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2.5 PROCEDIMENTOS NO USO DAS ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS

2.5.2 Jogo de representação de papéis

Proposto por Borja Solé (2002) como sendo uma estratégia de natureza complexa, onde a incerteza e o acaso estão presentes, o jogo de representação de papéis implica ludicidade, o que, supostamente, facilitaria o desenvolvimento cognitivo-emocional dos sujeitos aprendentes, pois permite realizar tarefas coletivas e cooperativas, de planejamento e direção que são valiosas para a maturidade e integração das diversas dimensões do ser.

Nem sempre foi assim que aconteceu. O espírito puro da ludicidade, do prazer de jogar, pela atividade em si, foi empanado pela competição, pela incorporação do espírito dialético da natureza da estratégia, que propunha a simulação de um tribunal, opondo acusação e defesa. Essa oposição, sem possibilidade de acordo dialógico, instaurou conflitos, como veremos na análise dos dados, mas ilustrou, mais do que as outras estratégias, a complexidade do processo de interação humana - corpo-mente, razão-emoção, ética, perpassando por todas as dimensões humanas que emergiram.

No jogo de desempenho de papéis, os participantes devem decidir sobre uma situação real ou hipotética definida por um conjunto de regras e, da inter-relação entre essas decisões, é que dependerá o final do jogo, que é imprevisível. No caso das duas turmas, a situação foi hipotética. Em acordo com as duas turmas pesquisadas e com o professor co-participante, criou-se uma narrativa que foi o ponto de partida para organizar um tribunal de júri.

Na T1, embora não houvesse demanda no calendário, houve interdisciplinaridade, pois o envolvimento com outra disciplina poderia contribuir para a produção de uma atividade mais significativa para os alunos. Novamente optou-se por juntar “Filosofia e Educação” e “Língua Portuguesa”, já que, naquele momento, o conteúdo programático abordado por aquela disciplina era a Escola Nova. Foi uma boa troca. A professora orientou sobre como conduzir a história em

cima da qual um tribunal de júri seria estruturado e abriu espaços, em sua aula e sem a presença da pesquisadora, para tirar dúvidas dos alunos sobre o embasamento teórico do trabalho. A atividade em si foi conduzida pela pesquisadora e o resultado final do trabalho foi avaliado para as duas disciplinas, pois aquela também foi uma boa oportunidade para a avaliação da capacidade de expressão oral e argumentação.

Decidiu-se, portanto, que o tribunal de júri seria simulado para julgar o caso de um garoto que reprovara algumas vezes numa escola tradicional e o pai, indignado, havia movido processo contra a escola, que seria representada pela figura da diretora. A partir desse fio condutor, os alunos da T1 construíram uma narrativa, decidindo sobre as circunstâncias da vida escolar e familiar do menino reprovado e os nomes de todos os envolvidos: pai, mãe, irmãos do menino e testemunhas de acusação e defesa, que seriam chamadas nominalmente para dar seu testemunho. O foco esteve, todo o tempo, não na veracidade jurídica da situação que estava sendo criada, mas na oportunidade de colocar os conceitos da disciplina “Filosofia e Educação” em prática.

Para construir o “processo”, os alunos tiveram que pesquisar o suporte teórico que fundamenta as duas escolas – a tradicional e a nova. Os papéis – juiz, advogados de defesa e acusação, testemunhas e representantes do júri – foram escolhidos ou espontaneamente ou por persuasão de colegas. Os alunos que não participaram diretamente da encenação fariam parte, esse era o plano, de grupos de pesquisa que alimentariam os dois lados, a defesa e a acusação da escola tradicional, e teriam que participar das reuniões para preparar as argumentações dos advogados. Também se procurou comprometer os jurados no processo de elaboração da atividade, delegando-lhes a missão de colaborar com o cenário e figurinos, se a classe assim o desejasse.

A mesma dinâmica foi feita na T3, agora com presença da professora participante. A história que foi ao tribunal envolveu o conteúdo que a classe estava aprendendo em Organização do Trabalho Pedagógico. A estratégia culminou com a representação de um tribunal que julgou uma escola que trabalhava por projetos e acabou reprovando um aluno que veio de um sistema tradicional de ensino e não se ajustara ao sistema. Nesta história, novamente o pai levava a escola a processo, pois não se conformara com o fato de ver seu filho reprovado por não haver participado dos três projetos propostos como avaliação pela escola. Na visão tradicional desse pai, a professora não dera o conteúdo, não dera aula. Novamente vale ressaltar que não havia

comprometimento da história com a questão jurídica, mas com o aprendizado das habilidades relacionadas ao plano de aula da professora envolvida na pesquisa.

Os procedimentos de aplicação da estratégia sofreram algumas modificações em relação à T1 pela força da ecologia da ação. Os advogados de defesa e acusação, que logo de início começaram a levar seus papéis muito a sério, sugeriram que a história do menino fosse transcrita em pormenores, para ser usada, como instrumento de argumentação. Na própria história eles veriam as brechas para criar seus argumentos básicos. Outra diferença foi em relação à necessidade que a T3 sentiu de dar mais realismo aos fatos. Com o apoio da professora deles, planejaram dar mais realismo à representação, criando um cenário e figurinos apropriados, o que pôde ser concretizado, pois não só envolveram a coordenação da instituição que arcou com as despesas do material necessário, como também envolveram um professor de outra disciplina, que, entusiasmado, auxiliou-os na confecção do cenário. Quanto às fantasias, foram confeccionadas por alunas da própria classe.

A apresentação final do trabalho, diferente da T1, que apresentou na classe, foi feita no míni-auditório da instituição, com a presença de alunos de outras duas turmas (e seus professores) que haviam sido convidados.