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2. Capítulo 2: Formação e residência psiquiátrica

3.3 Processos da formação

3.3.1 Diferenças diagnósticas nos diferentes locais onde é

O residente aqui é treinado pra fazer a abordagem que for necessária (Maria, preceptora).

139 No geral, foram referidas algumas diferenças quanto à realização do diagnóstico nos diferentes locais por onde passam os residentes: enfermaria dos agudos no IPq/SC, pensões de pacientes crônicos no IPq/SC, ambulatório do HU, triagem no HU, interconsultas, CAPS e unidades de saúde.

As principais diferenças foram relatadas a nível prático, no que se refere ao manejo do paciente. Nas enfermarias de casos agudos no IPq/SC, o paciente fica internado e é avaliado em menor período de tempo e no auge de com crises “agudas”, o que facilita ver alguns quadros clínicos e dificulta ver outros.

Em alguns postos de Saúde, os residentes fazem apenas acompanhamento das consultas, em outras são mais ativos no processo de matriciamento e – poucas vezes, mas acontece – realizam consultas domiciliares com objetivo de realizar “prevenção também à recaída, no sentido de ver medicação, como estar convívio familiar, manter a harmonia” (Noel , residente). A diferença da realização das atividades dependerá do psiquiatra coordenador da atividade no Posto de Saúde. Infelizmente, as divisões são realizadas de modo que os residentes não tenham uma rotatividade significativa entre os postos.

Algumas vezes me relataram que o processo de investigar causas e formulação de hipóteses diagnósticas é o mesmo independente do local que se realiza o atendimento:

Diferença em como se faz diagnóstico não existe, porque a preparação da residência pressupõe que o profissional saia daqui apto a realizar diagnósticos e intervenções em qualquer nível de complexidade (Amanda, preceptora).

Mas também foi muito considerado que em uma situação emergencial priorize uma abordagem específica de contenção do quadro clínico, ou seja, procedimentos que estabilizem o paciente, em detrimentos da realização de um processo de investigação diagnóstica.

Quando em surto não tem uma coisa concreta pra fazer um diagnóstico na hora (Liandra, residente).

Na emergência tu tem que ser objetiva, não dá pra ficar perguntando história da vida do paciente (Joana, residente).

140 De modo geral, a residência é focada mais no hospital (IPq/SC)e no ambulatório do HU, tendo poucas horas nos demais serviços, de maneira que as comparações entre os diferentes locais tiveram por base a atuação nesses serviços que são mais rotineiros aos residentes.

Como se tem a ideia de que o diagnóstico seja firmado ao longo de algumas avaliações, a avaliação na emergência é considerada circunscrita e limitada e que “não dá possibilidade de um diagnóstico muito claro” (Lívia, residente).

...Paciente grave que chega no plantão, num atendimento de alguns minutos, talvez não saia com um diagnóstico bem definido porque o tempo de consulta não foi suficiente pra isso. No ambulatório você reavalia o paciente várias vezes, no hospital o paciente fica tempos mais curtos (Lívia, residente).

Lá no IPQ o tratamento é um tratamento mais grosseiro, aqui [HU] a gente vai vendo mais particularidades, a gente vai vendo coisas que lá não daria: sono, sexualidade, outras coisas que tem diferença (Noel , residente).

Em alguns casos, no IPq/SC o diagnóstico pode ser facilitado pelo convívio contínuo diário:

É que lá no IPQ o diagnóstico facilita por algumas coisas: uma, você vê o paciente diariamente; duas: você tem um tempo maior com ele; três: você tem disponibilidade de exames e outros profissionais, clínico, endócrino, neurologista... Agora aqui, como o sistema demanda de atender um pouco mais de pacientes, fica mais restrito. E se você tem que pedir exame tem que pedir pra voltar daqui duas ou três semanas, então fica mais restrito pra fazer diagnóstico, né? Apesar de que o diagnóstico em psiquiatria... Que assim, fazer exames, tudo, são auxiliares, né? A maior parte do diagnóstico são eminentemente clínicos, né? (Márcio, residente)

Olha, na emergência teria que ser uma coisa mais objetiva, direta realmente, assim, teria que ter um

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diagnóstico mais direto pra ver qual seria a conduta. Mas assim, numa parte ambulatorial seria na verdade estar conhecendo aquela pessoa, vendo o que tá acontecendo... Na verdade, primeiro deixa falar, tem que estar deixando falar pra ver o que ela acha que é problema... As vezes o problema tá distorcido um pouquinho... Depois de falar um pouco a gente vai arrumando o caminho, fazendo umas perguntas, mas eu acho que primeiro vai deixar falar mesmo, como a gente vem aprendendo no segundo ano... Deixar vir o que vier, não seguir um roteiro e coisa assim... É uma coisa que tem uma pessoa, tem uma personalidade, e é um exagero de alguma coisa ali que tá trazendo prejuízo... (Lucas, residente).

Mas também se considera que

No diagnóstico no IPQ facilita em alguns pontos mas você vê o paciente apenas no momento de crise, não acompanha... Realizar diagnóstico no ambulatório é mais fácil por acompanhar os pacientes ao longo do tempo (Guilherme, residente).

Entre os ambulatórios também foi relatada diferença quanto ao modo de realizar suas atividades. Realizar um diagnóstico em “Dependência Química” (nome da especialidade e também modo pelo qual eles designam os casos a ela relacionados), por exemplo, conta com a especificidade de lidar com um transtorno primário, motivo de queixa, acompanhado de investigações sobre esse transtorno ser mesmo primário, procura de diferenciar “usuário” de “viciado” e prováveis comorbidade.

No HU, outro possível facilitador é que o ambulatório é previamente distribuído de acordo com eixos diagnósticos da CID 10, conforme já discorrido. Assim, o residente que atende nesses ambulatórios já se encontra com uma divisão prévia para direcionar seu olhar. Além disso, é comum que os residentes iniciem atendimento em pacientes que já se encontravam em tratamento com outros residentes nos anos anteriores e comecem a atuar, assim, como um quadro clínico previamente definido por colegas e preceptores.

Aqui a gente tem uma história prévia... E muitos pacientes que acompanham no ambulatório já têm um diagnóstico (Joana, residente).

142 A questão da multidisciplinaridade aparece como ponto essencial no que se refere ao espaço do IPq/SC no qual, além de contar com profissionais de outras áreas, como assistentes sociais e psicólogos (sendo que esse último auxiliam diretamente no diagnóstico através dos testes psicológicos), o hospital também conta com outras especialidades clínicas (apenas nos dias de semana).

Além disso, existe uma diferença no que se refere ao tipo de demanda: no hospital se lida com casos mais graves, as pessoas vão procurar o serviço hospitalar quando há suspeitas de um quadro psiquiátrico grave. Mesmo que nada impeça que em um serviço ambulatorial apareça um paciente de caráter emergencial, essa não é a regra. No hospital geralmente chegam casos em que o paciente é considerado em estado grave, expondo a si mesmo e aos outros em risco, e que, por isso, deve ser atendido preferencialmente nesse ambiente protegido, com recursos que é considerado o hospital psiquiátrico.

3.3.2 As abordagens diagnósticas em cada fase da