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1.5. CLASSIFICAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS

1.5.1. Diálogo analógico criativo

Dialogar é uma forma de entrar no mundo do outro através do logo, da sabedoria, da palavra. Diálogo pressupõe interação social e foi assim que Vygotsky (1998) analisou a linguagem - sob o ponto de vista da capacidade de permitir que o homem faça mediação com o meio ambiente por meio de signos criados pela sociedade e que são devidamente internalizados.

Bakhtin (1992) contribui para a noção de linguagem como processo dialógico quando questiona a tese fundamental de Saussure para quem a língua se opõe à fala, da mesma forma que o social se contrapõe ao individual. Na concepção bakhtiniana, a interação verbal está acima de tudo, já que a palavra se define por uma mão dupla: procede de alguém e se dirige a alguém. “A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra se apóia sobre o meu interlocutor” (BAKHTIN, 1992, p. 149).

Assim, no diálogo não há espectadores, todos são participantes, já que é “uma circulação de mensagens em mão dupla, controlada pelos semáforos dos gestos e da linguagem corporal”

1 Embora utilizada pela pesquisadora, a palavra “adquirir” não se coaduna com os princípios defendidos

(TORRE; BARRIOS, 2002, p. 191). Um diálogo vivo é permeado pela criatividade. Caracteriza- se pela espontaneidade, talento, rapidez de reação, incorporação de informações passadas e criações de cada interlocutor. Nada tem a ver, como afirma Bakhtin, com correção gramatical, pois tanto locutor quanto receptor servem-se da língua não para conformá-la à norma lingüística, mas para enunciá-la ou compreendê-la num contexto específico. “Em suma, trata-se de perceber seu caráter de novidade e não somente sua conformidade à norma“ (BAKHTIN, 1992, p. 93). Essa abordagem acentua o caráter variável e flexível da linguagem dentro do diálogo.

Todo diálogo pressupõe uma dose de tensão. Na ação intersubjetiva, a organização da subjetividade individual tem um momento permanente de expressão e de confronto. Cada ação do indivíduo dentro de um contexto social corresponde a inúmeras reações de outros integrantes desse espaço, criando-se, no interior desse espaço, zonas de tensão, que podem atuar como momentos de crescimento social e individual ou como momentos de repressão e constrangimento, informa Gonzalez Rey (2005).

O fato é que essa tensão, que Torre chama de tensão diferencial, é o elemento capaz de provocar a mudança, introduzindo novas formas de ver o mundo, de pensá-lo, senti-lo. Por esse caráter transformador, o diálogo pode ser utilizado como estratégia formativa, quando há um propósito em seu uso. Ao introduzir o elemento da imaginação no diálogo real, a linguagem torna-se carregada de teor conotativo, plurissemântico; assim, o diálogo analógico criativo pode tornar-se uma estratégia didática enriquecedora e eficiente, pois permite que a fantasia leve à profunda reflexão sobre conceitos que muitas vezes aparentam ser dialéticos, mas podem ser vistos na sua complementaridade, como exemplifica Torre (2002), com o diálogo entre a Utopia, Realidade e Consciência, lido no encontro Ibero-Americano de Educação, realizado em 1999, em Rosário, Argentina, e validado pelos participantes.

Alencar e Fleith (2003), ao estudarem o processo de criatividade, segundo a visão de vários autores, destacam quatro fases: preparação, incubação, iluminação e verificação/comunicação. A fase da preparação é fundamental para o processo, pois, diferente do que imagina o pensamento leigo, criatividade não é um lampejo de inspiração que ilumina repentinamente a mente de alguns escolhidos como num passe de mágica. Criatividade é, antes de tudo, um processo que exige esforço e dedicação, assim como envolvimento e prazer, conforme apontam Alencar e Fleith. O envolvimento e o prazer de se relacionar com o tema levam à pesquisa intensa, à procura de dados.

