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CAPÍTULO 1 – REVISÃO DA LITERATURA

1. Bases teóricas da Teoria Holística da atividade

1.4 Ensino de leitura

1.4.2 Conceitos de enquadramento de produção do material didático

1.4.2.2 Didática da aula de leitura

Conforme teorizam Aebersold e Field (1997), o processamento de uma aula de leitura ocorre baseado em três fases, a saber: pré-leitura, fase de leitura propriamente dita e fase de pós-leitura.

Na fase de pré-leitura, são propostas algumas questões para ativar o conhecimento prévio do aluno para que este mobilize informações sobre o tópico do texto. Na visão das autoras, a ativação do conhecimento prévio é essencial à compreensão, pois é o conhecimento que o leitor tem sobre o assunto que lhe permite fazer as inferências necessárias para relacionar diferentes partes discretas do texto num todo coerente.

Antes de ler, bons leitores geralmente ativam conhecimentos prévios que podem então ser relacionados às ideias do texto. O exercício de ativar essas informações interfere, diretamente, na compreensão durante a leitura. Folhear o livro, passando rapidamente os olhos pela narrativa na pré-leitura, geralmente, resulta na formulação de hipóteses baseadas no conhecimento prévio do leitor sobre o que trata e como trata a história (PRESSLEY, 2002 apud GIROTTO & DE SOUZA, 2010, p.50).

Sob esse viés, entende-se que cabe ao professor ensinar os alunos a serem bons leitores. Para tanto, é fundamental que o professor além de ensinar, ensine, principalmente, estratégias para que, aos poucos, os alunos tornem-se capazes de resgatar e explorar o conhecimento que já têm internalizado.

O uso de perguntas como estratégia, nessa perspectiva, permite ao aluno se autodescobrir pelo fato de estar engajado em um processo que, ao invés de fechar, abre as portas para o entendimento e o conhecimento. Por essa razão, a presença

de perguntas na fase de pré-leitura é bastante significativa, pois elas agem como uma espécie de “funil”. Partem do nível mais geral do conhecimento de mundo do aluno e vão, aos poucos, aproximando-o do assunto, do conteúdo e do vocabulário, posteriormente, abordados no texto propriamente dito (CAVICHIOLI, 2008).

Salienta-se que a dedução é uma característica da fase de pré-leitura. Por esse motivo, as atividades propostas visam a atingir a mobilização do conhecimento prévio, a geração de expectativas (ter uma ideia preliminar do que trata o texto), a formação de conceitos-chave e seu vocabulário (escanear o texto em busca de palavras e expressões-chave que indiquem o tema e a perspectiva temática do texto).

Isso significa dizer que uma proposta de leitura consistente deve, primeiramente, ativar os conhecimentos prévios que podem então ser relacionados às ideias do texto. Um bom professor designer ou simplesmente um designer (autores de materiais didáticos, por exemplo) não permite que o aluno “mergulhe” num livro do começo ao fim, sem antes saber o que quer do texto.

Na percepção de Girotto e De Souza (2010, p. 50), “o aluno folheia o livro lendo partes, essa atividade revela informações sobre o conteúdo, a estrutura da história, a localização dos elementos mais importantes e, principalmente, se o texto é pertinente diante dos objetivos do leitor”. O exercício de ativar essas informações prévias interfere, diretamente, na compreensão durante a leitura.

Trabalhada, portanto, a fase de pré-leitura, o aluno passa para a segunda fase, designada fase de leitura. Essa fase consiste na leitura do texto propriamente dita, com a constante confirmação-refutação das hipóteses sobre o assunto que o aluno fez na fase de pré-leitura. Nessa segunda fase, o aprendente constrói seu próprio entendimento do texto, checando suas representações e inferências com o que já sabe sobre o tópico.

Ademais, na fase de leitura, algumas estratégias são postas em ação. O aluno pode tomar nota ou interromper a leitura para refletir sobre o que leu e, em alguns momentos, pode até prever o que vai acontecer. Isso significa que a hipótese inicial sobre o que haveria no texto, baseada no conhecimento prévio do aluno, pode ser reavaliada, conforme ele inicia a compreensão daquilo que lê (GIROTTO & DE SOUZA, 2010).

Segundo Richter (2010b), a fase de leitura propriamente dita pode se estruturar a partir de três níveis. No primeiro nível, dá-se ênfase na superestrutura

do texto — identificação da ideia central e objetivo global; identificação das ideias secundárias e conexões lógico-semânticas, entre elas: vocabulário, separar palavras a conhecer (vocabulário passivo) e palavras a aprender (vocabulário ativo); estratégias para ir do contexto ao significado da palavra (aprender a conhecer o significado de palavras por meio de pistas contextuais).

O segundo nível deposita maior atenção na macroestrutura do texto. Prevê o desenvolvimento de fatores como: ideias-suporte — evidências para dar sustentação às ideias e desenvolvimentos temáticos das ideias; vocabulário — estratégias multinível de guessing (apoio na gramática e em estruturas), testagem das hipóteses de significado, inclusive com base nas propriedades morfológicas e uso do dicionário de definições se essas estratégias falharem.

No terceiro nível, o autor enfatiza a microestrutura/mecanismos de textualização (coesão e coerência), propondo a organização gramatical (parsing de sentenças, fenômenos gramaticais locais, semântica intrafrasal, frases e expressões feitas).

