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Diferenças entre tipos abertos e tipos cerrados

No documento OS PODERES DO JUIZ NO NOVO CÓDIGO CIVIL (páginas 34-38)

Karl Larenz26 foi quem trouxe para a teoria geral a contraposição entre tipos abertos e fechados (ou cerrados). Os tipos abertos são aqueles cujas fronteiras se mostram imprecisas, dada a variabilidade das suas características. Representam um quadro ou descrição fundamental, mas não excluem a possibilidade de se encontrar fora deles elementos relevantes para a realidade que se tipifica. São fechados, por outro lado, os tipos nos quais a lei fixa todas as suas características necessárias, através de definições precisas e claras. Neles se contêm todos os elementos juridicamente relevantes do fato ou da situação que é objeto daquela tipologia27.

A coexistência de tipos normativos abertos e fechados num mesmo texto não é algo novo. As codificações analíticas, inspiradas no Código Napoleão e influenciadas pelos ideais do positivismo jurídico, não foram capazes de definir de forma clara e precisa todos os elementos de seus tipos normativos28, para que não sobrasse margem à interpretação/integração pelo juiz. A própria dificuldade em definir certos conceitos, cuja variação semântica se opera em velocidade às vezes muito maior que o processo legislativo, impôs ao legislador a criação de tipos abertos, caracterizados por uma espécie de vagueza variável de acordo com o momento histórico-cultural.

26

Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, 2ª. ed. Trad. da 5ª. Alemã. Lisboa: Fundação Calouste Guebekian, 1983.

27

Ascensão,A tipicidade dos direitos reais, pp. 62 e 304.

28

Exemplo disso é a norma prevista no art. 5º. da LICC, reproduzida em praticamente todos os códigos influenciados pela escola da exegese, em que se denota a existência de termos vagos destinados a orientar o juiz na interpretação da lei de acordo com os fins sociais e as exigências do bem comum.

Por isso é que, como observa Ferrara29, “algumas vezes é a lei mesma que apela para os conhecimentos do juiz, quando nas suas disposições não determina com precisão o estado de facto, mas remete para factores sociais, v.g., para os bons costumes, para os usos locais, para a boa-fé do comércio: aqui deve valer como direito o que o juiz, pelo seu conhecimento das relações da vida, considerar normal e típico naquela série de fenômenos”.

A opção pela imprecisão dos conceitos legais representa, como se vê, uma renúncia expressa do legislador ao hercúleo e utópico desejo de regular todas as relações jurídicas de forma minudente e exaustiva, além de resgatar a credibilidade do juiz, tão esquecida no período imediatamente seguinte à Revolução Francesa.

Podemos ainda diferenciar os tipos normativos abertos dos tipos cerrados conforme o papel atribuído ao juiz no processo interpretativo. As normas abertas, caracterizadas por termos vagos, possuem uma zona de penumbra cujo desvendamento requer a análise de dados empíricos em cotejo com as diretrizes e valores traçados pelo sistema jurídico e, por vezes até fora dele, exigindo do juiz o uso da interpretação integrativa. As normas cerradas, entretanto, são dotadas de definições de tal sorte exaurientes que ao juiz só resta interpretá-las a partir de seus próprios elementos30.

29

Interpretação e aplicação das leis, p. 187.

30

Embora não se negue aqui a existência, ainda que mitigada, de um poder criador do juiz. Mauro Cappelletti, após reconhecer que “na interpretação judiciária do direito legislativo está ínsito certo grau de criatividade”, aduz que o verdadeiro problema “não é o da clara oposição, na realidade inexistente, entre os conceitos de interpretação e a criação do direito. O verdadeiro problema é outro, ou seja, o do grau de criatividade e dos modos, limites e

aceitabilidade da criação do direito por obra dos tribunais judiciários” (Juízes legisladores?, pp. 20-21).

Diferem, pois, as normas de tipo aberto das de tipo cerrado pelo grau de determinação dos termos dos conceitos que as contém, estabelecendo, inclusive, o papel do juiz na sua interpretação e/ou integração. Assim, quanto mais elementos definitórios a norma contiver31, mais cerrada será a tipicidade, isto é, a adequação do fato ao modelo legal e, conseqüentemente, menor será o esforço interpretativo do juiz; quanto mais termos vagos ela possuir, mais aberta será a tipicidade e, por conseguinte, maior o esforço interpretativo.

É certo que toda norma requer interpretação para desvendar o seu sentido e alcance. “Interpretar não é apenas compreender. A interpretação consiste em mostrar algo; ela vai ‘do abstrato ao concreto, da fórmula à respectiva aplicação, à sua ‘ilustração’ ou à sua inserção na vida’ (Ortigues 1987/220; na interpretação de fatos, ao contrário, vai do concreto ao abstrato, da experiência à linguagem). A interpretação, pois, consubstancia uma operação de mediação que consiste em transformar uma expressão em uma outra, visando a tornar mais compreensível o objeto ao qual a linguagem se aplica”32.

Logo, o grau de determinação dos termos dos conceitos jurídicos das normas, que as distingue em tipos abertos e tipos cerrados, irá determinar, inclusive, os critérios e os limites de atuação do juiz: se pautado tão-somente pelas regras de hermenêutica ou pelos quadrantes do sistema jurídico os quais orientam como integrar/interpretar umtermo vago.

31

Não se pode olvidar, todavia, a assertiva de Karl Engisch de que “os conceitos absolutamente determinados são muito raros no Direito” (Introdução ao pensamento jurídico, p. 208).

32

Diferem, por fim, os tipos abertos e os tipos cerrados pela margem de liberdade que o sistema jurídico atribui ao juiz na aplicação da norma. Referimo-nos aqui às normas de tipo aberto em sentido lato em confronto com as normas cerradas. Enquanto nestas, praticamente nenhuma margem de liberdade é atribuída ao juiz pelo ordenamento jurídico no que toca à interpretação-subsunção (juízo de legalidade estrita), naquelas o juiz tem liberdade ao aplicá-las, valendo-se de juízos de conveniência e oportunidade.

Nas normas de tipo aberto em sentido lato o juiz tem liberdade, embora pautado pelo ordenamento jurídico que lhe oferece

standards e princípios gerais, para que possa escolher, entre as soluções

possíveis, a que melhor atenda à finalidade da norma. Isso, porém, não ocorre nas normas de tipo fechado. Nestas, a margem de liberdade do juiz é extremamente mitigada ou quase nula, porquanto adstrito ao processo interpretativo-subsuntivo, segundo o qual deverá adaptar o fato concreto à norma jurídica, utilizando-se das regras de hermenêutica. Por isso é que se afirma que a tipicidade, aqui entendida como a adequação do fato ao modelo legal, se faz com muito mais rigor e, conseqüentemente, os resultados se tornam muito mais previsíveis.

No documento OS PODERES DO JUIZ NO NOVO CÓDIGO CIVIL (páginas 34-38)