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3. DO DIREITO PRUDENCIAL AO DIREITO CONTEMPORÂNEO

3.5. A TEORIA EGOLÓGICA DO DIREITO

Mesmo com a tentativa de afastar a moral do direito com o processo de positivação deste, não é assim que entendem Habermas e Cossio. Há teses no sentido de relação necessária conceitual entre direito e moral, bem como no sentido contrário.190 O que se busca é demonstrar o vínculo entre direito e moral, bem como a relação complementar entre eles, que se tentou afastar com a positivação do direito a partir do século XIX.

Através da teoria procedimentalista de Habermas, demonstrar-se-á a existência, na atualidade, de elementos morais no direito, embora este se fundamente em princípio próprio e não mais no princípio moral, o que não afasta a relação complementar entre direito e moral.

Habermas criticava essa ideia weberiana e adotava o entendimento de uma relação necessária entre direito e moral, sendo o direito, inclusive, fundamentado na moral. Entretanto, com a virada habermasiana que ocorre no lançamento do seu livro “Direito e democracia: entre facticidade e validade”, Habermas volta a adotar parte da ideia de Weber de não fundamentação do direito na

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NEVES, Marcelo. Luhmann, Habermas e o Estado de Direito. Lua Nova: revista de cultura e política. Ed. 37, pp. 93-106. CEDEC: São Paulo, 1996, disponível na internet: <www.scielo.br/pdf/ln/n37/a06n37.pdf>, acessado em 19 de agosto de 2013, p. 96.

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Cf. ALEXY, Robert. Sobre las relaciones necesarias entre derecho y la moral, pp. 115-137. In: Derecho y Moral; Rodolfo Vásquez comp. Barcelona, Gedisa, 1998.

moral, entretanto, não chega a ser radical como Weber, mantendo a ideia de relação complementar entre moral e direito.191

Entrementes, percebe-se também que a teoria egológica do direito demonstra a preocupação com a existência de conteúdos éticos no direito, o que fortalece a tese aqui adotada da relação complementar entre moral e direito. Ou seja, Habermas não está só ao aduzir a importância do conteúdo ético no direito.

Percebe-se que o positivismo implicou no surgimento de diversas escolas que melhoraram a ideia de seus precursores, como, por exemplo, o Egologismo. A teoria egológica do direito, fundada por Carlos Cossio na Argentina e seguida por Machado Neto no Brasil, tem o direito como conduta, não é só norma, trata-se de objeto cultural.

Na visão de Cossio pensa-se a conduta através de normas, todavia, essa norma não é o objeto, este é a conduta humana.

Para la teoria egologica, en cambio, la norma no es el objeto, sino la significacion o concepto expressado por el texto. Y el objeto que a ela corresponde es la conducta humana en su interferencia intersubjetiva, de modo que en el Derecho, al igual que en cualquier ciencia de realidades, hay una intuición sensible que capta precisamente el objeto; porque la conducta humana es un hecho perceptible como tal.192

Cossio faz a seguinte conclusão: se as determinações criadas pelo legislador fossem o direito positivo, bastaria se proibir o homicídio para acabar com ele.193 Afasta-se a visão de Kelsen do dever-ser de forma isolada. No direito o método dogmático dá a liga e estrutura o conjunto de métodos. A teoria egológica leva em consideração a conduta no momento.

O direito, por inexistir, no caso, um objeto físico que lhe constitua o suporte, é um objeto egológico, por consistir em conduta, conduta humana em interferência intersubjetiva, que é o que o distingue da moral, segundo a famosa distinção de DEL VECCHIO, que Cossio transporta do plano lógico para o ontológico.194

Dessa forma, percebe-se que Cossio dá um novo viés ao positivismo kelseniano, na formulação egológica, tanto a prestação como a sanção assumem caráter essencial na relação jurídica e na lógica da estrutura, isto numa estrutura disjuntiva. Dessa forma, a relação entre norma e conduta é de conceito e objeto, isto é, a norma é o conceito que pensa a conduta em sua liberdade.

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No mesmo sentido. Cf. DUTRA, Delamar José Volpato. Habermas e Weber: o modelo processual de moralização do direito ou como respeitar a autonomia da legitimidade do direito em relação à moral. In: Cadernos da EMARF, Fenomenologia e Direito, Rio de Janeiro, v.2, n.1, pp.1-120, abr./set.2009, p. 26.

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COSSIO, Carlos. La teoría egológica y el concepto jurídico de La liberdad. Buenos Aires: Losada, 1944, p. 96. 193

COSSIO, Carlos. La valoración jurídica y la ciência del derecho. Buenos Aires: Arayú, 1954, pp. 77-78. 194

MACHADO NETO, Antônio Luiz. Compêndio de introdução à ciência do direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p.51.

Para Cossio, sete valores formam o plexo axiológico jurídico, todavia, o direito não se norteia por eles, por ser cultural, o direito em alguma de suas manifestações pode ser: a realização de alguma ordem, segurança, poder, paz, cooperação, solidariedade ou justiça. Nesse sentido, para a teoria egológica, envolve o direito certa valoração, que explica o fato de algumas leis “não pegarem” ou entrarem em desuso, pela perda de seu conteúdo axiológico, já que o direito é conduta e não norma.195

Destarte, percebe-se que Cossio não se despreocupa com a relação entre moral e direito, não afirma a impossibilidade de conteúdo ético do direito, ao contrário, aduz aspectos axiológicos, que reafirmam a tese aqui defendida de relação complementar entre moral e direito. Apesar disso, Cossio afirma que apenas o direito pode ser neutral, não o podendo ser a moral e a teologia, que também seriam ciência da conduta.196 Todavia, a neutralidade tem se mostrado quase impossível de ocorrer nas ciências.

Nos tópicos seguintes serão explicados os argumentos desenvolvidos por Habermas em sua teoria discursiva até se chegar a sua conclusão sobre a relação entre moral e direito.

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MACHADO NETO, Antônio Luiz. Compêndio de introdução à ciência do direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, pp.52-58.

196

Cf. MACHADO NETO, Antônio Luiz. Compêndio de introdução à ciência do direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p.56.

4. A RELAÇÃO COMPLEMENTAR ENTRE A MORAL E O DIREITO EM