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Títulos e subtítulos – Os eventos representados e apresentados

6.2 A análise de acordo com as categorias analíticas

6.2.7 Representação dos eventos sociais

6.2.7.2 Títulos e subtítulos – Os eventos representados e apresentados

Nas reportagens que compõem o corpus do meu estudo, há um arranjo que não muda: o título da matéria de capa é apresentado seguido de um subtítulo, que se constitui em um resumo do enredo da reportagem. Essa chamada serve para atrair o consumidor para o produto. Nesta análise, fiz uma comparação entre duas reportagens no que se refere aos títulos e subtítulos das reportagens. O subtítulo é importante porque ele tem o papel de atrair o leitor para o texto, dando algumas informações gerais sobre a reportagem de um modo sucinto e “bombástico”.

Vamos observar mais detalhadamente como os eventos são representados nos títulos e subtítulos das reportagens. A representação de eventos é parte importante de toda análise textualmente orientada. A análise dos processos contidos nas orações é relevante para a compreensão da representação dos eventos.

O título e os subtítulos representam os eventos sociais de uma forma especial, muito condensada. Os processos são realizados por verbos no tempo realis, presente do indicativo, o que pode indicar um forte comprometimento com o que está escrito, sem modalizadores. A seguir, temos um quadro representativo dos eventos sociais, inspirados em Fairclough, 2003. Quadro 15 - Representação dos Eventos sociais do título e do subtítulo – Veja

1. Filho de Erenice Guerra comanda esquema de lobby no Planalto.

(MATERIAL – ATOR+PROCESSO+AFETADO+CIRCUNSTÂNCIA DE

LUGAR

2. Reportagem de Veja revela acordos milionários entre empresários e órgãos do Governo.

3. Ministra facilitou o esquema

(MATERIAL- ATOR+PROCESSO+AFETADO) Fonte: Produção da própria autora, adaptado de Fairclough, 2003, p. 142.

Os agentes sociais participantes dos eventos são classificados (filho de Erenice Guerra, empresários e Ministra) e não nominados. Os eventos são representados de forma mais concreta. A escolha lexical “órgãos do Governo” é uma forma de elidir os atores responsáveis pelas assinaturas do contrato citado, referindo-se a um conjunto de instituições (órgãos do Governo) e não a pessoas, em uma forma de referência genérica. O empresário não tem o seu nome explicitado.

O processo material, realizado no verbo “comanda”, tem o seu sentido complementado pelo afetado (objeto), realizado no substantivo “esquema”. Ao juntar esses dois corpos lexicais significantes, o autor da reportagem construiu um novo sentido, suportado por uma metáfora que expõe uma avaliação negativa na representação da atividade do agente social. A expressão “comandar um esquema” porta a representação de uma atividade eticamente reprovável. Essa escolha lexical, por meio da classificação na representação dos agentes que participam desse evento constrói um sentido específico: nos eventos representados, o que está em jogo é a “participação familiar” em instituições públicas, uma prática que está semanticamente e praticamente localizada perto do nepotismo.

Agora, vamos observar a representação dos títulos e subtítulos da reportagem primeira do jornal Folha de. S. Paulo.

Quadro 16 - Representação dos eventos no título e subtítulo – Folha de S. Paulo

FILHO DE BRAÇO DIREITO DE DILMA FEZ LOBBY, DIZ REVISTA (título)

Material - ATOR(filho de braço direito de Dilma)+PROCESSO(fez)+AFETADO(lobby) Verbal - ATOR(REVISTA) +PROCESSO (DIZ)

Segundo “Veja”, atuação de Erenice Guerra, ministra da Casa Civil, rendeu R$ 5 mi para a

empresa de “consultoria” do filho, Israel. (subtítulo)

MATERIAL – ATOR+PROCESSO+AFETADO

Fonte: Produção da própria autora, adaptado de Fairclough, 2003, p. 142.

Nessa representação de eventos sociais no texto do título da reportagem, os agentes sociais principais dos eventos narrados (ATORES) aparecem classificados e não nomeados. Israel Guerra aparece classificado (filho) e não nomeado; Erenice Guerra é representada com uma classificação (braço direito) e não nominação. Isso pode indicar, nessa representação, que

o foco pretendido pelo autor da reportagem está na ligação da então candidata Dilma com os agentes públicos Erenice Guerra e Israel Guerra.

