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DIÁLOGOS PARA ENEGRECER A INTERFACE DA

COMUNICAçãO E EDUCAçãO

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Desculpa, meu caro amigo, Eu nada te posso dar;

Na terra que rege o branco, Nos privam té de pensar!...

(Luiz Gama, 1859)

Para compor o arcabouço teórico de uma análise prática da interface da Comunicação e Educação para as questões raciais, optamos por colocar em relevo as contribuições teóricas de pensadores que não necessariamente atuem na academia a partir de uma cadeira nomeada como Educomunicação. O termo, que se forma a partir de um neologismo na junção de edu-cação e comuniedu-cação e que foi inicialmente utilizado por Mario Kaplún (SOARES, 2006, p. 176) para designar educación a los medios, educação para os meios, não raro é desconhecido por sujeitos que atuam, dentro e fora da academia, nessa interface de Comunicação e Educação.

Até mesmo Paulo Freire, que não se enquadra como um especialista na área comunicacional, ainda assim fez importantes contribuições acerca da importância dos processos comunicativos para o processo reflexivo de ensinar e aprender, sendo um dos autores base para a perspectiva educomunicativa.

A partir de uma perspectiva anglo-saxônica, elabora-se essa área de interação como media literacy, media education, digital literacy in education e education in media literacy; já na França os pesquisadores vão trabalhar com a nomenclatura competénce médiatique e éducation aux medias; os cientistas italianos trabalham com a ideia de educazione ai media; e na Espanha aparecem os termos educación en medios e educación para la comunicación (CITELLI, LOPES

& SOARES, 2019, p.13). No Brasil há uma série de termos correlatos que mostram a polifonia e disputa epistemológica acerca dessa interface de atuação.

Em nossa pesquisa estamos menos preocupados com o uso deste ou daquele significante específico, mas sim com a origem de sua elaboração teórica, a partir da observação de práticas estabelecidas dentro dos Movimentos Negros. Estamos inclinados em analisar o conhecimento gestado no seio desses Movimentos, e de pensadores/as negros/as, à luz do que Boaventura de Sousa Santos prefacia na primorosa obra de Nilma Lino Gomes, O Movimento Negro Edu-cador, sobre a qual aprofundaremos mais adiante, quando assevera que a diferença substancial entre o conhecimento nascido nas lutas e o conhecimento elaborado a respeito delas é que o primeiro é um conhecer-com, já o segundo, no qual comumente se incorporam essas disputas semânticas e conceituais de sujeitos acadêmicos, seria um conhecer-sobre (GOMES, 2017, p.9).

Não queremos dizer, contudo, que as definições epistemológicas não sejam relevantes para a elaboração desta pesquisa. Reconhecemos a supra importância de estudos e elaborações acerca dos termos e conceitos cunhados academicamente, contudo, neste momento, acredi-tamos que essas ponderações são dispensáveis em nossa trilha.

Coadunando com a provocação de Rosangela Malachias (2017), na qual a autora assi-nala a premência de lançar luz nas contribuições de pensadoras/es negras/os na interface da Comunicação e Educação, elencamos as/os autoras/es para nosso arcabouço teórico.

Seis são as/os autoras/es que escolhemos para esta composição, entrelaçando pen-sadores consagrados pela Educomunicação que colocaremos em diálogo com penpen-sadores/as negros/as: a pensadora bell hooks, que vai defender o ecossistema de ensino como catalisador para o engajamento, e que esse seja reflexo de uma pedagogia engajada tal como proposta por Paulo Freire, o segundo autor que colocaremos em relevo, em dupla com hooks.

Em relação ao educador Paulo Freire, a despeito de sua vasta e inconteste vanguar-dista obra publicada em vida, bem como póstuma, pretendemos nos ater a sua abordagem da educação a partir de um processo de conscientização e liberdade, em que o autor vai beber de fonte teórica inaugurada por Guerreiro Ramos e Álvaro Pinto, na qualidade de partícipes do Instituto Superior de Estudos Brasileiros. Como Freire nos revela:

Acredita-se geralmente que sou autor deste estranho vocábulo “conscientização” por ser este o conceito central de minhas idéias sobre a educação. Na realidade, foi criado por uma equipe de professores do INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROS por volta de 1964. Pode-se citar entre eles o filósofo Álvaro Pinto e o professor Guerreiro. Ao ouvir pela primeira vez a palavra conscientização, percebi imediatamente a profundidade de seu significado, porque estou absolutamente convencido de que a educação, como prática da liberdade, é um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade (FREIRE, 1979, p. 25).

Cumpre destacar que Guerreiro Ramos, entre outras profícuas contribuições para o campo acadêmico, também foi um dos integrantes do TEN, nosso objeto empírico.

Na sequência trabalharemos com a interface da Comunicação e Educação, a partir da condução de Jesús Martín-Barbero, que fomenta a ideia de que sujeitos se comunicam a partir de espacialidades das experiências, das invenções, das comunicações e das negociações. E nesse sentido de espacialidades das comunicações, estabelecemos um diálogo com Muniz Sodré. Ao trabalhar os conceitos afetivos como elementos muito próximos da comunicação, o autor defende uma renovação da práxis que dialogue com o nosso espírito do tempo, e aponta a urgência de uma outra mirada interpretativa para o campo da comunicação, que seja:

capaz de liberar o agir comunicacional das concepções que o limitam ao nível de interação entre forças puramente mecânicas e de abarcar a diversidade da natureza das trocas, em que se fazem presentes os signos representativos ou intelectuais, mas principalmente os poderosos dispositivos do afeto (SODRÉ, 2006, p. 13).

Por fim, percorremos as contribuições de Abdias Nascimento, cotejando-as com as de Mario Kaplún, aproveitando a experiência de ambos pensadores no campo da sociedade civil, política e seus diálogos.

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