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PARTE II – O ESTUDO

4.4. O porquê de uma investigação qualitativa

A crescente demanda de estudos sobre o cotidiano escolar tornou-se um importante campo para investigação de ações e relações para compreensão e entendimento de um contexto em particular incluso no território escolar. Por serem os fenômenos sociais muito complexos e dinâmicos, o pesquisador necessita ir ao encontro das interações, da convivência, dos fatos arrestados “in situ” na intenção de captar os significados das manifestações espontâneas inerentes às práticas sociais, na busca da compreensão da multiplicidade de ações e variáveis componentes dos fenômenos

educacionais observados. A pesquisa qualitativa comporta estas singularidades, pois

tem o ambiente natural como uma fonte privilegiada de informações e o pesquisador através de um trabalho de campo tem um bom acervo de insumos para compreensão e interpretação da realidade pesquisada (SOUSA, 2007).

A pesquisa qualitativa tem suas raízes teóricas na fenomenologia e aborda um campo transdisciplinar envolvendo as áreas das ciências sociais e humanas podendo revestir-se de variados métodos de investigação para análise e aprofundamento de um

fenômeno situado em um momento empírico particular com o objetivo de dar sentido às ações nele contidas buscando interpretar os significados emergidos pelas interações decorrentes. O termo qualitativo implica uma relação estreita com a realidade objeto do estudo envolvendo indivíduos, locais fatos, acontecimentos que, confrontados, são significados e interpretados à luz das teorias educacionais contemporâneas, e particularmente, no caso desse estudo, as que enfocam a inovação pedagógica, e pela percepção sensível do pesquisador.

Para André (2012, p.16/17/18):

A abordagem qualitativa de pesquisa tem suas raízes no final do século XIX quando os cientistas sociais começaram a indagar se o método de investigação das ciências físicas e naturais, que por sua vez se fundamentava numa perspectiva positivista de conhecimento, deveria continuar servindo como modelo para o estudo dos fenômenos humanos e sociais. (...) É uma abordagem de pesquisa que tem suas raízes teóricas na fenomenologia, que, como todos nós sabemos, compreende uma série de matizes. É, portanto, a concepção idealista-subjetivista ou fenomenológica de conhecimento que dá origem à abordagem qualitativa de pesquisa, na qual também estão presentes as ideias do interacionismo simbólico, da etnometodologia e da etnografia, todas elas derivadas da fenomenologia. (...) A fenomenologia enfatiza os aspectos subjetivos do comportamento humano e preconiza que é preciso penetrar no universo conceitual dos sujeitos para poder entender como e que tipo de sentido eles dão aos acontecimentos e às interações sociais que ocorrem em sua vida diária. O mundo do sujeito, as suas experiências cotidianas e os significados atribuídos às mesmas são, portanto, os núcleos de atenção na fenomenologia. Na visão dos fenomenólogos é o sentido dado a essas experiências que constitui a realidade, ou seja, a realidade é “socialmente construída” (BERGER, LUCKMANN 1985).

A pesquisa qualitativa se opõe ao modo positivista que separa indistintamente o objeto de estudo do pesquisador largamente utilizado nas investigações do campo das ciências e que resultavam em dados generalizadores para os fenômenos ocorridos. Para o campo de estudo dos fenômenos humanos e das ciências sociais o caráter quantitativo ao tratar os dados restringe consideravelmente a questão interpretativa dos fatos, tão fundamental para compreensão das ações humanas. É importante salientar que a pesquisa qualitativa está mais estreitamente ligada à explicação dos meandros das relações sociais através da recolha de dados que exprimem a ação humana caracterizada pela atribuição de significados de participantes de um grupo sinalizam dentro de uma rede simbólica interacionista que denota um desenvolvimento de tensões entre culturas diferentes com atores diferentes (BOGDAN, BIKLEN, 1994).

Para Bogdan e Biklen (1994, p.16) a pesquisa qualitativa é caraterizada da seguinte maneira:

Utilizamos a expressão investigação qualitativa como um termo genérico que agrupa diversas estratégias de investigação que partilham determinadas características. Os dados recolhidos são designados por qualitativos, o que significa ricos em pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas, e de complexo tratamento estatístico. As questões a investigar não se estabelecem mediante a operacionalização de variáveis, sendo, outrossim, formuladas com o objectivo de investigar os fenómenos em toda a sua complexidade e em contexto natural. Ainda que indivíduos façam investigação qualitativa possam a vir seleccionar questões específicas à medida que recolhem os dados, a abordagem à investigação não é feita com o objectivo de responder a questões prévias ou de testar hipóteses. Privilegiam, essencialmente, a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação. As causas exteriores são consideradas de importância secundária. Recolhem normalmente os dados em função de um contacto aprofundado com os indivíduos, nos seus contextos ecológicos naturais.

Partindo do princípio que o território da escola é fonte de transformação social, investigar as culturas existentes requer olhar para os contextos em que se dão as relações de poder onde diversos sistemas simbólicos interagem e onde se constituem os imaginários sociais. Como campo simbólico do saber, a escola traz consigo infinitas possibilidades de construções identitárias revelando inúmeros discursos e atitudes que o pesquisador precisa captar para compreensão dos significados gerados pelas manifestações comportamentais, culturais dos membros da comunidade escolar e que darão sentido ao estudo que se pretende. É pelo prisma do olhar etnográfico que o nosso estudo se reveste.

Sousa (2000, p.5) nos dá a medida desse olhar quando diz que,

(...) Entendo que são as “pequenas coisas”, que ocorrem dentro ou fora da sala de aula, dentro ou fora da Escola, que devem passar a ser o objeto privilegiado de investigação, para o que se requer uma atenção, um olhar já não de alguém superiormente estranho, que vem de fora para observar, mas um olhar interessado, implicado, ou seja, um olhar etnográfico. Só com esta nova atitude poderá haver lugar para o desvelamento dos significados profundos que subjazem às interações pessoais, para a partir daí se construírem novos conhecimentos curriculares. Falo, por isso, no “olhar etnográfico da Escola”, entendendo-o não só como o olhar sobre a Escola (o que seria ainda restritivo segundo a linha que defendo), mas, mais do que isso, o olhar que a Escola, enquanto organismo vivo com identidade própria, constituída pelos seus professores, alunos e funcionários, pela sua direção pedagógica e administrativa, ganha face à diversidade cultural. É aquele olhar maravilhado, de espanto, cujas origens remontamos a Sócrates na descoberta

do outro enquanto estranho, é o olhar etnográfico com toda a carga de admiração, busca e descoberta, respeito e consideração pelo ser diferente.

A metodologia qualitativa geralmente se encarrega de análise de microprocessos. É pelo estudo das ações individuais e grupais de uma determinada comunidade, examinando intensivamente os dados, tanto em amplitude quanto em profundidade que se promove a aproximação mais estreita do pesquisador com os dados. É nesse contato mais próximo com a realidade social estudada que podemos melhor apreendê-la e compreendê-la. Importante salientar uma característica indelével dos métodos qualitativos: a flexibilidade quanto às técnicas de recolha dos dados, privilegiando aquelas mais adequadas à observação que está sendo realizada.

Outra característica importante que devemos lembrar quando do uso da metodologia qualitativa consiste em considerar uma variedade de informações, fontes de dados e situações que são fundamentais no momento da análise dos dados. “A variedade de material obtido qualitativamente exige do pesquisador uma capacidade integrativa e analítica que, por sua vez, depende do desenvolvimento de uma capacidade criadora e intuitiva” (MARTINS, 2004, p.292).

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