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O princípio da razoabilidade

No documento OS PODERES DO JUIZ NO NOVO CÓDIGO CIVIL (páginas 187-193)

10. Critérios e/ou parâmetros para a concreção judicial das normas de tipo

12.3. O princípio da razoabilidade

O princípio da razoabilidade tem sua matriz histórica no Direito administrativo, de onde surgiu como forma de controlar os excessos praticados pelo administrador no exercício da atividade discricionária. Posteriormente, estendeu-se a outros ramos do Direito. Pode-se dizer que, na atualidade, tal princípio tem aplicação não só no Direito, mas em tudo que requer uma tomada de decisão.

Ser razoável é agir de forma moderada, comedida, ponderada, sensata; é, enfim, agir conforme a razão. Esses atributos são particularmente exigidos dos agentes públicos aos quais a Constituição atribui poder decisório, funcionando como uma espécie de limite à atuação estatal.

Celso Antônio Bandeira de Mello224, analisando o princípio no âmbito do Direito Administrativo, aduz que:

223

Conforme Teresa Arruda Alvim Wambier,Controle das decisões judiciais, p.

224 Curso de direito administrativo

“Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa margem de liberdade (margem de discrição) significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência adequada a cada qual delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu líbito, de seus humores, paixões pessoais, excentricidades ou critérios personalíssimos, e muito menos significa que liberou a Administração para manipular a regra de Direito de maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicanda. Em outras palavras: ninguém poderia aceitar como critério exegético

de uma lei que esta sufrague as providências insensatas que o administrador

queira tomar; é dizer, que avalize previamente condutas desarrazoadas, pois isto corresponderia a irrogar dislates à própria regra de Direito”.

Transportando essas idéias para nossa análise, poder-se-ia dizer que, ao colmatar os termos vagos ou indeterminados dos conceitos jurídicos, bem como ao aplicar as normas de tipo aberto em sentido lato previstas no novo Código Civil, o juiz deve também abster-se de decisões subjetivas, motivadas por paixões pessoais ou critérios personalíssimos. Sua decisão, além de orientada pelas concepções éticas e morais vigentes, há de pautar-se pelos atributos da moderação, do comedimento e da sensatez.

Note-se que o princípio da razoabilidade funciona como limite na concreção judicial das normas abertas, sejam elas portadoras de “conceitos vagos ou indeterminados”, sejam elas caracterizadas por juízos de oportunidade.

Se o juiz subestima ou superestima a regra ou o valor que está por trás de um “conceito jurídico vago ou indeterminado” ou até

mesmo um standard ou princípio orientador deste, evidentemente age de forma

desarrazoada, extrapolando, portanto, os limites da concreção judicial.

A respeito, o princípio da razoabilidade fundamenta-se também nos princípios da legalidade, que abarca ainda o da finalidade. Uma decisão desarrazoada, incapaz de passar com sucesso pelo crivo da razoabilidade, não pode estar conforme à finalidade da lei. Donde, se padecer desse defeito, será, necessariamente e ao mesmo tempo, violadora dos princípios da legalidade, da finalidade e da razoabilidade. Trata-se de decisão ilegítima e ilegal, pois a finalidade integra a própria lei225. Há, por outras palavras, e valendo-nos da doutrina administrativista, desvio de finalidade e abuso de

poder.

Alguns exemplos nos permitirão fixar melhor essas idéias.

O art. 4º, II, do Código Civil considera incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer, os chamados ébrios

habituais. Já o art. 1767, III, diz que estão sujeitos à curatela “os deficientes

mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos”.

Pois bem.

Imaginemos que, requerida a interdição de uma pessoa, com base nos referidos dispositivos legais, fique provado nos autos que 225

Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello que assevera: “Fácil é ver-se, pois, que o princípio da razoabilidade fundamenta-se nos mesmos preceitos que arrimam constitucionalmente os princípios da legalidade (arts. 5º., II, 37 e 84) e da finalidade (os mesmos e mais o art. 5º., LXIX, nos termos já apontados)” (Curso de direito administrativo, p. 80).

o interditando ingeria, quase que diariamente, várias doses de uísque, tornando- se agressivo e incomodando seus familiares. Sob o fundamento de que a norma prevista no art. 4º, II, do Código Civil, na cultura brasileira, deve ser interpretada cum grano salis e não alcança situações como a dos autos, em que o interditando faz uso de bebida alcoólica apenas “socialmente”, o juiz indefere o pedido. Tal decisão, à evidência, não observou o princípio da razoabilidade na concreção judicial do termo vago ébrio habitual. Subestimou-se sua concepção, a pretexto de uma excessiva tolerabilidade ao uso do álcool, inexistente na sociedade brasileira.

