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A palavra inglesa blended indica uma fusão (mixture) tão perfeita de aromas e sabores, que eles formam outra unidade aromática, a exemplo de tabacos como o Squires Mixture. Levando essa analogia para os gêneros, todos sabemos que a mídia pode produzir reportagens com encaixes de outros gêneros que têm a propriedade de se adaptarem a vários ambientes genéricos. A entrevista, por exemplo, pode fazer parte de uma reportagem, de um anúncio publicitário ou de uma propaganda política. Existem gêneros desencaixados que podem servir à cultura de autopromoção. No caso da mídia de massa, é muito comum encontrarmos uma reportagem fazendo propaganda de outra reportagem em outro veículo de comunicação. Também é corriqueiro encontrarmos na Internet reportagens que promovem a sua versão impressa. Aliás, o suporte web tem servido também como uma indústria promocional das revistas que são publicadas e postas à venda nas bancas.

Segundo Fairclough, a mídia é um campo social que tem recebido especial atenção devido à sua capacidade de hibridismo genérico. Fairclough assevera que:

Um número de pesquisadores sociais e de teóricos tem chamado especial atenção para os modos pelos quais as fronteiras sociais estão obscurecidas na vida social contemporânea, e às formas de hibridismo ou mixing de práticas sociais que disso resulta. [...] Uma área da vida social onde o hibridismo tem particularmente recebido atenção intensa é a mídia – os textos da mídia de massa podem ser vistos como instanciando o obscurecimento das fronteiras de vários tipos: fato e ficção, notícias e entretenimento, drama e documentário e assim por diante (McLuhan 1964, Silvestorne 1999) (FAIRCLOUGH, 2003, p. 35, tradução nossa).

Com a análise dos dados que compõem o corpus do objeto desta pesquisa, pude observar que as funções das reportagens da mídia impressa são muito variadas e informar é apenas uma delas. Se considerarmos que uma reportagem da mídia impressa é um produto de uma empresa, é razoável supormos que o objetivo é a venda desse produto. Portanto, haverá sempre um mix de funções em um gênero como a reportagem: entretenimento, promoção, informação, formação de opinião, direcionamento ideológico, etc. Assim, sob o pretexto de informar o leitor, uma reportagem pode distraí-lo, entretê-lo, convencê-lo, etc. Pude ver as

fronteiras obscurecidas nas reportagens analisadas, principalmente a fronteira entre informação e entretenimento.

A ADC possui uma base epistemológica diferente de outras abordagens discursivas, porque trabalha com a concepção de que o poder está sempre presente nas práticas sociais, nas relações sociais, e que isso pode ser representado, reproduzido e ratificado nos textos; trabalha com o fato de que a ideologia serve para manter as relações assimétricas de poder e, portanto, na análise textual, procura manter uma postura cética e de estranhamento a muitas concepções do chamado senso comum. A Análise de Discurso Crítica não pressupõe um sujeito assujeitado, mas um agente que pode mudar a sua realidade social, por meio de sua ação emancipatória. Além disso, a ADC rejeita a “neutralidade” do analista — a ADC, por ser uma ciência social crítica, assume que o analista deve se posicionar frente à sua pesquisa e que esse posicionamento deve estar explícito. Neuman acentua que

A pesquisa social é uma atividade político-moral que requer do pesquisador um comprometimento com uma posição de valor. [...] A ciência social crítica sustenta que negar que o pesquisador tenha um ponto de vista já é um ponto de vista. Conduzir pesquisa e ignorar as questões morais; satisfazer um patrocinador e seguir ordens — esse tipo de visão afirma que a ciência é uma ferramenta ou um instrumento que qualquer um pode usar (NEUMAN, W. L., p. 100 e p. 101, tradução nossa.).

A interpretação do analista em ADC não é um retrato da realidade, mas um dos retratos possíveis e plausíveis. Nossa noção empírica do que é a realidade social ou textual pode ser bastante ampliada pela transdisciplinariedade. Fairclough inclui no seu campo teórico-metodológico conceitos de outras disciplinas e trabalha os conceitos para ampliar o campo de visão. Esses conceitos, aos serem recontextualizados na esfera teórica da ADC ganham novos sentidos e a conexão entre a ADC e as ciências sociais fica mais clara e mais resistente.

Como entendo que a teoria da ADC não pode ser separada da metodologia, a seguir, farei um levantamento dos pilares da teoria/método que é a Análise de Discurso Crítica, mostrando o que pude encontrar de congruência da teoria com a construção do meu objeto de pesquisa. A ADC pode ser considerada como uma metodologia com uma perspectiva crítica e interpretativa, e também uma ciência social crítica que vê o ser humano não como esmagado pelo determinismo biológico, social ou econômico, mas como um agente que pode modificar a sua situação social, mesmo que essa agência tenha determinados limites. A ciência social crítica reconhece que as pessoas são tomadores racionais de decisão, são moldados pelas

estruturas sociais e também, de forma criativa, constroem significados e estruturas sociais. Neuman afirma o seguinte:

A ciência social crítica mistura determinismo e voluntarismo para enfatizar a

autonomia limitada, ou como a agência e a estrutura cooperam entre si. A

autonomia limitada sugere que os desejos, as escolhas e as decisões não são sem limite; em vez disso, devem ficar também em fronteiras restritas de opções ou confinadas nos limites, que podem ser limites materiais ou culturais, ou fronteiras (NEUMAN, W.L., 2006, p. 97, tradução nossa.). A interpretação textualmente orientada não se limita à análise linguística dos aspectos textuais; a interpretação deve tentar alcançar um limite à frente da análise linguística. A interpretação é um estudo muito complexo porque supõe um vasto e ao mesmo tempo profundo conhecimentos de teorias semióticas e sociais, e de vários textos. Mas isso não é suficiente. Há também que ser considerada a experiência pessoal do pesquisador e a sua sensibilidade em relação ao que vê da realidade. O pesquisador não está fora do seu objeto de estudo. Ele é parte do seu objeto de estudo porque a interpretação não é objetiva, mas subjetiva, e isso é reconhecido pela ADC. Mas essa subjetividade não significa a ausência de teorizações e sensibilizações conceituais.

Neste capítulo, procurei seguir os passos das várias peças teóricas que formam a Análise de Discurso Crítica, realizando a composição de um tipo de bricolagem epistemológica ou de uma montagem cinematográfica de múltiplas imagens conceituais. Procurei acentuar o papel de Foucault para a ADC, com o seu insight a respeito do discurso como constitutivo. Também busquei acentuar a importância de Bourdieu, com o seu conceito de habitus, para a ideia de prática social e a relevância, para o meu estudo, do trabalho de Giddens e Stuart Hall, relativamente ao conceito de modernidade. Além disso, percorri a teoria semiótico-social da multimodalidade para acentuar a questão dos múltiplos sentidos do texto, provenientes de vários recursos semióticos, historicamente formados, e não só do sistema da linguagem. Também procurei esclarecer o leitor sobre alguns traços do discurso da mídia impressa e sobre o gênero como recurso semiótico, fundamentais para transmitir as ideologias.

4 DIREÇÕES TEÓRICAS DA PESQUISA

4.1 O realismo crítico para a Análise de Discurso Crítica: o texto como elemento de