• Nenhum resultado encontrado

O princípio da legalidade

No documento OS PODERES DO JUIZ NO NOVO CÓDIGO CIVIL (páginas 177-183)

10. Critérios e/ou parâmetros para a concreção judicial das normas de tipo

12.1. O princípio da legalidade

Tem-se afirmado, ao nosso ver de maneira equivocada, que a existência de um sistema permeado por normas abertas

representa uma subversão à legalidade, notadamente quanto às normas que permitem ao juiz decidir segundo juízos de oportunidade.

Na verdade, o princípio da legalidade, diante de um sistema de normas abertas, não sofre sequer mitigação. Ao contrário, é até mesmo prestigiado, na medida em que é a lei, e somente ela, que atribui ao juiz o poder de colmatar os termos vagos ou indeterminados dos conceitos jurídicos ou de aplicar normas pautadas por juízos de oportunidade.

Quanto às normas jurídicas caracterizadas por termos vagos ou indeterminados, é certo que nelas não nos afastamos da

subsunção, conforme aduzimos nos capítulos 5.1. e 7. Ao subsumir os fatos à

norma portadora de “conceitos jurídicos indeterminados”, o julgador exerce

juízo de legalidade. Não pode, pois, escapar do sentido e do alcance almejados pela lei, segundo as valorações éticas e morais vigentes. A respeito, o processo

hermenêutico é governado por regras e princípios de direito que fixam marcos jurídicos ao intérprete, impedindo-o de agir arbitrariamente ou mesmo até com discricionariedade.

Como ensina Eros Grau214, “a superação da indeterminação (o preenchimento) dos ‘conceitos indeterminados’ (vale dizer, das noções) opera-se no campo da interpretação, não no campo da discricionariedade; importa a formulação de juízo de legalidade, não de juízo de

oportunidade”.

214 O direito posto e o direito pressuposto

É sob o enfoque da legalidade, portanto, que o juiz aplica as normas de tipo aberto caracterizadas por termos vagos ou indeterminados dos conceitos jurídicos.

Mesmo em relação às normas que conferem ao juiz o poder de aplicá-las segundo juízos de oportunidade não escapamos da legalidade. Dizer que na aplicação das normas de tipo aberto em sentido lato o juiz decide conforme juízos de oportunidade, e não de legalidade, não significa abandono à legalidade no sentido que ora estamos a tratar.

É que, como já ressaltamos antes a

discricionariedade judicial só tem lugar quando norma jurídica válida (entenda- se: a lei) expressamente conferir ao juiz o poder de determinar, entre duas ou mais soluções comportadas pela norma, o efeito cabível no caso concreto. Esse poder de criação dos efeitos jurídicos não predeterminados pela norma não advém, portanto, da indeterminação ou vagueza dos conceitos jurídicos; muito menos da vontade do julgador, mas única e exclusivamente da lei.

Na verdade, o que definirá a existência ou não do poder discricionário judicial é a lei. Em determinadas hipóteses, na impossibilidade de regular em abstrato a solução legal ou por ser desaconselhável estabelecer previamente a solução, diante das peculiaridades de cada caso, a lei prefere atribuir ao juiz a discrição de optar pela solução que melhor atenda à finalidade almejada pela norma. Logo, apenas poderá o juiz atuar segundo um juízo de oportunidade, na medida em que a lei atribuir a ele tal poder. Sob esse aspecto, não resta a menor dúvida de que, também aqui, funciona o princípio da legalidade como limite à concreção judicial das normas de tipo aberto em sentido lato.

Defeso ao juiz, dessa forma, exercer juízos de oportunidade fora dos casos autorizados pela lei. Esse é, sem dúvida, um limite que funciona como uma espécie de defesa da legalidade contra o arbítrio.

Como assevera Celso Antônio Bandeira de Mello215, “O princípio da legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos governantes. Opõe-se a todas as formas de poder autoritário, desde o absolutista, contra o qual irrompeu, até as manifestações caudilhescas ou messiânicas típicas dos países subdesenvolvidos. O princípio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz a idéia de soberania popular, de exaltação da cidadania. Nesta última se consagra a radical subversão do anterior esquema de poder assentado na relação soberano-súdito (submisso)”.

