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4. A RELAÇÃO COMPLEMENTAR ENTRE A MORAL E O DIREITO EM HABERMAS.

4.4. A DIFERENÇA ENTRE ÉTICA E MORAL NA VISÃO DE HABERMAS

Ética e moral podem ser consideradas uma coisa só, não se equivoca quem utiliza indistintamente os termos ética e moral. Pode-se afirmar, também, que a moral é o objeto da ética, sendo ética um dos capítulos da teoria da conduta e moral como fato cultural, e a relação entre a ética e a

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HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. v.I Tradução de Flávio Beno Siebeneichler; Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 52.

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DUPEYRIX, Alexandre. Compreender Habermas. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Loyola, 2002, p. 144. 244

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. v.I Tradução de Flávio Beno Siebeneichler; Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 53.

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CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Habermas e o Direito Brasileiro. 2 ed. Editora Lumens Juris: Rio de Janeiro, 2008, p. 139.

moralidade positiva é a mesma entre uma doutrina científica e seu objeto.246 A moral está para a ética assim como a conduta e a norma jurídica está para o direito.

Não se deve, todavia, entender a ética ou a moral como ideia vazia de conteúdo que possa ser preenchida com quaisquer opções subjetivas. Destarte, necessário se faz encontrar um núcleo consensual comum, ou seja, exigível e inafastável para todos, permitindo o mínimo de previsibilidade no convívio social, deve-se, assim, admitir a possibilidade de justificar racionalmente princípios morais.247

Entrementes, percebe-se, pela análise da ética do discurso, a limitação dada ao conceito de moral por Habermas, já que ele foi moldado com base no discurso. Habermas se baseia na razão prática, cujo objetivo é orientar a ação para se alcançar determinados fins e com base em certas regras. Além disso, divide o uso da razão prática em: pragmático, ético e moral.

Dessa forma, a razão pragmática afasta os problemas morais, possui certos fins previamente determinados e busca meios mais adequados para realizá-los no mundo; o uso ético tem uma perspectiva do primeiro sujeito, seja ele no singular ou no plural, trata-se de autocompreensão e autoprojeção para o futuro e para a vida; e o uso moral tem a ver com o outro, trata-se dos deveres que os seres-humanos têm um em relação ao outro e isto independe da perspectiva na primeira pessoa.

São nas máximas onde encontramos o plano de intersecção da ética e da moral. Se avaliarmos uma máxima no sentido de ser ‘boa’ para mim trata-se de ética, se for observada por todos como uma lei geral é moral. O imperativo categórico só postula uma máxima como justa apenas quando todos podem desejar que esta seja cumprida em situações em que ela se faça necessária e contextualizada. A questão ‘o que devo fazer’ é respondida pelo ponto de vista moral sobre aquilo que se deve fazer.248

Dessa forma, Habermas diferencia a ética e a moral, sendo a primeira responsável pela perspectiva na primeira pessoa, isto é, o “eu” ou o “nós”, e a segunda tem a ver com o outro e o respeito à liberdade, já que consiste no que eu devo fazer ou nós devemos fazer. “Ao contrário das considerações éticas, que estão orientadas pelo telos de minha e/ou nossa vida boa ou não-

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NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 131-132. 247

Cf. NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 31-32. 248

CARNEIRO, João Luiz. Ética como extensão do diálogo: Contribuição de Habermas para a ética do discurso. 1. ed. São Paulo: Arché Editora, 2012, p. 40.

fracassada, as considerações morais exigem uma perspectiva distanciada de todo ego ou etnocentrismo”.249

Entrementes, Habermas, embora nomeie sua teoria de ética discursiva, na verdade trata de uma moral discursiva, já que sua teoria não se baseia nos valores pessoais, mas numa teoria para todos, que busca na razão discursiva um fundamento universal.

Qual seria a resposta moral para a questão ética fundamental sobre o sentido da vida em conjunto? “Pues la desesperación moral exige una respuesta a la cuestión ética básica acerca del sentido de la vida en conjunto, a la cuestión ética básica acerca de mi identidad o nuestra identidad”.250

Para Habermas, a moral tem prioridade e atua como limite da ética, mas os filósofos não teriam como responder essa pergunta, sendo a melhor resposta encontrada pela sociedade com as experiências vividas, resposta esta com obrigação de ser mais completa do que os argumentos.

Uma teoria discursiva do direito que parta de uma ética discursiva, no sentido defendido por Habermas, atenderá ao modelo procedimentalista do discurso. Essa teoria discursiva do direito explica a diferença entre pretensão de validade normativa das regras morais e pretensão de legitimidade das normas jurídicas, apelando para uma formação da política do legislador, o que pode ser considerado como presumivelmente racional, de qualquer forma entram apenas por razões morais (e éticas), mas acima de todos os programas e objetivos, que resultem de compromissos mais ou menos equitativos, assim como informações e previsões que surjam de discussões especializadas.

Uma formação da vontade coletiva levaria em seu favor a presunção de racionalidade na medida em que, em geral, poderia ser feito em formas discursivas. A ideia de Estado Democrático de Direito pode, então, ser entendida a partir da intenção de institucionalizar juridicamente os orçamentos e procedimentos de uma rede de argumentações e negociações diferenciadas de acordo com as classes de problemas.251

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HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. v.I Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 131.

250

HABERMAS, Jürgen. Aclaraciones a la Ética del Discurso, trad. Manuel Jiménez Redondo, Madrid: Psicolibro, 2000, p. 127.

251

HABERMAS, Jürgen. Aclaraciones a la Ética del Discurso, trad. Manuel Jiménez Redondo, Madrid: Psicolibro, 2000, p. 137.

Destarte, os objetivos coletivos devem ser analisados a partir da vontade alheia e tenta-se pacificar os interesses individuais com os interesses coletivos, que será o bom e o justo. Percebe- se, também, que a vontade coletiva passa a ter uma consistência institucional através do direito, numa transferência da moral para o direito, que será responsável, por meio do melhor argumento, de sanar as divergências entre os indivíduos.