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CAPÍTULO 1 – REVISÃO DA LITERATURA

1. Bases teóricas da Teoria Holística da atividade

1.4 Ensino de leitura

1.4.2 Conceitos de enquadramento de produção do material didático

1.4.2.3 Modelos de leitura

Aebersold & Field (1997), apoiadas na literatura existente acerca do ensino de leitura, descrevem três modelos básicos de leitura em nível de cognição ─ bottom-

up, top-down e interativo.

No modelo bottom-up, também chamado de modelo ascendente, a leitura começa com uma fixação do olho. O leitor passa por um processo no qual seu sistema visual irá varrer todas as letras do texto uma a uma, numa sequência linear. Ou seja, o entendimento do texto se dá minuciosamente das mínimas partículas, que contêm significados, ascendendo para a formação de uma compreensão genérica de texto.

Esse procedimento é discutido por Gough (1985) que salienta, principalmente, a valorização do vocabulário, enfatizando assim as partes menores do texto. Cabe, portanto, ao leitor descobrir por intermédio da decodificação os significados que o texto pretende transmitir.

Em outras palavras, o modelo de Gough, de tipo ascendente (bottom-up: das partes para o todo), se apoia em processos cognitivos fono-morfo-sintáticos locais. A leitura é um processo indutivo, linear das informações, que vai construindo o significado através da análise e síntese do significado das partes (RICHTER, 2010b).

De modo geral, as tarefas que atendem aos moldes do modelo ascendente ou

bottom-up são elaboradas na fase intermediária de leitura, fase de leitura

propriamente dita. É nesta fase que o aluno necessita de um tutoramento consistente para que possa decidir, entre as muitas interpretações, a que melhor representa as ideias do texto que estiver, naquele momento, sendo abordado.

O uso exclusivo do modelo ascendente/bottom-up, em livros e materiais didáticos, destinados ao ensino de leitura, vem sendo questionado tanto na teoria como na prática, porque privilegia a construção linear (aquisição vocabular linear) do sentido do texto. Encara-se a leitura como extração do sentido que estaria estanque e completamente determinado no texto.

Partindo dessas constatações, Kleiman (2004) afirma que o resultado final da recorrência dessa leitura é a formação de um pseudo-leitor, passivo e disposto a aceitar a contradição e a incoerência. Além disso, a autora acredita que a atividade escolar baseada nessa concepção não passa de uma paródia de leitura, ou melhor, uma concepção autoritária da leitura, que parte do pressuposto de que há apenas uma maneira de abordar o texto, e uma interpretação a ser alcançada.

No entanto, ressalva-se, por outro lado, que o ensino de vocabulário voltado à compreensão do texto, com apoio do modelo bottom-up, pode ter sucesso se as palavras a serem ensinadas forem palavras-chave de passagens-alvo, e forem ensinadas em conjunto semanticamente e topicamente relacionadas, de modo que os significados das palavras e o conhecimento prévio melhorem simultaneamente (PAZ, 2006).

Outro ponto que o modelo apresenta como vantagem é o fato de que as predições que ele faz podem ser facilmente testadas. Contudo, na investigação empírica fazem sentido tarefas de latência e de reconhecimento de letras, sílabas, palavras, e até sentenças isoladas, que não são tarefas de leitura propriamente dita, e, portanto, têm pouca importância às questões aplicadas (KLEIMAN, 2004).

Concluem-se os esclarecimentos acerca do modelo bottom-up alertando que o problema do modelo persiste. A versão não especifica como as fontes de informação interagem, nem como podem controlar o processo de realimentação e controle por meio de feedback. Essa lacuna levou a uma reformulação e ao lançamento do modelo de segunda geração — modelo interativo — que será apresentado após o modelo top-down.

No modelo top-down ou descendente, o processo de leitura ocorre de forma oposta. O ato de ler, segundo Goodman (1988), é um processo no qual a informação lida com uma construção contínua de significado, isto é, o leitor constrói o significado de um texto do todo para suas partes.

Araújo (2008), apoiada em Goodman (1976) e Smith (1973), reforça que ao processar a informação, o leitor faz uso de antecipações, confirmações e/ou reformulações de hipóteses, inferências, utilização de conhecimentos prévios sobre o assunto, informações não linguísticas como: ilustrações, gráficos, tabelas, diagramação etc. O leitor proficiente não usa toda a informação contida na página, não lê de forma linear, mas busca o significado global daquilo que lê e seleciona estratégias que são mais produtivas para compreender a mensagem do texto.

Conforme comenta Araújo, o leitor proficiente seleciona estratégias a fim de tornar mais produtivo e compreensivo o processo de leitura. Considerando essa conduta, citam-se novamente as perguntas como um meio eficaz de estratégias para assistir a atividade de leitura. Dessa forma, menciona-se a definição de leitura postulada por Smith (1981), a qual salienta que ler é fazer perguntas e encontrar respostas para tais perguntas.

Oliveira (2008), para facilitar o entendimento acerca do conceito de leitura fundamentado por Smith, explica:

Realmente, o perguntar e responder implicam aspectos como engajamento pessoal, estabelecimento de relevâncias, motivação e entendimento. Isso tudo moldado e flexivamente circunscrito pela acumulação de conhecimento prévio acerca do assunto focado (OLIVEIRA, 2008, p. 167).

O jogo “pergunta-resposta” traz o aluno para dentro do processo de leitura. O professor precisa “bolar” estratégias que resgatem os conhecimentos já consolidados pelo aluno, engajando este último em uma atividade que seja significativa e representativa, uma vez que tenha por finalidade o trabalho pedagógico holístico, pensando na construção dos conhecimentos dentro e fora da sala de aula.