De outro lado, vinculando-se o juiz à finalidade da

lei ao exercer juízos de oportunidade na aplicação das normas de tipo aberto em

sentido lato, também sob esse aspecto se faz presente o princípio da legalidade como limite à concreção judicial. “O nunca assaz citado Afonso Queiró averbou que ‘o fim da lei é o mesmo que o seu espírito e o espírito da lei faz parte da lei mesma’. Daí haver colacionado as seguintes excelentes observações, colhidas em Magalhães Colaço: ‘o espírito da lei, o fim da lei, forma com o seu texto um todo harmônico e indestrutível, e a tal ponto que nunca poderemos estar seguros do alcance da norma, se não interpretarmos o texto da lei de acordo com o espírito da lei. (...) Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a

215 Curso de direito administrativo

prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la; é burlar a lei sob pretexto de cumpri-la”216.

Conforme já vimos, quando a lei expressamente confere ao juiz discricionariedade na aplicação de normas abertas, a decisão deve ser a melhor, ou seja, deve representar a solução que melhor satisfaça à

finalidade da norma. Nesse sentido, ensina Celso Antonio Bandeira de Mello217

que o fato de a lei regular uma dada situação em termos dos quais resulta discricionariedade, não significa renúncia ao propósito de que seja adotado o comportamento plenamente adequado à satisfação de sua finalidade.

Ora, não teria sentido algum que a lei, podendo determinar o resultado que repute melhor, tenha optado por conceder ao juiz liberdade para escolher indiferentemente qualquer solução. Se delegou ao juiz discrição para escolher a solução é porque, em decorrência de fatores e circunstâncias somente apreciáveis in concreto, a solução judicial, por certo, é a que melhor atende à finalidade objetivada pela lei.

Fica claro, destarte, que nos casos de discricionariedade o juiz encontra-se diante de um dever jurídico de praticar não qualquer ato dentre os comportados pela regra, mas, única e exclusivamente, aquele que atenda com absoluta perfeição à finalidade da lei. E isso representa, sem dúvida, um limite imposto por força do princípio da legalidade.

A existência de um sistema de normas abertas não escapa, portanto, da legalidade, mesmo porque atrelado está o juiz à motivação de suas decisões (art. 93, IX, CF). Igualmente, quando a lei lhe possibilita 216

Idem, p. 77.

217 Discricionariedade e controle jurisdicional

determinar os efeitos da norma segundo juízos de oportunidade, é em virtude e em consonância com os seus fins (da lei) que assim procede (art. 5º., II, e 37,

caput, CF).

Teresa Arruda Alvim Wambier218 salienta que “... o art. 93, IX, da Constituição Federal vigente deu status de garantia constitucional à regra de que todos os julgamentos do Poder Judiciário sejam públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. O inciso subseqüente (art. 93, X) determina, outrossim, que todas as decisões administrativas dos tribunais devam ser motivadas.

O art. 5º., II, da Constituição Federal consagrou expressamente o princípio da legalidade: ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Estes três dispositivos da Constituição Federal219, consagram e viabilizam a aplicação do princípio da legalidade no direito brasileiro vigente.

O juiz está, portanto, vinculado à lei. E há de fundamentar, portanto, todas as suas decisões na lei, embora não exclusivamente. Com esta exigência, têm-se:

a) uma garantia contra o arbítrio;

b) uma garantia contra a influência de pontos de vista pessoais (= subjetivismo);

c) controle do raciocínio do juiz;

218 Controle das decisões judiciais

, pp. 21-22.

219

d) possibilidade (técnica) de impugnações (pois, na verdade, quando se impugna uma decisão judicial, se atacam diretamente seus fundamentos para, indiretamente, atingir-se a conclusão, i.e., a decisão propriamente dita);

e) maior grau de previsibilidade;

f) aumento da repercussão das normas de direito. Essa atitude do nosso legislador constitucional evidencia de modo inequívoco que, ainda que se admita tenha o juiz padrões mais flexíveis, quer-se a continuidade do método de que haja PADRÕES para decidir, porque se valoriza a SEGURANÇA e a PREVISIBILIDADE, apesar de todas as dificuldades decorrentes da inegável flexibilização dos padrões que hoje se constata em toda parte”.

Claro, como se vê, que mesmo num sistema de normas abertas, como ocorre no vigente Código Civil, não há como admitir qualquer perspectiva fora da legalidade220.

No documento OS PODERES DO JUIZ NO NOVO CÓDIGO CIVIL (páginas 177-183)