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6.2 A análise de acordo com as categorias analíticas

6.2.7 Representação dos eventos sociais

6.2.7.1 Representação do processo narrativo – A foto e o fato

As reportagens analisadas têm em sua composição gráfica fotos idênticas que geram um sentido, que pode ser visto pela análise dessa foto.

Fotografia 1 – Lula e Erenice

Fonte: jornal Folha de S. Paulo

A foto que compõe as reportagens obviamente possui potencial semiótico e representa uma narrativa visual, com um participante (Presidente Lula) conectado a outro participante (Ministra Erenice Guerra) por meio de um vetor, que é uma linha imaginária que liga os olhos de um participante aos olhos do outro. Segundo Kress e van Leeuwen, “O que, na linguagem, é realizado por palavras da categoria “verbos de ação”, é realizado visualmente por aquilo que pode ser formalmente definido como vetores.” (KRESS, VAN LEEUWEN, 2006, p. 46). Segundo Kress e van Leeuwen, “Quando participantes estão conectados por um vetor, eles são representados como fazendo alguma coisa para o outro ou com o outro. Daqui por diante nós chamaremos esse padrão vetorial de narrativa [...]” (KRESS e van LEEUWEN, 2006, p. 59 ).

A narrativa visual pode conter uma estrutura transacional, ou seja, uma estrutura em que há um ator e uma meta (goal). Essa foto contém uma estrutura transacional, porque há uma relação entre os dois participantes. Além de ser transacional é uma estrutura bidirecional,

porque os participantes ocupam simultaneamente os lugares de ator e de meta (goal). Nesse caso, segundo Kress e van Leeuwen, os participantes são chamados de Interatores, para indicar os dois papéis. (KRESS, VAN LEEUWEN, 2006, p. 66.)

Entendo que, nessa foto, o vetor é constituído de uma linha que liga o olhar de um participante representado com o olhar de outro participante representado. Entendo como uma leitura plausível dizer que esse vetor mostra a reflexibilidade nas relações de poder entre os dois interatores. Os interatores possuem uma relação simétrica de poder (nenhum é mais proeminente do que o outro) e estão muito próximos, indicando uma ligação quase de sinonímia. Essa leitura está de acordo com os textos da reportagem que representam o agente social Erenice Guerra como um ator social detentor de um grande poder, por sua proximidade com o poder maior, que é a Presidência da República.

Esquematicamente poderíamos ter um esquema aproximadamente igual ao que vem a seguir, no qual a seta com duas pontas representa a simultaneidade do papel de ator e de meta (goal), com a presença da bidirecionalidade na relação entre os interatores.

Figura 2 – Representação esquemática no modo vetor

Fonte: Produção da própria autora

O vetor parte de A (Lula) e vai até B (Erenice) ao mesmo tempo em que parte de B e vai até A. Também podemos pensar em um processo metonímico (sinédoque) que essa foto engendra, porque toma a parte pelo todo, especificamente o rosto pela pessoa. As duas faces tão próximas mostram que os dois atores da foto também estão muito próximos de uma maneira geral. Assevera Lakoff que

Essa metonímia (face pela pessoa) funciona ativamente em nossa cultura. A tradição de retratos (portraits), tanto pela pintura quanto pela fotografia, é baseada nisso. Se você me pede para mostrar para você uma foto do meu filho e eu mostro-lhe uma foto do rosto dele, você ficará satisfeito. Mas se eu mostro a você a foto do corpo dele sem o rosto, você vai considerar isso estranho e não ficará satisfeito. Você poderá perguntar, “Mas, como ele é?”. Assim a metonímia A FACE PELA PESSOA não é meramente uma questão de linguagem. Em nossa cultura nós olhamos para o rosto de uma pessoa – em vez de olharmos para sua postura e para seus movimentos – para obter informações básicas sobre como a pessoa é. Nós funcionamos em termos de

uma metonímia quando nós percebemos a pessoa em termos de seu rosto e agimos por essas percepções. (LAKOFF, 1980, p. 37, tradução nossa. Com isso, entendo que essa acepção de Lakoff pode ser conectada à interpretação de Kress e van Leeuwen sobre as tomadas de perto do corpo, em que o enquadramento é feito dos ombros para cima.. Kress e van Leeuwen indicam que há aí uma proximidade entre o viewer e a foto. Segundo Kress e van Leeuwen, imagens (e outros tipos de textos visuais) envolvem dois tipos de participantes: os participantes representados e os participantes interativos, os produtores e os viewers (KRESS, VAN LEEUWEN, 2006, pg. 114). E existem relações entre os participantes representados e os participantes interativos.

Segundo Kress e van Leeuwen, o tamanho do enquadramento é muito importante semioticamente e podem indicar as relações entre os participantes representados e os viewers. De acordo com aqueles autores, “A distância pessoal em close é a distância em que um participante pode segurar ou apertar a outra pessoa e, assim, também se trata de uma distância entre pessoas que têm uma relação íntima uma com a outra” (KRESS e van LEEUWEN, 2006, pág. 124).

Os vetores são importantes para determinar o tipo de relações que os interactantes mantém entre si. Magalhães e Pinheiro afirmam que

O que caracteriza uma proposição narrativa visual é a presença de um vetor, de um traço que indique direcionalidade. De acordo com o tipo de vetor e com o número de participantes envolvidos no evento, é possível distinguir seis tipos de processos narrativos: os processos de ação, os processos reacionais, os processos de fala e mentais, os processos de conversão e o simbolismo geométrico. (MAGALHÃES, C. M. e PINHEIRO, V. S., p. 41)

Nessa foto, podemos observar que os atores representados não interagem com o viewer, mas o leitor da foto fica muito próximo dos interactantes porque se trata de uma tomada curta, em close-up (foto que mostra a cabeça e os ombros dos participantes). Esse encurtamento da distância social entre os atores representados e os viewers, apagando as fronteiras sociais entre os atores institucionais representados e o público, pode ressaltar a representação de agentes públicos importantes hierarquicamente como personagens de uma novela de escândalos.

Se considerarmos a estrutura composicional da foto, poderemos perceber que o então Presidente Lula está como o dado e a então Ministra Erenice Guerra como informação nova.

O texto verbal da reportagem não cita o então Presidente Lula e dá como fato já sabido a sua presença nas relações pessoais da Sra. Erenice Guerra. O fato de o então Presidente Lula não estar representado no texto verbal está em consonância com o posicionamento desse ator social na foto da reportagem. É relevante lembrar que o jornal Folha de S. Paulo, com essa reportagem, faz uma propaganda antigoverno Lula, mas de uma maneira mais dissimulada que a revista Veja.