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4 – TRANSEXUALIDADE E EDUCAÇÃO: O QUE A ESCOLA TEM A VER COM ISSO?

Embora as discussões sobre sexualidades, diversidade sexual e gênero venham sendo pautadas ao longo da história não só nos meios acadêmicos, mas também em espaços de reivindicações dos movimentos sociais brasileiros, nas escolas brasileiras, o tema passou por diversos estágios de abordagem, o que permite dizer que, somente com a estruturação dos

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Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (PCNs), em 1997 – no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) – é que a Orientação Sexual passa a ser assumida pelo Governo Federal como um Tema Transversal, devendo ser integrado à proposta pedagógica das escolas e prevendo sua articulação com diversas disciplinas curriculares . (ROCHA, 2012).

Nessa esteira, Vianna (2012) afirma que a retomada efetiva dessa questão na área educacional deu-se diante da pressão de movimentos de mulheres e com as sucessivas respostas do governo de FHC aos compromissos internacionais relativos a uma agenda de gênero e sexualidade, num contexto de forte influência das agências multilaterais, como o Banco Mundial, a Cepal e a Unesco.

Lançados oficialmente em 1997, os PCN foram distribuídos por todo o território nacional, no início de 1998, pela Secretaria de Educação Fundamental do MEC e receberam, por parte dos educadores(as) em geral, alguns elogios e inúmeras críticas. Os pontos positivos apontados foram o seu ineditismo e a exigência da inclusão da sexualidade como tema transversal nas demais áreas de conhecimento que compunham o currículo. (VIANNA, 2012). Por outro lado, a inclusão da discussão de gênero e sexualidade como tema transversal é considerada tímida e superficial por Alexandre Martins Jocá (2008), por subordinarem as temáticas de gênero e sexualidade ao trinômio corpo/saúde/doença, na orientação sexual e não entre as pessoas que frequentam as instituições escolares.

Para Cláudia Viana (2012), a temática da diversidade sexual possui pouca relevância no contexto de elaboração dos PCN. Ela aparece apenas na introdução ao documento, na introdução aos temas transversais, e é citada somente uma vez no volume de Orientação Sexual dos PCN do primeiro ciclo, apenas para enfatizar que esse assunto deverá ser tratado da 5ª série em diante. Já nos PCN dedicados ao segundo ciclo, sua menção se dá em um contexto que chama a atenção para as dificuldades de se tratar de tema tão complexo e controverso.

Os Parâmetros são o primeiro documento do MEC que associa a sexualidade à ideia de prazer. No entanto, eles, não fazem menção explícita às homossexualidades e mantêm silêncio sobre as identidades de gênero das pessoas transexuais. A noção de “orientação sexual” neles empregada, a tematização de doenças sexualmente transmissíveis, Aids e gravidez adolescente e o discurso em torno da responsabilização dos sujeitos não ensejaram o alargamento e o aprofundamento do debate em termos mais críticos, plurais e inovadores. (JUNQUEIRA, 2009).

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Por outro lado, baseando-se nos trabalhos de Daniliauskas (2011), podemos identificar que no Governo de Fernando Henrique foi elaborado o primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos, em 1996, que citou pela primeira vez, em um documento federal, os homossexuais como sujeitos de direitos, ainda de forma restrita. No documento, no entanto, os sujeitos trans não são sequer mencionados.

Ainda que eu possa constatar que a negação de direitos a homossexuais nas dinâmicas sociais seja imensa, considero que este é um passo importante, pois esses ganhos, mesmo que sejam incipientes e apresentem lacunas, fornecem um certo reconhecimento e produzem inteligibilidade discursiva para esses sujeitos no âmbito das políticas públicas, fato inexistente até então. Entretanto, à exceção desses dois documentos, no período do governo Fernando Henrique Cardoso, a questão da diversidade e orientação sexual não passou a orientar outras políticas públicas, o que nos permite, concluir, que naquele momento, essa temática não houvesse sido percebida como um problema e, consequentemente, como um item da sua agenda governamental.

Por outro lado, em 2002, é eleito presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), e é em seu governo, de acordo com Cláudia Viana (2015), que a diversidade passa a ser reconhecida, a partir da negociação e da representatividade no governo de diversos atores políticos, como integrantes não só de programas e projetos, mas da própria organização administrativa, ocasionando uma modificação no modelo institucional de algumas secretarias, inexistente nos governos anteriores.

De acordo com a autora, a participação desses atores no próprio governo soma-se às pressões advindas das Conferências Nacionais, locais de produção e negociação de agendas políticas que muitas vezes resultavam na criação de novas responsabilidades governamentais e de tentativas de “introdução de diretrizes respeitosas à diversidade sexual” no campo do currículo, da formação docente e das relações estabelecidas no ambiente escolar com o intuito de propiciar, a superação de preconceitos e discriminações já consolidados.

Viana (2015) enfatiza que, no caso das demandas do movimento LGBT no âmbito das políticas públicas de educação, elas foram precedidas por um longo processo de consolidação do movimento, iniciado em 1995, com a criação da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) – o que mobilizou a presença de novos atores e a propagação de ações no âmbito legislativo e na luta por ampliação dos direitos e cujas interlocuções foram

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inicialmente voltadas para a área da saúde, do combate à AIDS, que, aos poucos, somaram-se ao combate à homofobia e às agendas feministas.

