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PARTE II – O ESTUDO

4.7. Técnicas de recolhimento de dados

4.7.1. Observação participante

Neste estudo propomos a observação participante por conter características que permitem uma interação mais estreita com os sujeitos participantes no intuito de obter um determinado grau de implicação nas atividades do grupo estudado, que se possa alcançar para compreender de forma mais densa as variáveis existentes das compreensões de vida de cada sujeito participante. Todo e qualquer evento num contexto deve ser observado: comportamentos, posturas corporais, linguagem verbal, não verbal, todos os detalhes. A observação é um ato de perceber um fenômeno que por determinados instrumentos deve ser registrado e analisado. “Los principales requisitos de la observación son, naturalmente, un ojo avizor, un oído fino y una buena memoria” (WOODS, 1987, p.56).

A pesquisa deve conter estratégias adotadas pelo investigador de acordo com o nível de participação como observador. A participação poderá ter níveis de atuação de conformidade com o grau de envolvimento e compromisso do pesquisador

para com o contexto observado. (LAPASSADE, 2001; ADLER, ADLER, 1987; SPRADLEY, 1980).

Como etapa da observação participante devemos ter o cuidado na questão da aproximação do pesquisador com o grupo pesquisado. Primeiro, ele precisa ser aceito pelo grupo como condição fundamental para iniciar qualquer estratégia consequente ao percurso que deseja trilhar. A inserção deve ser um processo de negociação e reflexão constante com a intenção de servir como ponto de equilíbrio entre prováveis tensões e restrições do grupo para com o papel de pesquisador e não derivar do objetivo foco do estudo (ATKINSON, HAMMERSLEY, 2007; BOGDAN, BIKLEN, 2010).

Fino (2003, p.4), citando Adler e Adler (1987), nos instiga a refletir sobre os tipos de observação participante quando diz que,

Para Adler e Adler (1987), existem três tipos de observação participante, consoante o grau de implicação do investigador na vida do grupo objecto do estudo, que denominam de periférica, activa e completa. A observação participante periférica (peripheral membership), é utilizada nos casos em que os observadores consideram necessário um certo grau de implicação na actividade do grupo que estudam, de modo a compreenderem essa actividade, mas sem serem, no entanto, admitidos no centro dessa actividade. Lapassade considera que o carácter periférico deste primeiro tipo de implicação tem a sua origem numa escolha de ordem epistemológica, fundamentada no receio que demasiada implicação redunde em bloqueio da possibilidade de análise.

Assim, refletindo sobre os tipos de observação participante, optamos pela observação participante periférica (ADLER, ADLER, 1987), pois estabelecemos certo grau de implicação, certo nível de envolvimento, o suficiente para sermos aceitos pela comunidade escolar e mais especificamente pelos participantes da oficina Rádio Escolar a fim de que pudéssemos potencializar o máximo de atenção e foco na compreensão e interpretação das atitudes, nas formas de falar, das palavras, dos canais de conversas, dos gestos, dos valores, das expressões corporais, das dinâmicas afetivas, como também na captação de elementos invisíveis e não conscientes que permearam nas relações sociais no contexto sociocultural observado.

Adler e Adler (1987, p.36), com relação ao papel do pesquisador na pesquisa de campo, nos revelam que:

Of the three membership role categories, the peripheral role is the most marginal and least committed to the social world studied. Researchers who assume this role, though, feel that some sort of membership is desirable to gain an accurate appraisal of human group life. They seek an insider's perspective on the people, activities, and structure of the social world, and feel that the best way to acquire this is through direct, first-hand experience. They interact closely, significantly, and frequently enough to acquire recognition by members as insiders. They do not, however, interact in the role of central members, refraining from participating in activities that stand at the core of group membership and identification. As a result, they generally do not assume functional roles within the group. Peripheral- member-researchers (PMRs) may hold back or be restricted from more central membership roles for several reasons. First, they may intentionally limit their involvement with the group because of epistemological beliefs. They may be able to become a part of the scene, or one group within it, but hold themselves back from being overly drawn in because they fear it will damage their ability to interpret the data they observe detachedly. Second, researchers may intentionally restrict their level of membership because they do not wish to participate in the specific activities of the group they are studying.

Na observação participante periférica o pesquisador mantém um nível de distanciamento das atividades centrais do grupo estudado com o objetivo de essencialmente concentrar-se na observação das situações mais significativas em que os participantes estão em constante interação (LAPASSADE, 2005). Em nosso estudo, o distanciamento foi nivelado porque para certos participantes tivemos um grau de aproximação maior, pois verificamos que algumas pessoas do grupo nos forneciam maiores e significativas informações. Tivemos o cuidado de escolher as pessoas que poderiam nos fornecer mais dados, mais riqueza de detalhes pelas conversas estabelecidas, a frequência destes contatos e a duração de cada contato até ao final da pesquisa de campo.

É pela observação participante, enquanto estratégia de recolha de dados alinhada com a etnografia, que temos possibilidades de apropriar-nos de experiências de um dado sistema de relações sociais e culturais de um grupo específico (alunos/escola) num contexto habitual para dele extrairmos sob uma dimensão subjetiva, fenômenos, manifestações e significados com base na ótica e universo dos participantes da pesquisa. É necessário atentar para a questão ética sobre o grau de implicação no íntimo das relações sociais mediadas por um conjunto de regras ocultas ou explícitas que são estabelecidas pelo grupo e os sentimentos e comportamentos por ele emanados. “As questões éticas assumem diferentes formas consoante surjam em momentos diferentes

do trabalho de campo e do processo de investigação” (BOGDAN, BIKLEN, 1994, p.78).