Com a intenção de encadear, ou melhor, firmar as questões levantadas acima, retoma-se Goodman (1988), o qual se refere a esse processo ressaltando o que o leitor traz (conhecimentos/experiências) para o processo de leitura. O entendimento do texto dá-se a partir de um processo de relação entre as informações do texto com o próprio conhecimento do aluno-leitor, ajudando-o a dar sentido sobre o que está escrito.

Dessa forma, para o ensino de línguas, esse processo configura-se, primordialmente, nas atividades de pré-leitura, uma vez que visam a ativar o conhecimento de mundo do aluno, fazendo inferências sobre os tópicos a serem discutidos no texto. No entanto, é importante lembrar que embora a ativação do conhecimento do prévio ganhe maior relevância na fase de pré-leitura, ele também é ativado a todo o momento nas demais fases, porém com menor ênfase.

Nota-se que a leitura representada pelo modelo descendente ou top-down caracteriza-se como um processo de adivinhação ao promover a testagem dos conhecimentos linguísticos e conceituais, englobando um conhecimento semântico das escolhas. Nesse sentido, Paz (2006) afirma que o modelo pode ser concebido como um estágio de leitura avançada, porque parte de concepções hipotéticas derivadas do conhecimento prévio do leitor amadurecido.

Dessa forma, assim como o modelo bottom-up (aquisição linear do vocabulário), o modelo em discussão também se torna deficitário em alguns aspectos, se utilizado como única fonte de subsídio teórico para o planejamento de uma aula de leitura, pois os conhecimentos linguístico e conceitual da língua seriam explorados em um nível caracterizado basicamente por conhecimentos mais cotidianos.

Com o intuito de tentar preencher essas lacunas, Rumelhart (1985) coloca em discussão o modelo interativo. Para o autor este modelo permite a interação entre a informação contida no conhecimento de mundo e o conhecimento linguístico (= conhecimento prévio). Esse elo entre os conhecimentos contribuem de forma diferenciada na resolução de prováveis problemas que possam vir a interferir no percurso da leitura.

Souza (2008) acrescenta que no modelo interativo toda informação sintática, semântica, lexical e ortográfica é reunida no que Rumelhart chamou de sintetizador (pattern synthesiser). Na sequência, a informação segue para o centro da mensagem (message centre). Sendo assim, as funções desse centro são: (a) aceitar essa informação; (b) retê-la pelo tempo necessário, e (c) distribuí-la de acordo com as demandas do processo.

Partindo das informações relatadas, constata-se que o modelo interativo, que existe em função do modelo descendente e ascendente, apresenta condições seguras de abarcar a atividade de leitura sem divisórias entre conhecimento de mundo e linguístico. É, portanto, com o propósito de cumprir essa meta que Rumelhart fundamenta o modelo em dois quesitos-base: um conhecimento prévio definido de acordo com o contexto social e cultural; uma função de identificar a adequação dos dados que estão sendo processados durante a leitura. Assim, cada esquema é constituído de dois subesquemas ou subprocessos: top-down e bottom-

up.

No parecer de Davies (1995), citado por Souza (2008), a contribuição mais importante desse modelo foi estabelecer a interdependência de todos os níveis de processamento dentro do sistema. Dessa forma, um nível inferior como, por exemplo, o reconhecimento de uma palavra, poderia perfeitamente se comunicar com um nível superior como a compreensão inferencial e vice-versa.

Cabe salientar, nesse contexto, que é tarefa do professor manter-se informado e certificar-se da aplicação do modelo interativo na prática de ensino,

seguindo a fundamentação teórica, que o prescreve. O professor tem potencial para determinar, em grande medida, os objetivos de leitura, um dos quais poderia, inclusive, ser a retipificação do discurso (do autoritário ao polêmico), determinando, por extensão a adequação da leitura — se uma leitura é adequada ou inadequada a um objetivo específico (KLEIMAN, 2004).

O professor deve ser um investigador da própria prática e, além disso, em se tratando de ensino de leitura, a abrangência de sua investigação deve recair sobre o texto (concebido como uma unidade de construção de sentidos) e sua aplicabilidade na prática de ensino, e não meramente em unidades menores, fragmentadas e sem objetivos claros acerca do que, de fato, consiste a atividade de leitura.

Tendo em vista os princípios defendidos pelo modelo interativo, a proposta parametrizada de material didático, com ênfase na leitura, apoia-se nesse modelo para fins de estruturação de suas tarefas. Tem-se como resultado desse processo a integração da competência linguística e da competência discursiva, sendo que esta última envolve a competência comunicativa.

Conclui-se o presente capítulo salientando que o assunto “teorias sobre conceitos de enquadramento para a prática de leitura” deve ser foco de debate ainda em contextos de formação inicial, pois um professor (em formação ou já formado), consciente da tarefa de ensinar língua sabe que parte do êxito na prática de ensino é resultado de um trabalho consistente e qualificado na elaboração e/ou seleção de materiais didáticos e, sobretudo, das bases teóricas que tecem o “fundo” laboral desse trabalho didático.

Sem mais, se faz referência ao Capítulo 2, no qual será apresentado o planejamento das ações, as quais permitiram que a professora-pesquisadora trabalhasse as teorias sobre conceitos de enquadramento para a prática de leitura, com acadêmicos em formação inicial de um Curso de Letras em uma Instituição Particular do Rio Grande do Sul.