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PARTE II – O ESTUDO

4.7. Técnicas de recolhimento de dados

4.7.2. O diário de campo e o registro dos dados

O Diário de Campo como um instrumento de pesquisa nos permite registrar e sistematizar nossas práticas no dia a dia do processo investigativo. Ele possibilita um acompanhamento permanente sobre o processo de observação, nos movendo a criar o hábito de observar com atenção para depois descrever com precisão, pois, o pesquisador nele registra os aspectos a considerar importante, como também os aspectos e/ou situações que à primeira vista não é importante, para, numa segunda etapa, organizá-los, analisá-los e interpretá-los de acordo os objetivos da pesquisa e dos pressupostos elencados como base teórica.

Para Brazão (2007, p.292), o diário de campo pode ser usado como:

Método de investigação, método de colecta de dados, de descrição dos processos e estratégias da própria pesquisa e análise das implicações subjetivas do epsquisador; método de formação de docentes, análise de práticas pedagógicas e desenvolvimento profissional e pessoal; método de intervenção, investigação-acção.

A prática do diário pode ser conceptualizada em quatro principais correntes teóricas:

 A tradição da antropologia cultural/social, fundada por Malinowski e F. Boas.

 A Escola de Chicago e o interaccionismo simbólico, dedicada à sócio-etnografia urbana, influenciadora da etnografia interaccionista inglesa, que tem como reprsentantes principais D. Hargreaves, S. Delamont, M Hammersley e P. Woods.

 A Análise institucional internacional de Paris VIII, com as tendências da “Análise institucional interna”, da “Etnografia institucional” ou “Etnografia participante” e “Etnossociologia institucional” (G. LAPASSADE, 1991) – com o modelo da prática do Diário de Campo enquanto instrumento fundamental da formação do docente (HAMMOUTI, 2002).

O diário de campo através dos registros observados se comporta como fonte primária de informações e a teoria como uma fonte de informação secundária que nos fornece elementos conceituais para que possamos tratar os dados qualitativamente e irmos além do ato de descrição de situações, aprofundando o enfoque interpretativo dos dados coletados. Com prerrogativas de conter particularidades tanto dos participantes do grupo pesquisado, com descrição pormenorizada de suas práticas, quanto do próprio

pesquisador, como externação de seus pensamentos e intuições sobre a intimidade dele e seu papel no grupo, o diário de campo permite um visão mais abrangente de si mesmo (o pesquisador) e do que está em seu entorno.

Nesse sentido Zabalza (2004, p.44) evidencia:

O próprio fato de escrever, de escrever sobre a própria prática, leva o professor a aprender por sua narração. Ao narrar sua experiência recente não só a constrói linguisticamente como a reconstrói como discurso prático e como atividade profissional. A descrição se vê continuamente ultrapassada por proposições reflexivas sobre os porquês e as estruturas de racionalidade e justificação que fundamentam os fatos narrados. Quer dizer, a narração se transforma em reflexão.

A utilização do diário de campo se insere com o desenvolvimento das ciências sociais e mais especificamente a antropologia. Na busca de compreender contextos diferenciados, mais especificamente na observação participante, o diário de campo é o procedimento básico para captar comportamentos descrevendo-os com toda a sensibilidade perceptiva do pesquisador através de registro de notas detalhadas, precisas e extensivas dos acontecimentos. Para Bogdan e Biklen (1994), o pesquisador deve focar em captar imagens de tudo o que considera consubstanciável e registrar em palavras e idéias, como também registrar suas impressões, preocupações, indagações e reflexões sobre as ações observadas para considerações a posteriori, na redação final da pesquisa.

Para Hammouti (2002, p.16), o diário:

Pode conter não só descrições de observações, simples relatos de acontecimentos, impressões e confissões, mas também comentários, análises, sínteses, que podem traduzir a compreensão do que está acontecendo e porque está acontecendo de determinada forma, e quais são os pontos de vista dos outros atores, suas perspectivas, suas definições de situações e estratégias.

Mover-se dentro do trabalho de campo etnográfico significa estar atento a tudo e a todos mesmo que possam parecer à primeira vista, coisas corriqueiras, triviais. As situações, os ambientes, os diálogos, os depoimentos, as pessoas, tudo é observável. A permanência em campo exige paciência, pois o processo investigativo é de natureza extensiva. Exige do pesquisador reflexão constante sobre as relações a que está exposto

e o que abstrai diante das informações quando confronta com as teorias que embasam seu estudo.

Fino (2008, p.4) ressalta que,

Assim, o trabalho de campo, como refere Michael Genzuk (1993), é uma experiência altamente pessoal, sendo a interligação dos procedimentos de campo com as capacidades individuais (do investigador) e com a variação situacional o que faz do trabalho de campo uma experiência tão personalizada. De facto, a validade e a riqueza de significado dos resultados obtidos dependem directamente e em grande medida da habilidade, disciplina e perspectiva do observador, e é essa, simultaneamente, a sua riqueza e sua fraqueza.

