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3 JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO UMA NOVA ABORDAGEM DE

3.2 DA DIFICULDADE CONCEITUAL

John Braithwaite (2013, p. 11) afirma que alguns dos precursores de práticas e trabalhos sobre Justiça Restaurativa não usaram essa expressão, cita Robert Baruch Bush e Joseph Folger cuja obra, de 1994 inclui entre o que chama de primeiros germes civilizatórios das práticas de Justiça Restaurativa, obra denominada The

Promise of Mediation: Responding to Conflict through Empowerment and Recognition79. O que aproxima a obra da Justiça Restaurativa não é então exatamente o uso do termo “Justiça Restaurativa” e sim o foco em valores democráticos. Na busca

77 No início da década de 1970, quando os primeiros programas de reconciliação vítima-ofensor foram criados no Canadá e nos EUA, e quando poucos criminólogos ou praticantes estavam cientes das tradições de justiça indígena, o termo justiça restaurativa não existia. Em seguida, emergiu nos escritos de Colson e Van Ness (1990), Mackey (1981, 1992), Van Ness e Strong (1997), Wright (1991) e Zehr (1985, 1990). Mediação vítima-ofensor, conferências familiares, círculos de sentença, painéis de impacto às vítimas e outros processos que agora são chamados de restaurativos evoluíram de diferentes grupos de pessoas (muitas vezes desconhecidas entre si), que estavam experimentando práticas alternativas. (tradução nossa).

78 No mesmo trabalho a autora menciona o desenvolvimento do debate sobre o tema na América Latina, sendo que especificamente Brasil, Chile e Argentina vêm influenciados pelas experiências anglo-saxãs, mas há também desenvolvimentos em outros países da chamada “justiça comunitária”. (ANDRADE, 2018, p. 78-80).

79 A Promessa da Mediação: Respondendo ao Conflito através do Empoderamento e Reconhecimento. (tradução nossa).

de um conceito de Justiça Restaurativa, o autor afirma ser possível vê-la como um método e uma estrutura de valores para promover uma cidadania forte e compassiva. Verifica-se então que, consultando-se os referenciais teóricos da Justiça Restaurativa, há alguma dificuldade em se apresentar um conceito sobre ela dada a sua relativa novidade e também a sua complexidade, o que fica claro na história de seu surgimento a partir de diversas iniciativas, fruto da insatisfação com os mecanismos tradicionais de resposta e prevenção de conflitos. Muitos países a vêm adotando, mas sem conceito unificado, seja prático ou teórico. (MIERS, 2001). Assim, alguns a designam como um movimento, outros como uma técnica de solução de conflitos. Alguns a consideram “an unfinished product”. (AERTSEN et al., 2013, p. 4)80,

sendo necessário também ficar atento a possíveis “mitos” em torno de suas origens e conceitos, conforme alerta Kathleen Daly (2002, p. 4):

1. Restorative justice is the opposite of retributive justice. 2. Restorative justice uses indigenous justice practices and was the dominant form of pre- modern justice. 3. Restorative justice is a 'care' (or feminine) response to crime in comparison to a 'justice' (or masculine) response. 4. Restorative justice can be expected to produce major changes in people81.

O que a autora afirma tanto diz respeito às origens da Justiça Restaurativa como ao seu conceito e finalidades. Ela explica que mito pode ser termo utilizado tanto para referir-se a uma verdade parcial como para uma certa forma de se contar uma história, recontando-a e reafirmando-a como a verdadeira história. (DALY, 2002, p. 5). A dificuldade conceitual pode também se dar em virtude dos diversos momentos e finalidades com que se tem aplicado práticas de Justiça Restaurativa, que tanto se dá em fases pré-processuais, como mecanismo de diversificação em relação ao sistema retributivo, como em paralelo ao processo e após a aplicação de sanções tradicionais, além do seu uso em questões familiares, justiça juvenil, ambientes de trabalho, entre outros, como também a colaboração na superação de conflitos mais amplos, como o contexto pós apartheid na África do Sul, ou problemas ordinários e comuns no dia a dia. (DALY, 2002, p. 5; AERTSEN et al, 2013, p. 2).

80 Um produto inacabado. (tradução nossa).

81 1. A justiça restaurativa é o oposto da justiça retributiva. 2. A justiça restaurativa usa práticas de justiça indígena e era a forma dominante de justiça pré-moderna. 3. A justiça restaurativa é uma resposta "de cuidado" (ou feminina) ao crime em comparação a uma resposta "de justiça" (ou masculina). 4. Pode-se esperar que a justiça restaurativa produza grandes mudanças nas pessoas. (tradução nossa).