Em 2003, diante da pressão dos movimentos LGBT durante o XI Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Transgêneros (EBLGT), o governo federal através de um representante da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), apresentou como proposta a produção de cartilhas para orientar a sociedade acerca do público LGBT, sugestão rejeitada pelo movimento que exigiu a construção de políticas públicas que tratassem do tema (DANILIAUSKAS, 2011).

Apesar da rejeição da proposta do governo, é a partir daí que se estreitou a relação entre setores do governo e ativistas LGBT (VIANA, 2015). No âmbito do Ministério da Educação, em 2004, criou-se a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), que possuía como incumbência instituir uma agenda voltada para a inclusão da diversidade, ampliando a participação da sociedade civil, reunindo gestores dos sistemas de ensino, autoridades locais, representantes de movimentos e organizações sociais (VIANA, 2015).

Uma das ações da SECAD, dentre outras, foi o acompanhamento do programa Brasil Sem Homofobia: Programa de Combate à Violência e à Discriminação Contra GLBT e de Promoção da Cidadania Homossexual (BSH), “cuja centralidade consistiu no combate à homofobia, à violência física, verbal e simbólica e na defesa das identidades de gênero e da cidadania homossexual” (VIANA, 2015, p.799), visando atender demandas históricas do movimento LGBT.

Durante a formulação do documento, a Secretaria de Direitos Humanos procurou dentro do governo quais os ministérios e secretarias estivessem abertos ao tema e que que pudessem ter relação com a diversidade sexual. Para a construção do documento, envolveu-se várias secretarias e ministérios, como por exemplo, o Ministério da Educação, o Ministério da Cultura, o Ministério da Saúde, o Ministério da Justiça, Trabalho e Emprego e o Ministério das Relações Exteriores. Ainda que seja fundamental pensar a especificidades das travestilidades, a articulação LGBT no Brasil tem sido muito importante para produção de discursos que coloquem as sexualidades numa inteligibilidade política, de lutas por direitos. Nesse sentido, a identidade é pode ser considerada estratégica, pois estabelece causas às lutas e mobilização as indignações necessárias para possíveis deslocamentos da heteronormatividade do censo comum, isto é, da opinião pública. Especialmente porque os adversários e/ou inimigos acessam constantemente a opinião pública para definir

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legitimidades excludentes na participação de LGBT, formas de dignidade humana restritas às sexualidades.

Em 2008, o grupo de pressão formado pelos ativistas LGBT passou a somar forças com organismos internacionais como a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, que culminou na aprovação da Resolução Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero. Entretanto, outros atores se posicionaram contrários à ascensão da questão da diversidade sexual à agenda governamental, tais como a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e parte de grupos evangélicos organizados.

Apesar das tensões e conflitos, de acordo com Viana (2015), com ajuda de ONG’s e universidades na sua elaboração, o documento Brasil sem Homofobia-BSH (BRASIL, 2004) evidenciou como objetivos centrais do programa, a mudança de mentalidades e comportamentos por meio da educação e, em especial, do comprometimento dos gestores públicos, colocando tanto o governo quanto os diversos movimentos da sociedade civil organizada como responsáveis por esse processo. Assim sendo, o item V do Programa de Ações, denominado “Direito à educação: promovendo valores de respeito à paz e à não discriminação por orientação sexual”, foi dedicado às questões de educação. Quem se responsabilizou por implantar tais políticas de inclusão foi a SECAD35, articulando diversidade sexual e relações de gênero no âmbito da educação escolar, com o intuito de garantir respeito, cidadania plena e de afastar a homofobia.

Para tanto, o programa identificou a necessidade da formação continuada docente na temática de gênero, sexualidade e homofobia. O MEC abriu editais para Formação de profissionais da Educação para a Cidadania e Diversidade Sexual, voltado para seleção e apoio financeiro a projetos de formação docente continuada nessa temática.

Nessa esteira, foi formulado, também, o projeto piloto “Gênero e Diversidade na Escola”, que consistia na formação a distância de profissionais de educação nas temáticas de gênero, sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais. O projeto foi resultante de uma articulação entre diversos ministérios do Governo Federal brasileiro (Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e o Ministério da Educação), o British Council (órgão do Reino Unido atuante na área de Direitos Humanos, Educação e Cultura) e o Centro Latino-Americano em Sexualidade e

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A SECAD foi criada no ano de 2004. Em 2011, seu nome foi alterado para SECADI (a Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão). Atualmente é um órgão bastante esvaziado de significação politica

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Direitos Humanos – Clam –, Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – IMS/Uerj. (ROHDEN, 2009).

A despeito de suas fragilidades, é certo que o BSH foi um programa fundamental, já que até a realização da Conferência Nacional LGBT – e da formulação do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT – era o único documento governamental especificamente focado no combate à GTLBfobia36. (FREITAS et al, s.d)

Nesse sentido, ao considerar a escola como o local onde as políticas educacionais são, de fato, desenvolvidas, faz-se importante entender se as escolas onde Leona trabalha realizam combate à transfobia e homofobia e se Leona trabalha a questão da sexualidade em sala de aula, conforme apresento, nos próximos subcapítulos.