Karl Larenz26 foi quem trouxe para a teoria geral a contraposição entre tipos abertos e fechados (ou cerrados). Os tipos abertos são aqueles cujas fronteiras se mostram imprecisas, dada a variabilidade das suas características. Representam um quadro ou descrição fundamental, mas não excluem a possibilidade de se encontrar fora deles elementos relevantes para a realidade que se tipifica. São fechados, por outro lado, os tipos nos quais a lei fixa todas as suas características necessárias, através de definições precisas e claras. Neles se contêm todos os elementos juridicamente relevantes do fato ou da situação que é objeto daquela tipologia27.
A coexistência de tipos normativos abertos e fechados num mesmo texto não é algo novo. As codificações analíticas, inspiradas no Código Napoleão e influenciadas pelos ideais do positivismo jurídico, não foram capazes de definir de forma clara e precisa todos os elementos de seus tipos normativos28, para que não sobrasse margem à interpretação/integração pelo juiz. A própria dificuldade em definir certos conceitos, cuja variação semântica se opera em velocidade às vezes muito maior que o processo legislativo, impôs ao legislador a criação de tipos abertos, caracterizados por uma espécie de vagueza variável de acordo com o momento histórico-cultural.
26
Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, 2ª. ed. Trad. da 5ª. Alemã. Lisboa: Fundação Calouste Guebekian, 1983.
27
Ascensão,A tipicidade dos direitos reais, pp. 62 e 304.
28
Exemplo disso é a norma prevista no art. 5º. da LICC, reproduzida em praticamente todos os códigos influenciados pela escola da exegese, em que se denota a existência de termos vagos destinados a orientar o juiz na interpretação da lei de acordo com os fins sociais e as exigências do bem comum.
Por isso é que, como observa Ferrara29, “algumas vezes é a lei mesma que apela para os conhecimentos do juiz, quando nas suas disposições não determina com precisão o estado de facto, mas remete para factores sociais, v.g., para os bons costumes, para os usos locais, para a boa-fé do comércio: aqui deve valer como direito o que o juiz, pelo seu conhecimento das relações da vida, considerar normal e típico naquela série de fenômenos”.
A opção pela imprecisão dos conceitos legais representa, como se vê, uma renúncia expressa do legislador ao hercúleo e utópico desejo de regular todas as relações jurídicas de forma minudente e exaustiva, além de resgatar a credibilidade do juiz, tão esquecida no período imediatamente seguinte à Revolução Francesa.
Podemos ainda diferenciar os tipos normativos abertos dos tipos cerrados conforme o papel atribuído ao juiz no processo interpretativo. As normas abertas, caracterizadas por termos vagos, possuem uma zona de penumbra cujo desvendamento requer a análise de dados empíricos em cotejo com as diretrizes e valores traçados pelo sistema jurídico e, por vezes até fora dele, exigindo do juiz o uso da interpretação integrativa. As normas cerradas, entretanto, são dotadas de definições de tal sorte exaurientes que ao juiz só resta interpretá-las a partir de seus próprios elementos30.
29
Interpretação e aplicação das leis, p. 187.
30
Embora não se negue aqui a existência, ainda que mitigada, de um poder criador do juiz. Mauro Cappelletti, após reconhecer que “na interpretação judiciária do direito legislativo está ínsito certo grau de criatividade”, aduz que o verdadeiro problema “não é o da clara oposição, na realidade inexistente, entre os conceitos de interpretação e a criação do direito. O verdadeiro problema é outro, ou seja, o do grau de criatividade e dos modos, limites e
aceitabilidade da criação do direito por obra dos tribunais judiciários” (Juízes legisladores?, pp. 20-21).
Diferem, pois, as normas de tipo aberto das de tipo cerrado pelo grau de determinação dos termos dos conceitos que as contém, estabelecendo, inclusive, o papel do juiz na sua interpretação e/ou integração. Assim, quanto mais elementos definitórios a norma contiver31, mais cerrada será a tipicidade, isto é, a adequação do fato ao modelo legal e, conseqüentemente, menor será o esforço interpretativo do juiz; quanto mais termos vagos ela possuir, mais aberta será a tipicidade e, por conseguinte, maior o esforço interpretativo.
É certo que toda norma requer interpretação para desvendar o seu sentido e alcance. “Interpretar não é apenas compreender. A interpretação consiste em mostrar algo; ela vai ‘do abstrato ao concreto, da fórmula à respectiva aplicação, à sua ‘ilustração’ ou à sua inserção na vida’ (Ortigues 1987/220; na interpretação de fatos, ao contrário, vai do concreto ao abstrato, da experiência à linguagem). A interpretação, pois, consubstancia uma operação de mediação que consiste em transformar uma expressão em uma outra, visando a tornar mais compreensível o objeto ao qual a linguagem se aplica”32.
Logo, o grau de determinação dos termos dos conceitos jurídicos das normas, que as distingue em tipos abertos e tipos cerrados, irá determinar, inclusive, os critérios e os limites de atuação do juiz: se pautado tão-somente pelas regras de hermenêutica ou pelos quadrantes do sistema jurídico os quais orientam como integrar/interpretar umtermo vago.
31
Não se pode olvidar, todavia, a assertiva de Karl Engisch de que “os conceitos absolutamente determinados são muito raros no Direito” (Introdução ao pensamento jurídico, p. 208).
32
Diferem, por fim, os tipos abertos e os tipos cerrados pela margem de liberdade que o sistema jurídico atribui ao juiz na aplicação da norma. Referimo-nos aqui às normas de tipo aberto em sentido lato em confronto com as normas cerradas. Enquanto nestas, praticamente nenhuma margem de liberdade é atribuída ao juiz pelo ordenamento jurídico no que toca à interpretação-subsunção (juízo de legalidade estrita), naquelas o juiz tem liberdade ao aplicá-las, valendo-se de juízos de conveniência e oportunidade.
Nas normas de tipo aberto em sentido lato o juiz tem liberdade, embora pautado pelo ordenamento jurídico que lhe oferece
standards e princípios gerais, para que possa escolher, entre as soluções
possíveis, a que melhor atenda à finalidade da norma. Isso, porém, não ocorre nas normas de tipo fechado. Nestas, a margem de liberdade do juiz é extremamente mitigada ou quase nula, porquanto adstrito ao processo interpretativo-subsuntivo, segundo o qual deverá adaptar o fato concreto à norma jurídica, utilizando-se das regras de hermenêutica. Por isso é que se afirma que a tipicidade, aqui entendida como a adequação do fato ao modelo legal, se faz com muito mais rigor e, conseqüentemente, os resultados se tornam muito mais previsíveis.