Tendo como base o arcabouço teórico, que apoia as explicações da fase de leitura, fica esclarecido que o entendimento do texto nunca se dá num vácuo, depende da harmonização entre propósitos versus tarefas, as quais não deixam de considerar as experiências interrelacionadas que o aprendiz tem na mente. Então, todo o conhecimento que veio à tona na primeira fase de leitura ajudará o aluno a preencher as lacunas deixadas no texto pelo autor, viabilizando, dessa forma, o envolvimento do aluno com o texto, com seus interlocutores e consigo mesmo (KLEIMAN, 2004).

A terceira e última fase de leitura, discutida por Aebersold e Field (1997), foi chamada de pós-leitura. Esta visa a reorganizar as informações novas contidas no texto, fazer o levantamento dos tópicos mais importantes, discutir outros assuntos que o texto leva a comentar, entre outros objetivos.

Richter (2010b, p. 124-125) elenca, de forma simplificada, seis aspectos, que não devem cair no esquecimento ao se planejar a fase de pós-leitura.

1. Revisão e consolidação das informações – resumo, sumário, mapa semântico (micro-habilidades de resumir e sumarizar);

2. Discussão das inferências – implícitos, modalizações, relação fato- opinião, estratégias retóricas;

3. Avaliação do texto – ideologia(s), estereótipos, pontos de vista, tom e ironias, registros e marcas sociolinguísticas;

4. Atividades intertextuais – traços linguísticos e contexto, gênero textual e interculturalidade (relação língua-cultura);

5. Retrospecto das estratégias de leitura (retomada metacognitiva dos movimentos de leitura mais importantes);

6. Vocabulário – promoção de atividades para a criação de redes léxico-conceituais (mapas semânticos), aplicação de palavras em atividades de paráfrase (micro-habilidade de parafrasear), construção de textos próprios do mesmo gênero (derivação para atividades de produção textual), criação de textos de outros gêneros (atividades intergêneros) etc.

Os aspectos sugeridos pelo autor têm por finalidade recapitular as informações, conteúdos e estratégias trabalhados nas duas primeiras fases de leitura. Esse procedimento dá ao aluno a oportunidade de processar novamente o texto e refletir sobre o que acabou de ler, avaliando o texto e posicionando-se como um leitor crítico e atuante.

Essa fase também propicia aos alunos a aproximação aos aspectos sociais e culturais do contexto de inserção, por intermédio de tarefas que possam abordar e contrastar diferentes culturas. O conceito de cultura mais relevante, para essa abordagem, é aquele que afirma que a cultura pode ser concebida em termos de comunicação intercultural. Vista como um processo, no qual as pessoas manifestam seu modo de pensar com a tentativa de encontrar um meio para uma comunicação bem-sucedida através das culturas (MORAN, 2001).

Reforçando o conceito de cultura, Fleuri (2003) comenta que compete ao educador a tarefa de propor estímulos que ativem as diferenças entre os sujeitos e entre seus contextos (histórias, culturas, organizações sociais etc.). Sendo assim, tem-se que pensar numa perspectiva intercultural, na qual os diferentes sujeitos desenvolvam relações de reciprocidade entre si.

A perspectiva intercultural da educação reconhece o caráter multidimensional e complexo da interação entre sujeitos de identidades culturais diferentes e busca desenvolver concepções e estratégias educativas que favoreçam o enfrentamento dos conflitos, na direção da superação das estruturas sócio-culturais geradoras de

discriminação, de exclusão ou de sujeição entre grupos sociais (FLEURI, 2002, p.03).

Apoiando-se na concepção perspectivizada da educação intercultural tratada no fragmento, pode-se argumentar que o uso de perguntas como estratégias de tutoramento ocupam lugar de destaque nas três fases de leitura. Além de auxiliarem no encadeamento coerente e cíclico das fases, elas desmistificam a ideia de que o papel de ensinar cabe somente ao professor (o questionador) e de que o ato de aprender é tarefa que deve ser exercida com exclusividade pelo aluno (o questionado).

Em suma, professor e aluno podem aprender e ensinar, mutuamente, por intermédio das perguntas como estratégias de tutoramento e “dos processos de elaboração de significados nas relações intergrupais e intersubjetivas, constitutivos de campos identitários em termos de etnia, de gerações e de ação social” (Ibid., 03).

Nesse sentido, uma vez consciente do uso de estratégias de leitura o professor questiona-se sobre qual ordem deve ensiná-las. A resposta é que se deve levar em consideração as exigências e o grau de complexidade das três fases de leitura. A tendência é que, por intermédio das perguntas (como também das demais tarefas), o professor consiga retraçar os níveis de desenvolvimento potencial, a fim de que o aluno avance em seu desenvolvimento e passe, consequentemente, a consolidar novas estratégias, as quais farão parte do seu nível de desenvolvimento real.

A proposta de enquadramento de material didático, além de as teorias já explanadas (formato de curso e fases de leitura), também ganha sustentação teórica das ciências cognitivas. Com base nestas últimas, destaca-se: processo ascendente (teoria bottom-up), processo descendente (teoria top-down) e processo interativo. Este último foi adotado para fundamentar a proposta de material didático, pois, consoante Aebersold e Field (1997), o modelo interativo trabalha, alternadamente ou ao mesmo tempo, tanto os processos de leitura bottom-up quanto os top-down.