Imaginemos agora que se trate de interdição proposta contra pessoa que faça uso de bebida alcoólica apenas esporadicamente, em ocasiões festivas, embora com certo abuso. O juiz, arvorando-se num excessivo rigor desejado pelo artigo 4º, II, do Código Civil, e influenciado por suas concepções pessoais ou religiosas, decreta a interdição e declara o interditando incapaz relativamente a certos atos. Nesse caso, não resta a menor dúvida de que o juiz superestimou a expressão ébrio habitual, extrapolando os limites do razoável.

Na verdade, definir o que é ébrio eventual depende de aspectos sócio-culturais que variam até mesmo em razão do momento histórico. O que hoje é considerado ébrio - segundo os léxicos, aquele que se embriaga habitualmente; é dado ao vício de beber – pode não o ser daqui a alguns anos. A ebriedade varia, também, de uma cultura para outra. Existem culturas, influenciadas por um fundamentalismo religioso, que não admitem o uso de bebida alcoólica. É evidente que em tais culturas, o conceito de ébrio não será o mesmo de uma sociedade que tolera o uso do álcool.

De qualquer forma, na interpretação-integrativa do termo ébrio habitual, constante no art. 4º, II, do Código Civil, certamente o juiz se orientará pelos valores éticos e morais vigentes na sociedade em que vive. Eles quais permitirão identificar a correta finalidade da lei e, conseqüentemente, decidir comrazoabilidade.

Em relação às normas de tipo aberto em sentido lato, que conferem ao juiz o poder de interpretá-las e aplicá-las segundo juízos de oportunidade, com maior razão impõe-se a observância do princípio da razoabilidade como limite na concreção judicial.

São elas destituídas de elementos normativos que servem de parâmetro ao aplicador. A lei, como visto, atribui ao juiz liberdade para criar a norma de decisão, sem fixar-lhe um modelo ao qual possa subsumir os fatos. Exatamente por isso, o princípio da razoabilidade, aliado ao da legalidade e ao da finalidade, constitui-se baliza ou limite para impedir o abuso de poder, o desvio de finalidade e, o que é pior, o arbítrio.

Mesmo amparado por norma jurídica que admita o exercício do poder discricionário, na criação e fixação dos efeitos correspondentes, pode o juiz extrapolar os limites do razoável e incorrer em

desvio de finalidade. Isso sucederá, por exemplo, quando ele fixar indenização

por dano moral em valor incompatível com as circunstâncias e conseqüências do evento.

Igualmente haverá violação ao princípio da razoabilidade quando o juiz, ao estabelecer os efeitos correspondentes de norma que lhe permite decidir por eqüidade, que é espécie do gênero normas de tipo

aberto em sentido lato, subestimar a finalidade da norma, de molde a subtrair-

lhe os efeitos desejados. Isso ocorre, v.g. quando o juiz, ao cumprir o disposto no par. único do art. 944 do Código Civil, fixa indenização pífia, sem que razões objetivas, devidamente demonstradas nos autos, justifiquem-na. Ou mesmo na hipótese de a indenização fixada com fundamento no art. 953, par. único, do Código Civil, não corresponder àquilo que se tem por razoável, segundo as circunstâncias do caso.

Em última análise, podemos dizer que o princípio da razoabilidade objetiva aferir a compatibilidade entre os meios ou critérios, os quais devem ser utilizados pelo juiz na concreção judicial, e os fins pretendidos pela norma, tendo em conta os limites a que nos referimos, de modo a evitar restrições ou excessos indevidos na interpretação-integrativa e na aplicação das normas de tipo aberto previstas no Código Civil.

13. Controle sobre a juridicidade da concreção judicial das normas de tipo

No documento OS PODERES DO JUIZ NO NOVO CÓDIGO CIVIL (páginas 187-193)