No texto do subtítulo, aparece uma nominalização personificada (atuação), que, embora tenha presente o agente (Erenice Guerra), constrói um sentido vago, indeterminado, não especificando quais os atos praticados; além disso, com a personificação pela nominalização — é a atuação que rende 5 milhões — a responsabilidade dos atores sociais fica apagada. Vamos analisar agora a representação dos eventos nos títulos da reportagem segunda do jornal Folha de S. Paulo.

Quadro 17 - Representação dos eventos no título Folha de S. Paulo - 2

CONTRATO FEITO SEM LICITAÇÃO TEM PRIVILÉGIOS (título)

Material-

ATOR(contrato)+QUALIFICAÇÃO(feito sem licitação) + PROCESSO(tem) + AFETADO(privilégios)

Fonte: Produção da própria autora, adaptado de Fairclough, 2003, p. 142.

Gostaria de fazer um esclarecimento sobre a escolha lexical sem licitação. Trata-se de uma escolha que pode induzir o leitor a um erro de interpretação. Segundo a Lei 8.666, alguns contratos podem ser feitos sem licitação e, nem por isso, são ilegais, contratos nos quais a licitação é inexigível. Mas o circunstancial “sem licitação” normalmente é interpretado como ilegal. A nominalização licitação significa um dos possíveis processos de compra realizada pelo Governo, o mais comum, mas não o único legal. Como a escolha lexical licitação possui forte ligação semântica e gramatical com a qualidade lícito, daí segue-se a pressuposição de que o processo de compra governamental que não passou por uma licitação é ilícito. O meaning-making constrói o texto com a pressuposição de que o leitor faz essa identidade entre sem licitação e ilícito.

A presença de uma passivização (feito) elide os agentes responsáveis pela feitura do contrato. O ator do processo material (tem) é contrato, o que ajuda a elidir as pessoas responsáveis pelo fornecimento de privilégios ao contrato. Se o contrato tem privilégios, alguém fez com que tivesse privilégios. Contratos são redigidos e assinados por pessoas, o que está elidido nessa representação.

Assim, penso que esse tipo de construção simbólica do titulo favorece a reificação, um dos modos de operação da ideologia. Thompson afirma que

A ideologia pela reificação pode também ser expressa por meio de vários dispositivos gramaticais e sintáticos, como nominalização e passivização. A nominalização ocorre quando sentenças ou partes de sentenças, descrições de ação e os participantes nelas envolvidos, são transformados em nomes, como quando dissemos ‘o banimento de importações’ no lugar de ‘o Primeiro Ministro baniu as importações’. A passivização ocorre quando verbos são transformados em sua forma passiva, como quando dizemos ‘o suspeito está sendo investigado’, no lugar de ‘os oficiais da polícia estão investigando o suspeito’. A nominalização e a passivização focam a atenção do ouvinte ou leitor em certos temas à custa de outros. Elas apagam atores e agência e tendem a representar processos como coisas ou eventos que acontecem na ausência de um sujeito que os produziram. Elas também tendem a elidir referências a contextos espaciais e temporais específicos eliminando construções verbais e convertendo-as em um tempo contínuo (THOMPSON, 1990, 66, tradução nossa).

É relevante observar a capacidade de a nominalização elidir contextos espaciais e temporais específicos. Essa perenidade espaço-temporal, que é caracterizada por um tipo de ahistoricidade, pode levar também ao apagamento da possibilidade de transformação do status quo, uma vez que acrescenta um traço de inevitabilidade ao fato que é representado. A denúncia feita por essa reportagem vira do avesso, porque apresenta atos não éticos como inevitáveis, porque sem história, sem tempo, sem atores, sem circunstâncias.

Passemos à análise do título da reportagem terceira do jornal Folha de S. Paulo. Quadro 18 - Representação dos eventos no título – Folha de S. Paulo – 3

MINISTRA SE ENVOLVEU EM ESCÂNDALOS (título)

Material - ATOR(Ministra)+PROCESSO(se envolveu)+ CIRCUNSTÂNCIAS (em escândalos) Fonte: Produção da própria autora, adaptado de Fairclough, 2003, p. 142.

Em relação à transitividade, temos um processo comportamental, segundo as categorias processuais de Halliday (HALLIDAY, 2004, p. 173). O processo comportamental realizado no verbo “se envolveu” está entre o processo material e o mental. Semanticamente, esse verbo tem um sentido que não deixa claro até que ponto vai a volição ou agência do ator (MINISTRA). O verbo indica uma analogia com um objeto sendo envolvido (embrulhado) por outro objeto, perfazendo um processo metafórico que elide a responsabilidade dos envolvidos.