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5. IMPOSSIBILIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO MORAL DOS DIREITOS

5.4. DIREITOS FUNDAMENTAIS E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Os direitos fundamentais, a priori, servem como limitadores do Estado, isto é, são proteção do cidadão contra o Estado, além de serem limitadores do poder.365 Dessa forma, os direitos fundamentais limitam a Administração Pública, bem como devem orientar a sua atuação. O que não exclui a legitimidade do Estado como titular de direitos fundamentais, nos casos em que sejam compatíveis, a exemplo das garantias processuais constitucionais.

Dessa forma, “[...] o Estado é obrigado a assegurar aos cidadãos pelo menos as condições mínimas para uma existência digna. É a chamada ‘teoria do mínimo existencial’”366

. Todas as teorias que adotam a ideia de um núcleo essencial e absoluto advogam a tese da existência de um núcleo intransponível, que não pode ser reduzido em hipótese alguma.367

Nesse ponto é importante destacar a regulação e restrição de direitos fundamentais.368 A regulação pelo Estado é possível, desde que não haja restrições vedadas aos direitos fundamentais. Mas essa restrição implica em grande influência dos direitos fundamentais na Administração Pública, já que eles limitam a atuação estatal e a orientam.

Um dos deveres do Estado decorrentes dos direitos fundamentais é o de legislar. O legislador está obrigado aos limites dos direitos fundamentais, devendo regulamentá-los, mas só deve haver restrição quando esta não contrariar a essência dos direitos fundamentais regulados. Caso eles hajam contra os direitos fundamentais, decorrerá daí inconstitucionalidade material.

Já os que adotam uma teoria relativa, negam a existência de um mínimo existencial com contornos fixos e intransponíveis.

365

Sobre os direitos fundamentais das pessoas jurídicas de direito público. Cf. MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 253.

366

MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 348. 367

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 187.

368

Cf. Sobre a regulação e restrição dos direitos fundamentais. SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 100.

Segundo os adeptos de um conteúdo essencial relativo, a definição do que é essencial – e, portanto, a ser protegido – depende das condições fáticas e das colisões entre diversos direitos e interesses no caso concreto. Isso significa, sobretudo, que o conteúdo essencial de um direito não é sempre o mesmo, e poderá variar de situação para situação, dependendo dos direitos envolvidos em cada caso.”369

Destarte, o que é mínimo existencial varia de caso a caso não podendo haver uma definição prévia, já que todo direito é relativo, mas as prestações relacionadas ao mínimo existencial devem receber tratamento preferencial em relação às que não ostentem esse caráter.370

No que se refere à exigibilidade dos direitos fundamentais há:

Três grandes correntes: a dos que entendem serem exigíveis todos os direitos classificados pela constituição como fundamentais, a dos que entendem serem exigíveis apenas os direitos negativos, já que os positivos, por demandarem recursos, vigeriam sob a reserva do possível, a depender de mediação legislativa e a dos que entendem haver um núcleo de direitos positivos ligados ao mínimo existencial que seria sempre exigível, quedando os demais direitos positivos sob a reserva do possível.371

Observa-se que dois conceitos precisam ser esclarecidos para continuar a explicação, o de mínimo existencial e o da reserva do possível. “[...] o Estado é obrigado a assegurar aos cidadãos pelo menos as condições mínimas para uma existência digna. É a chamada ‘teoria do mínimo existencial’”372. Já “a reserva do possível é uma limitação lógica e, de certo modo, óbvia à

atividade jurisdicional em matéria de efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Afinal, sem dinheiro não há como realizar diversos direitos”373

.

A obra The Cost of Rigths demonstra que todos os direitos são positivos, que não existem direitos ou liberdades puramente privados, isto é, todo direito depende das instituições públicas e são custosos.374 Ou seja, do ponto de vista do Direito Econômico não existem direitos absolutos nem tem sentido a classificação em direitos positivos e negativos.

369

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 196.

370

GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos. Direitos não Nascem em Árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 196.

371

AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha. Critérios Jurídicos para Lidar com a Escassez. 2. ed. Editora Lumen Juris, 2010, p.35.

372

MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 348. 373

MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 356. 374

GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos. Direitos não Nascem em Árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.200.

Infere-se que “todos os direitos têm custos porque todos pressupõem o custeio de uma estrutura de fiscalização para implementá-los”.375 Dessa forma, o Estado precisa atuar, por exemplo, na fiscalização, na manutenção da máquina administrativa ou na manutenção do judiciário.

Diante do exposto, infere-se que os direitos fundamentais limitam a atuação da Administração Pública, tendo em vista servirem como proteção do cidadão contra o Estado, bem como servem para balizar a sua atuação. Nesse sentido, os gestores da Administração Pública devem atuar em observância aos direitos fundamentais, bem como ao princípio da moralidade administrativa.

Neves alerta para o fato da ausência dos direitos fundamentais à liberdade e à igualdade implicarem na impossibilidade de existir uma esfera pública pluralista e sem condições de emergência de dissensos, sendo eles as regras preliminares ao jogo. “Sem se limitar à legislação, pode-se afirmar que os direitos fundamentais não relacionados imediatamente à organização e aos procedimentos (eleitoral, legislativo, jurisdicional e político-administrativo) são requisitos de legitimação procedimental no Estado Democrático de Direito.”376

A relação complementar entre direito e moral é bastante forte ao tratar dos direitos fundamentais. Nesse sentido, segundo afirmado por Silva, há argumento na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de se vedar a utilização de direitos fundamentais para proteção de condutas ilícitas ou imorais.377

A institucionalização da ética no âmbito da Administração Pública decorre da relação complementar entre a moral e o direito, bem como pelo clamor da observância dos direitos fundamentais pelo Estado. Nesse panorama, desenvolveu-se o princípio da moralidade administrativa, na tentativa do legislador constitucional de ter uma administração baseada na ética.

Sendo assim, qual o papel dos códigos de ética? Eles reforçam o princípio da moralidade administrativa? Quando da aplicação de sanções decorrentes do descumprimento de normas morais há necessidade de observância do devido processo legal? Esses questionamentos fazem parte da análise do próximo capítulo.

375

AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez & Escolha. Critérios Jurídicos para Lidar com a Escassez. 2ª Ed. Editora Lumen Juris, 2010, p.39.

376

NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: o Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas. 3. ed. Martin Fontes: São Paulo, 2012, p. 154.

377

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 99.