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Nas três reportagens que compõem a Folha de S. Paulo, o posicionamento composicional é um recurso semiótico, porque pode enfatizar ou tirar de foco a reportagem. Se observarmos pelos títulos das reportagens, podemos ver que o título ‘principal’ está com um tamanho de fonte bem maior do que os títulos secundários. A reportagem intitulada “Contrato feito sem licitação tem privilégios” está situada em uma posição inferior e o seu título é composto de fontes bem menores, o que pode ocultar a reportagem dos olhos do leitor – é uma reportagem para não ser lida. E o teor do texto em questão é justamente o ativo papel de empresários nos desvios indevidos de dinheiro público. Esquematicamente teríamos uma diagramação como esta:

Figura 3 – Diagramação do jornal Folha de S. Paulo. Figura 3 - Diagramação do jornal Folha de S. Paulo

Fonte: Produção da própria autora

FOTO

Texto B

Texto C Texto A

Segundo o quadro teórico de van Leeuwen e Kress, a foto está numa posição superior da página, indicando aquilo faz parte do ideal. Essa posição no topo da página tem um sentido ideológico. O posicionamento dessa foto indica para onde o produtor do texto quer levar os olhos do viewer ou do leitor. Kress e van Leeuwen afirmam:

Em nosso quadro teórico, quando um layout polariza topo e base, colocando elementos diferentes, talvez contrastantes, no topo e na base da página, os elementos apresentados no topo são apresentados como Ideal e aqueles colocados na base como Real. Para algo ser Ideal, significa ser apresentado como a essência da informação, idealizada ou generalizada e, dessa forma, também tendo ideologicamente um tipo de saliência (KRESS e VAN LEEUWEN, 1998, p. 1993).

É importante ressaltar que o termo Ideal não contém em si um aspecto positivo, mas a essência do que está sendo comunicado. No caso da foto do Presidente Lula com a então Ministra Erenice Guerra, está claro que o posicionamento da foto indica que há a intenção de o produtor do texto ressaltar a relação entre esses dois agentes sociais, no sentido de igualá- los: aquilo que está escrito sobre um autor poderia intuitivamente ser ligado ao outro autor. E essa ligação quem faz é a foto e não o texto em si. A foto está posicionada no topo e no centro, o que garante e ressalta o seu peso e a sua importância ideológica.

Podemos ver que o Texto B está numa posição que não se destaca dos demais, quase escondido, na parte inferior da página, representando o real, segundo a teoria de Kress e van Leeuwen. O jornal faz uma diagramação que dá pouca relevância ao contido no Texto B, o que pode significar uma tendência a considerar que o assunto é menos relevante, embora mostre o “outro lado” da história, apontando a “responsabilidade” dos empresários em contratos sem licitação.

A diagramação tem a função de atribuir mais ou menos proeminência ou relevância às várias partes que a compõem. Podemos ver que o Texto B é o menos saliente, o que se encontra mais apagado e já vamos lê-lo com essa “pré-leitura” de que ele é um texto sem importância. Podemos ver que os recursos semióticos são usados para gera significados específicos que se quer “presentificar”. Os recursos semióticos são usados também para legitimar e proliferar as visões de mundo de grupo dominantes.

Já o texto C encontra-se em maior proeminência que o texto B, por sua localização à direita (informação nova) e formato retangular com a base pequena em relação à altura. Esse texto C tem por título “Ministra se envolveu em escândalos”. A escolha do item lexical “escândalo” oferece a unidade direcional para o entendimento do texto, que mostrará notícias

escandalosas da ministra. A representação do principal ator social da reportagem (Erenice Guerra) é feita de várias maneiras:

Quadro 20 - Diferentes maneiras de representação do ator social erenice guerra nas reportagens da Folha de S. Paulo

1 - Classificação por uma atribuição: “Sombra de Dilma Rousseff”; 2 - Classificação por qualificação profissional: “Formada em direito” 3 - Nomeação pelo primeiro nome: Erenice;

4 - Nomeação pelo nome completo: Erenice Guerra; Fonte: Produção da própria autora

Esse tipo de representação do ator social serve para reforçar a função da reportagem, que é mostrar os eventos de desvio de dinheiro público como fatos interpessoais e situados no nível da espetacularização do escândalo.

Os eventos do texto C (desvio ético na prática do agente público) são todos representados por asserções realis, no tempo perfeito, que denotam a certeza de sua ocorrência. O elemento mais saliente é o ator social e agente público Erenice Guerra. Um elemento desse evento que não está representado é o responsável pelos atos do agente público, que seria o agente público em posição hierarquicamente superior. Os eventos são representados como se o agente social Erenice Guerra tivesse agido autonomamente, por conta própria.

Os processos predominantes no texto C são os processos materiais. Cabe ressaltar a alta frequência de passivizações:

Quadro 21 - Passivizações do texto C da Folha de S. Paulo

1 – teve o seu nome envolvido em escândalos 2 – foi acusada

3 – foi citada em denúncia de favorecimento 4 – blindada pelo Governo

Fonte: Produção da própria autora

Os agentes excluídos nessas passivizações são os denunciadores e os beneficiadores. Não sabemos quem acusou, quem citou em denúncia; quem blindou (o agente Governo está impersonalizado); quem premiou. Os acontecimentos ficam naturalizados e representados como um fato sem história. A passivização é uma construção simbólica típica do modo de

operação da ideologia chamado de reificação (THOMPSON, 1990, p. 60). Thompson assevera:

A nominalização e a passivização focam a atenção do ouvinte ou do leitor em certos temas às custas de outros. Elas apagam os atores e a agência e tendem a representar o processo como coisas ou a representar eventos que aconteceram na ausência do sujeito que os produziram. Elas tendem também a elidir referências a contextos temporais e espaciais específicos eliminando construções verbais ou convertendo-as em um tempo contínuo (THOMPSON, 1990, p. 66).

Também é importante ressaltar as nominalizações ou metáforas gramaticais que ajudam a compor a tessitura do texto: investigação; participação; promoção. Essas nominalizações transformam o evento em entidades, tornando-o vago, sem a marcação dos atores responsáveis. Novamente, não sabemos quem investigou, quem participou, quem promoveu.

Como vimos, existe uma relação indissolúvel entre os recursos verbais utilizados em um texto, o seu layout e a sua posição na diagramação do jornal. Podemos ver como todos os recursos semióticos servem para a construção dos sentidos. Segundo Kress e van Leeuwen,

Quando escrevemos, nossa mensagem é expressa não apenas linguisticamente, mas também por meio de um arranjo visual de marcos em uma página. Qualquer forma de análise textual que ignore isso não será capaz de alcançar todos os sentidos expressos no texto (KRESS e VAN LEEEUWEN, 1998, p. 186).

Penso que é extremamente difícil alcançar todos os sentidos de um texto, mas entendo que a consideração a respeito da multimodalidade textual auxilia no alcance maior dos sentidos de um texto. Sem a análise do layout do texto, a análise textual ficará incompleta. Também penso que o advérbio “linguisticamente” separa de forma indevida as ‘palavras’ das imagens e dos recursos de diagramação em um texto. Considero essa dissociação problemática porque entendo a linguagem em seu sentido amplo, no sentido de semiose, o que resolve esse dilema de se considerar que linguisticamente significa apenas o aspecto das ‘palavras’, dissociado da diagramação e do layout da página.