Em ato contínuo deve estar se questionando sempre sobre o que está fazendo principalmente com relação a situações que lhe pareçam familiares e que já lhe venham à mente, interpretações instantâneas ao invés de primeiramente descrevê-las integralmente como acontecem. Não podemos desviar do foco das observações e nem do foco do estudo. Há um condicionamento mútuo entre o que é observado, apreendido, os balizamentos teóricos e a sensibilidade do pesquisador, que vão definir os caminhos do estudo etnográfico.

Fino (2008, p.4/5) nos revela que,

Durante a estada no campo, os dados recolhidos são provenientes de fontes diversas, nomeadamente observação participante, propriamente dita, que é o que o observador apreende, vivendo com as pessoas e partilhando as suas actividades. Mas, também, através das entrevistas etnográficas, que são as conversações ocasionais no terreno, portanto não estruturadas, e mediante o estudo, quer de documentos “oficiais”, quer, sobretudo, de documentos pessoais, nos quais os nativos revelam os seus pontos de vista 5 pessoais sobre a sua vida ou sobre eles próprios, e que podem assumir a forma de diários, cartas, autobiografias.

Na estruturação de nossa rotina de trabalho, organizamos o tempo no campo do contexto do estudo com um olhar analítico e seletivo, sempre na intenção de recolher toda e qualquer informação, situações e/ou fenômenos relevantes ou não, que nos revelassem potenciais significados para o nosso estudo. Tudo foi importante. Uma palavra, um desenho, um movimento, risos, situações conflituosas, compartilhamentos que íamos observando tudo, às vezes anotando com poucas palavras, mas palavras- chave, notas mentais, que no processo de desenvolvimento do diário etnográfico em

casa, com calma, repassávamos com mais detalhes, mais riqueza de pormenores. Embora tenhamos recolhido as informações sobre diversas fontes, priorizamos as observações, as conversas informais e as mediações de diálogo. Uma preocupação constante nossa foi com relação ao grau de implicação derivado da relação de aproximação e distanciamento.

Para Lapassade (2005, p.72):

Falar do papel do pesquisador participante, de seu grau de implicação, de sua maneira de participar, que pode evoluir no decurso do trabalho, é descrever o trabalho de campo o (fieldwork), a partir de sua referência central: o pesquisador na sua relação com a situação. Que papel o pesquisador participante pode assumir no campo? Essa pergunta tornou-se essencial na literatura etnográfica, desde que os etnógrafos interacionistas começaram, entre 1950 e 1960, a refletir sobre os fundamentos da sua prática.

Importante salientar a reflexão contínua que fizemos quando nos instamos a conviver no contexto do estudo como alguém de fora e que teríamos de nos aproximar o suficiente para obter informações com profundidade do grupo foco do estudo, a partir de relações construídas no convívio com os participantes. O pesquisador para poder compreender novas situações, os significados das ações e interações do grupo, deve desenvolver a sua capacidade de introspecção (SPRADLEY, 1980).

Segundo Ezpeleta e Rockwell (2007, p.137),

Um trabalho permanente de análise de registros, de ida e vinda entre os dados de campo e o esforço compreensivo, sustenta o avanço progressivo na superação dos sentidos “evidentes” das situações. Quando o “não- significativo” se transforma em indício, em pista possível daquilo que buscamos, os registros começam a documentar, com maior precisão, a aparente dispersão da vida escolar. A análise proposta permite identificar e relacionar estes indícios e a partir daí orientar as novas observações. Em algumas ocasiões, estas pistas se diluem logo que se começa a segui-las. Frequentemente, porém, cada uma delas abre encadeamento que nos conduzem à trama que queremos reconstruir. E, então, continua a busca reiterada de redes e recorrências, o confronto de versões alternativas, a explicação de eventos que, mesmo quando esporádicos, revelam forças e conflitos pouco visíveis em sua rotina diária. Todo esse processo amplia nossa capacidade de ver e prever o que ocorre na escola.

Após o inventário dos dados materiais e comportamentais colhidos no trabalho de campo, compilamos todas as observações e notas e passamos a organizar o diário etnográfico registrando os dados colhidos e acrescentando novas observações

pormenorizadas, uma rotina que foi feita diariamente. Os relatos escritos foram produzidos a cada observação, a cada escuta, a cada reflexão e indagações nossas, as idéias, estratégias, de como elas emergiram, tudo enfim, teve uma importância para a compreensão dos valores, dos sentidos e significados culturais que de forma organizada e inteligível à luz dos pressupostos teóricos foram dando forma ao texto etnográfico.

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