Nesse período de busca, é necessário um espaço de tempo ocioso e solitário para que as idéias fiquem na incubadora e gerem um insight criativo. Csikszentmihalyi e Sawyer (1995), em pesquisa com mais de 100 indivíduos criativos, ainda atuantes em um determinado domínio e, em geral, com mais de 60 anos, concluíram que uma pessoa sempre ocupada, direcionada para metas e envolvida em trabalho consciente, dificulta o processo de criação, pois a incubação exige períodos de ócio, lazer e envolvimento com atividades triviais, que não exigem grande elaboração mental, como caminhar, dirigir, fazer jardinagem.

O ambiente propício gera a oportunidade para que o subconsciente combine ou selecione idéias que emergem à consciência, constituindo o instante em que os entrevistados definem como experiência “AHA!”. Segue-se, após, a fase que os pesquisadores chamam de elaboração e avaliação, onde se trabalha para que as idéias se tornem úteis à sociedade.

Adeptos da concepção sistêmica de criatividade, Csikszentmihalyi e Sawyer sustentam que a criatividade é sempre definida em relação a um sistema que inclui não apenas o indivíduo, mas fatores culturais e sociais. Mesmo no processo de isolamento da incubação, o indivíduo está integrando a informação que deriva do domínio e do campo. Domínio, para a abordagem sistêmica de criatividade, é o sistema simbólico de regras e procedimentos que definem o comportamento permitido dentro dessa fronteira e campo é constituído por um grupo de especialistas que selecionam uma idéia ou produto para inclusão no domínio. Conforme essa visão, a informação que fica na incubadora mental é processada por um recurso interpsíquico e não apenas intrapsíquico como queria a corrente defensora do individualismo.

Essa visão sistêmica, que considera a criatividade como um fenômeno sociocultural, e que foi abraçada por Csikszentmihalyi, Sternberg, Lubart, Amábile e Simonton (ALENCAR; FLEITH, 2003) interessa mais de perto a esta pesquisa, pelo caráter complexo do processo que valoriza o contexto ecológico onde o indivíduo se insere.

Torre (2002) sugere algumas etapas que devem ser observadas na construção do diálogo analógico criativo:

1. Justificação: determinar o contexto – a área ou o campo de aplicação do diálogo, para que a teoria não se distancie das condições limitantes da realidade como tempo, espaço, recursos, tipo de alunos etc. A proposta aqui é que a atividade esteja voltada

para a área de formação pedagógica do professor, valorizando o campo da didática, disciplina que servirá de base para o processo investigativo.

2. Decisão sobre os conceitos, fatos, personagens entre os quais se dará o diálogo, bem como o tipo de diálogo e seus destinatários.

3. Delimitação das intenções criativo-formativas do diálogo que podem servir para: a) estimular criatividade em relação às problemáticas que mais preocupam os alunos,

a partir de um exemplo inspirador para os participantes;

b) compreender que conceitos aparentemente contraditórios podem ser complementares.

c) Fazer propostas de melhora da realidade a partir das diferenças entre o que existe e o que é desejável.

4. Aplicação da tempestade de idéias (brainstorming) em relação às características dos personagens do diálogo, atentando para aspectos pouco comuns e originais. É a fase da ideação criativa.

5. Seleção de conceitos conforme o critério de riqueza, sugestão, esclarecimento, engenhosidade e impacto. É a fase da análise.

6. Construção do diálogo com a ajuda da imaginação de modo que tenha uma estrutura interna de conflito e consenso, tenha seqüência, coerência, pertinência e, sempre que possível, engenhosidade e humor.

7. Avaliação interna para comprovar a relação entre o resultado e a intencionalidade formativa e o atributo de compreensão integral dos conceitos veiculados à avaliação externa.

8. Avaliação externa, que pressupõe a leitura ou comunicação do diálogo para que indivíduos externos ao ambiente daquele contexto possam avaliar o potencial criativo- formativo da atividade.

Os três primeiros passos desse processo criativo correspondem ao estágio de preparação e incubação, devidamente esclarecidos na visão sistêmica de criatividade. O processo interpsíquico aqui se torna mais importante que o intrapsíquico, pois as trocas de informação sobre o domínio em foco determinam o estágio de iluminação, que corresponderá ao quarto passo – o brainstorming. Os passos cinco e seis relacionam-se com o processo de elaboração das idéias que depois deverão ser devidamente socializadas e avaliadas pela comunidade interessada.