às informações e aos bancos de dados, inclusive públicos. Soma-se a isso a precariedade das estatísticas.

Para Belo (2006), é pretensão querer ditar uma fórmula de texto para a produção do livro-reportagem. As recomendações do teórico é que o autor seja ele mesmo, não abuse de recursos que não domine, melhore aquilo que já faz com naturalidade, aprenda novas formas de se expressar pela escrita – e antes de praticá-las, teste-as – e nem exagere na presença de adjetivos para passar emoção. “O que passa emoção é o modo de contar, não são adjetivos que o escrito emprega” (BELO, 2006, p. 120).