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4. Resultados e Discussão

4.2. Sobre os CnaR

4.2.2. Diferenças entre CR e CnaR

A emergência do equipamento CnaR veio de várias modificações no seu formato e área de atendimento. Como vimos, o CnaR anteriormente era CR, e a mudança do “de” para “na” faz com que um equipamento que era da saúde mental, que trabalhava com usuários de “drogas” em situação de rua a partir da perspectiva da redução de danos, passe para um

formato no qual se torna um equipamento da Atenção Básica (AB), que trabalha a partir da perspectiva da prevenção e promoção da saúde, ainda com a abordagem da redução de danos. Essa mudança foi acompanhada por alguns dos profissionais que atualmente fazem parte das equipes do CnaR. Seis deles fizeram parte do CR. A esses, nas entrevistas, solicitei que contassem um pouco sobre como era o funcionamento do CR e quais foram as mudanças que observaram na transição do CR para o CnaR.

Um dos profissionais relatou que fez parte da elaboração do projeto do CR, realizado por este profissional e pela coordenadora de saúde mental do município à época. Relatou que foi um projeto simples, com apenas descrições das equipes, usando como norteadora uma pesquisa sobre crack e outras “drogas”, realizada pela FIOCRUZ. Portanto, o quantitativo das equipes e profissionais necessários, a perspectiva de trabalho, que era redução de danos, e os territórios de atuação (territórios onde havia maior incidência de cenas de uso de “drogas”) foram baseados nessa pesquisa. Outro fator a ser destacado é que a mudança, no município de Natal, do CR para o CnaR, seguiu a tendência da política nacional.

O CR foi criado em 2011 por meio de um processo seletivo simplificado. Teve indicado no projeto um período de duração de dois anos, financiado e previsto pelo Plano

Nacional de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, com apoio do Ministério da Saúde.

Nesta seleção, foram contempladas duas equipes que eram formadas por quatro profissionais, dois de nível superior e dois de nível médio, esses últimos, redutores de danos. A carga horária do serviço era de vinte horas semanais.

Por estarem como um equipamento da saúde mental, o ponto de apoio das equipes era o CAPS III, no turno noturno. As equipes não eram itinerantes, tinham pontos fixos de atuação no distrito leste de Natal, uma tendo como ponto de referência um local na Av. Prudente de Morais e, a outra, um ponto de referência na Av. Deodoro da Fonseca. Essa última, por problemas no campo, foi para a Praça Augusto Severo, em frente ao Teatro

Alberto Maranhão. Assim, as equipes iam sempre para o mesmo local e horário e, dessa forma, os usuários do serviço, quando queriam, iam ao encontro das equipes naqueles horários.

As equipes receberam uma capacitação com duração de dois dias antes de ir para as ruas. Na opinião dos profissionais, foi uma capacitação muito boa, porém com duração considerada insuficiente. De acordo com C07: “todo mundo foi de paraquedas para o campo. Ninguém sabia como abordar. Foi muito tenso... Assim, a gente teve que aprender muito, né?” Além disso, o carro utilizado no serviço era emprestado de outra instituição e era dividido entre as duas equipes. Em virtude disso, as equipes passavam pouco tempo nas ruas. Assim, quando uma equipe estava na rua, a outra estava no CAPS III. Cada equipe só ficava in loco dois dias na semana. Em suma, segundo C07: “Foi muito piloto mesmo. Muito piloto”.

As principais mudanças relatadas foram relativas ao perfil das atividades realizadas. Nesse sentido, em geral, os profissionais acreditavam que as atividades do CnaR são mais abrangentes em relação à saúde da população em situação de rua. Todavia, pontuaram que essa mudança ampliou o leque de atividades de uma forma que a alta demanda fez com que as ações voltadas para a redução de danos perdessem um pouco a centralidade.

Eu acho que o álcool e drogas também entra. Eu acho que a gente podia fazer uma política de prevenção ao uso abusivo de álcool e drogas. Mas como a gente tem uma demanda tão forte, tão grande e tão gritante pelos encaminhamentos do... Oftalmologista... Tem muita questão, também, de exames, raio-x, toda essa demanda que tem pra encaminhamentos. Muitos casos de DSTs. Muitos casos. Que a gente acaba... Eu acho que eu perdi um pouco do foco da redução de danos como estratégia. Pela essa dinâmica. (C02).