Nesse sentido tomamos o relato de Rees (2008, p.258):

(...) Ao observar de forma participativa, a dualidade cartesiana de “observador” e “observado” é rompida. O investigador se torna parte do ambiente que está sendo investigado. Como a subjetividade faz parte dos trabalhos qualitativos, é preciso refletir sobre sua representação, ao permitir que as vozes, tanto do pesquisador/observador quanto dos participantes/observados, sejam ouvidas. (...) ao escrever os textos da pesquisa (anotações de campo, diários, relatórios, artigos, teses), o pesquisador está inserido em um ato de interpretação e criação.

Tivemos o cuidado de não desviarmos do conceito de observação como metodologia de observação participante e enveredarmos para a observação reduzida a uma técnica de coleta de dados que teria como fim uma reprodução, uma mera transcrição de atividades. O pesquisador etnográfico deve ter clareza que a observação deve centrar-se na descrição densa dos significados consequentes das atividades produzidas e das interações decorrentes conforme a visão dos sujeitos participantes das ações objeto de análise (ERICKSON, 1989; DAUSTER, 1989; ANDRÉ, 1997, FINO, 2008).

Para Georges Lapassade (1991, 1992, 2001 apud FINO, 2008, p.4), a expressão “observação participante”:

Tende a designar o trabalho de campo no seu conjunto, desde a chegada do investigador ao campo da investigação, quando inicia as negociações que lhe darão acesso a ele, até ao momento em o abandona, depois de uma estada longa. Enquanto presentes, os observadores imergirão pessoalmente na vida dos locais, partilhando as suas experiências.

A observação participante é parte essencial dentro das estratégias de um estudo etnográfico e que na visão de alguns autores é caracterizada como um método por si só. Como um dos marcos pioneiros na questão da observação como trabalho de campo, a pesquisa de Malinowski (1984) sobre argonautas do pacífico ocidental através de estudos descritivos ressaltou a importância da observação e registro das evidências encontradas, procurando produzir uma estrutura para realizá-la; captar e compreender todos os meandros das ações dos participantes e empreender um espírito nativo.

Na etnografia, o autor é, simultaneamente, o seu próprio cronista e historiador; e embora as suas fontes sejam, sem dúvida, facilmente acessíveis, elas são também altamente dúbias e complexas; não estão materializadas em documentos fixos e concretos, mas sim no comportamento e na memória dos homens vivos. (MALINOWSKI, 1984, p.19).

Compreendemos que na investigação etnográfica, ao pretender-se descrever uma cultura, deve-se ir a campo com o objetivo de observar o comportamento de um grupo restrito de sujeitos em seu contexto habitual, tentar uma aproximação para familiarizar-se com a situação e com os sujeitos a serem estudados estabelecendo conversas informais e continuamente ir recolhendo material que se relacionem com o cotidiano dos sujeitos observados. O pesquisador etnógrafo precisa para o refinamento do seu trabalho, desenvolver a habilidade de “escuta aguçada, a sensibilidade emocional, de penetração através das diferentes camadas da realidade, a capacidade de colocar-se na pele de seus personagens, sem perda alguma da capacidade de valorizá-los objetivamente” (WOODS, 1987, p.21).

Para Bogdan e Biklen (1994, p.113), o trabalho de campo é utilizado para:

O termo trabalho de campo lembra algo ligado à terra. É esta a forma que a maioria dos investigadores qualitativos utiliza para recolher os seus dados. Encontram-se com os sujeitos, passando muito tempo juntos no território destes – escola, recreios, outros locais por eles frequentados ou nas suas próprias casas. Trata-se de locais onde os sujeitos se entregam às suas tarefas quotidianas, sendo estes ambientes naturais por excelência, o objecto de estudo dos investigadores. À medida que um investigador vai passando mais tempo com os sujeitos, a relação torna-se menos formal. O objectivo do investigador é o de aumentar o nível de à vontade dos sujeitos, encorajando- os a falar sobre aquilo de que costumam falar, acabando por lhe fazer confidências. Este terá de lhe dar provas, de forma a merecer a confiança que os sujeitos depositam nele, tornando claro que nunca irá utilizar o que descobrir para rebaixar ou magoar alguém. (Este estilo de investigação é denominado naturalista.). Se, por um lado, o investigador entra no mundo do sujeito, por outro, continua a estar do lado de fora. Regista de forma não intrusiva o que vai acontecendo e recolhe, simultaneamente, outros dados descritivos. Tenta aprender algo através do sujeito, embora não tente necessariamente ser como ele. Pode participar nas suas actividades, embora com forma limitada e sem competir com o objectivo de obter prestígio ou estatuto. Aprende o modo de pensar do sujeito, mas não pensa do mesmo modo. É empático e, simultaneamente, reflexivo. O trabalho de campo refere- se ao estar dentro do mundo do sujeito da forma acima descrita – “não como alguém que faz uma pequena paragem ao passar, mas como quem vai fazer uma visita; não como uma pessoa que sabe tudo, mas como alguém que quer aprender; não como uma pessoa que quer ser como o sujeito, mas como alguém que procura saber o que é ser como ele. Trabalha para ganhar a aceitação do sujeito, não como um fim em si, mas porque isto abre a possibilidade de prosseguir os objectivos da investigação” (GEERTZ, 1979, p.241).

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