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O princípio da segurança jurídica

No documento OS PODERES DO JUIZ NO NOVO CÓDIGO CIVIL (páginas 183-187)

10. Critérios e/ou parâmetros para a concreção judicial das normas de tipo

12.2. O princípio da segurança jurídica

Uma das funções primordiais do Direito é, sem dúvida, a segurança jurídica. Trata-se, destarte, de princípio de tal sorte importante que sua abolição poria em risco a própria harmonia social. De nada valeria um sistema positivo de normas se as pessoas não tivessem a segurança (= convicção, certeza) de que as condutas humanas seriam regidas por elas.

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É de Eros Grau a assertiva segundo a qual, assim para o direito público como para o direito no seu todo, inexiste qualquer perspectiva fora da legalidade (O direito posto e o direito

pressuposto, pp. 193 e 224.). Para o autor, “As alternativas diante das quais nos colocamos não permitem senão uma opção: a que privilegia o Estado de Direito, em oposição ao privilégio do Estado autoritário (idem, p. 169).

A legalidade ficaria esvaziada na medida em que os comportamentos humanos, regrados pelas normas de direito, se desvirtuassem de sua finalidade. Não sem razão, portanto, a Constituição Federal colocou o princípio da legalidade entre os direitos e garantias fundamentais da pessoa. Ao dizer que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, procurou a Carta Magna não apenas instituir uma garantia do cidadão contra o Estado, mas também salientar a obrigatoridade e a coercibilidade do Direito, cuja função não é outra senão a de trazer segurança jurídica às pessoas. A segurança de que se cuida está, pois, traduzida na idéia de previsibilidade.

É direito das pessoas conhecer não apenas os

limites de seus próprios comportamentos, e nessa medida a legalidade

funcionaria como uma limitação ao princípio da liberdade, mas também os

limites da atuação do Estado, que não pode agir senão dentro da legalidade.

Celso Antônio Bandeira de Mello221, em lição lapidar sobre o princípio da segurança jurídica, ressalta:

“Ora bem, é sabido e ressabido que a ordem jurídica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois, de antemão, o que devem ou o que podem fazer, tendo em vista as ulteriores conseqüências imputáveis a seus atos. O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da ‘segurança jurídica’, o qual,

221 Curso de direito administrativo

bem por isto, se não é o mais importante dentre todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles.

(....)

Esta ‘segurança jurídica’ coincide com uma das mais profundas aspirações do Homem: a da segurança em si mesma, a da certeza possível em relação ao que o cerca, sendo esta uma busca permanente do ser humano. É a insopitável necessidade de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estável, ou relativamente estável, o que permite vislumbrar com alguma previsibilidade o futuro; é ela, pois, que enseja projetar e iniciar, conseqüentemente – e não aleatoriamente, ao mero sabor do acaso -, comportamentos cujos frutos são esperáveis a médio e longo prazo. Dita previsibilidade é, portanto, o que condiciona a ação humana. Esta é a normalidade das coisas”.

Precisamente sob a ótica da previsibilidade, portanto, é que se deve ver a segurança jurídica, atrelada que está à própria noção de Estado de Direito. Nesse contexto, representa o princípio da segurança jurídica um importante limite à concreção judicial das normas de tipo aberto em sentido lato.

A interpretação-integrativa das normas abertas portadoras de “conceitos jurídicos vagos ou indeterminados” deve, pois, desaguar na solução que seja previsível, tanto quanto possível. A vagueza dos termos dos conceitos jurídicos não constitui, nessa medida, nenhum óbice à segurança jurídica. Os standards e princípios de direito material a que o juiz está vinculado conferem conteúdo aos termos vagos ou indeterminados dos conceitos jurídicos, de molde a tornar o momento de justiça, em que é imposta a

O mesmo se diga quanto às normas que albergam a chamada discricionariedade judicial. A liberdade conferida ao intérprete na interpretação e aplicação das normas de tipo aberto em sentido lato também está limitada pelo princípio da segurança jurídica. A necessidade de escolher a solução que melhor atenda à finalidade da lei tem exatamente a função de trazer maior previsibilidade na escolha, o que baliza o exercício do poder discricionário do juiz e impede o arbítrio. Essa finalidade da lei, buscada na concreção judicial das normas abertas, é animada, também aqui, por standards e

princípios de direito material os quais congregam as concepções éticas e morais

vigentes. Constituem-se, por isso mesmo, vetores da aplicação das normas de tipo aberto em sentido lato.

Vale ressaltar, mais uma vez, que a segurança

jurídica que propugnamos neste ensaio não está a serviço da manutenção do status quo da classe dominante ou de quem detém o poder político ou

econômico. Essa concepção, que marcou a idéia de segurança jurídica no Estado moderno222, não tem sentido nos dias atuais, mormente numa sociedade que institui como princípios fundamentais da República a construção de uma 222

Como ressalta Eros Grau, o Direito moderno, surgido da Revolução Francesa, tem como alicerce a idéia de um Estado de Direito pautado pela necessidade desegurança. Asegurança de que aqui se cuida – segurança das relações jurídicas – é concebida como valor-condiçãoe não como valor-escopo. Trata-se, no entanto, de condição necessária à fluência dos processos de economia de mercado, indispensável à sua adequada organização. Valor-condição, assim, que se expressa não como segurança jurídica, mas comosegurança patrimonial e contratual: proteção concedida pela sociedade a cada um dos seus membros para a conservação da sua pessoa, dos seus direitos e da sua propriedade (art. 8º. da Constituição francesa de 1793). Nesse sentido, seu conteúdo não é expressão senão de adequação e concordância entre os interesses hegemônicos e o discurso normativo, de onde a sua conotação formal (forma irmã

gêmea da liberdade). A exigência de certeza da norma – vale dizer, da lei e, conseqüentemente, do direito – é tida como indispensável à convivência social ordenada (Oñate 1968/47); no maré magnum das leis – complementa opez de Oñade (1968/72) – é fácil encontrar uma onda complacente, que conduza à praia o réu náufrago, ou, pior ainda, que faça naufragar o inocente. Não obstante, é a exigência de certeza do direito que impõe a sua positivação, em múltiplas leis.” (O direito posto e o direito pressuposto,pp. 186-187).

sociedade livre, justa e solidária e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º., I e III, CF).

Enfim, a concreção judicial das normas abertas previstas no novo Código Civil encontra igualmente limites no princípio da segurança jurídica, tomado no sentido de previsibilidade, como fenômeno que produz tranqüilidade e serenidade no espírito das pessoas, independentemente daquilo que se garanta como provável de ocorrer como valor significativo223.

No documento OS PODERES DO JUIZ NO NOVO CÓDIGO CIVIL (páginas 183-187)