Eu acho... Assim, com relação atuação em campo das equipes, é... Eu acho que no CR, o processo de trabalho era melhor, porque a gente não tinha esta coisa tecnicista que a Atenção Básica tem. Então a gente tinha mais disponibilidade de tá sentando na rua, de tá escutando mais, de tá fazendo oficina, de tá fazendo grupo, coisa não que o CnaR não deixa, mas como a gente lida com questão de produção, que é uma coisa mesmo tecnicista da Atenção Básica, né? (...) Mas ao passo que o CR migrou para o CnaR, porque eles diziam no "de" na saúde mental, se focava apenas em pacientes com álcool e outras drogas, que na realidade, na época, a gente não fazia esta distinção. Ninguém

chegava nos campos, “não vou atender você porque você não usa droga”. Isso não existia. Então, a gente atendia todo mundo como se atende hoje todo mundo. Agora, é obvio que a gente estar dentro de uma porta de entrada da Atenção Básica nos possibilita muita coisa, coisa que a gente não conseguia. (C07).

Outro ponto é a relação de articulação com a rede. Os profissionais relataram que ela foi muito ampliada com a transição do CR para o CnaR. A mudança da Saúde Mental para a Atenção Básica traz para o debate, até mesmo, o lugar da Saúde Mental dentro da rede de saúde, o que fica mais claro com o relato de C02:

Na minha opinião, melhorou, porque a gente consegue dar uma cobertura melhora partir da Atenção Básica pra essas pessoas. Como um todo (...) Porque, como eu falei, a gente estando aqui, a gente traz pro médico, dá encaminhamento, acompanha período de regulação, consegue articular Saúde Mental. A gente consegue articular com mais atores tando ligado aqui na Atenção Básica, coisa que, às vezes, na Saúde Mental... Porque muitas vezes a Saúde Mental era sempre vista como, vamos dizer assim, um patinho feio da saúde.

O entrevistado comentou, também, que ainda há uma deficiência neste diálogo entre a Atenção Básica e a Saúde Mental, que são, muitas vezes, tratadas como forma de saúde diferentes, ou que elas não precisam dialogar por, supostamente, serem diferentes. Alguns estudos (Mitre, Andrade & Cotta, 2012; Pinto et al, 2012; Sousa et al, 2011) relatam a dificuldade de diálogo entre setores, principalmente na saúde, criando assim entraves na rede. Nisso, o próprio usuário, na busca por saúde, é negligenciado por ser de determinada área.

O foco na saúde mental trazia um entendimento de que existiam muitos perfis da população em situação de rua, usuária ou não de “drogas”, mas que o foco era álcool e outras “drogas”. O direcionamento das atividades tinha como base esse perfil. Além disso, a relação com o CAPS AD era mais estreita, já que o ponto de apoio das equipes CR era o CAPS AD leste. Entretanto, como se tratavam de horários diferentes de atuação (a equipe do CAPS AD trabalhava manhã e tarde e o CR à noite), as equipes não interagiam ou faziam atividades juntas. Ainda assim, os profissionais mencionaram em alguns relatos que, por eles levarem

um número de pessoas para triagem, os profissionais do CAPS AD queixavam-se que o CR trazia muito trabalho para eles, sobrecarregando-os. Isso dificultava ainda mais a articulação entre as equipes.

Além dessas características, no caso do CR, o foco eram atividades centradas na redução de danos. Nesse sentido, os agentes sociais relataram que atividades de redução de danos foram comprometidas com a mudança do CR para o CnaR. O envolvimento com outras demandas, como marcação de consultas e encaminhamentos, tornou-se prioridade.

Por fim, todos os profissionais enxergaram a transição como algo positivo para população em situação de rua. Acrescentaram que as mudanças, como ampliação no número de equipes, profissionais e carga horária (que passaram a ser de quarenta horas) e a itinerância do serviço, foram favoráveis.