Outra variação possível ao se procurar conceituar a Justiça Restaurativa se dá pelo maior vínculo de quem a define com práticas cotidianas de Justiça Restaurativa, atuando como facilitador ou coordenador de programas, núcleos ou projetos a ela destinados, ou se tem maior interesse acadêmico no tema.

O Relatório elaborado pelo ILANUD, avaliando os programas piloto de Justiça Restaurativa no Brasil em 2006, também se refere a tal dificuldade conceitual, o que atribui ao fato do surgimento da Justiça Restaurativa estar mais atrelado a experiências práticas do que a teorizações, observando que a amplitude do conceito oferecido inclusive pela ONU, na Resolução 2002/12, se deu pela intenção de não limitar ou tolher possíveis práticas. (ILANUD, 2006, p. 4).

Afirma-se que o primeiro a ter utilizado a expressão “Justiça Restaurativa” foi o psicólogo Albert Eglash, em estudo publicado em 1958. No mencionado estudo o autor faz uma comparação que nos parece realmente essencial na concepção de Justiça Restaurativa, trazendo à época nova abordagem à noção de restituição que não a confunde com indenização, sempre limitada financeiramente e por decisão judicial, mas estende a noção de restituição a toda decisão que seja criativa, fruto de autodeterminação (EGLASH, 1958, p. 619), assim distinguindo restituição e punição.

Eglash já sugeria modalidades de reação a ofensas que melhor comprometessem o autor do fato com as suas consequências, oportunizando-se encontros entre autores e receptores, bem como a intervenção de todas as partes na construção de uma solução mais criativa e construtiva, que ao mesmo tempo responsabilizasse o autor e fosse útil à vítima. É o que de certa maneira se reitera nas sequentes tentativas de definições.

Partimos aqui de uma das mais citadas, dada por Tony Marshall (1999, p. 5):

Restorative Justice is a problem-solving approach to crime which involves the parties themselves, and the community generally, in an active relationship with statutory agencies.”82, o mesmo autor afirma que um conceito internacionalmente aceito traz

que Justiça Restaurativa “is a process whereby parties with a stake in an specific

offense collectively resolve how to deal with the aftermath of the offense and its implications for the future.83

82 É uma abordagem de resolução de problemas para o crime que envolve as próprias partes, e a comunidade em geral, em uma relação ativa com as agências estatais. (tradução nossa).

83 É um processo pelo qual as partes, implicadas em um crime específico, resolvem coletivamente como lidar com as consequências da ofensa e suas implicações para o futuro. (tradução nossa).

Surge aqui um elemento importante que é o fato de se buscar soluções voltadas ao futuro dos envolvidos e não apenas para vingar o passado.

O Manual de Práticas Restaurativas, publicado pelo Projeto Justiça para o Século 21 em 2008, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, a define como “um processo comunitário, não somente jurídico, que se refere a procedimentos específicos, no qual, a palavra “justiça” remete a um valor e não a uma instituição” (MACHADO; BRANCHER; TODESCHINI, 2008, p. 21). Veja-se aí essa concepção mais processual da Justiça Restaurativa, elemento que é comum nas tentativas de a definir: “as many advocates point out, restorative justice is a process, not a program”. (UMBREIT, 2005, p. 266)84.

Em 2006 a Organização das Nações Unidas publicou o “Handbook on

Restorative Justice Programmes”, em que é comentada a dificuldade na conceituação

e tradução de todos os termos utilizados para se referir à Justiça Restaurativa. Enumera conceitos comos “responsive regulation”, “communitarian justice”, “making

amends”, “positive justice”, “relational justice”, “reparative justice”, “community justice”,

“dialogical justice”, “transformative justice”, “informal justice” (DALY; IMMARIGEON, 1998, p. 2) e “restorative justice”85. Prefere-se apresentar um conceito de processo

restaurativo, baseado no conceito adotado pela própria ONU na resolução em que são abordados os princípios básicos da Justiça Restaurativa: “any process in which

the victim and the offender, and, where appropriate, any other individuals or community members affected by a crime, participate together actively in the resolution of matters arising from the crime, generally with the help of a facilitator” (ONU, 2006, p. 7).86

Kathleen Daly e Russ Immarigeon (1998, p. 2-4), afirmam que o conceito pode se referir a “um processo alternativo para resolver disputas, opções de sanções alternativas ou um notadamente diferente e novo modo de justiça criminal, organizada ao redor de princípios de restauração às vítimas, ofensores e comunidades em que vivem”, conforme os autores os termos chave podem diferir muito em uso e sentido,

84 Como muitos defensores apontam, a justiça restaurativa é um processo, não um programa. (tradução nossa).

85 “Regulação responsiva”, “justiça comunitária”, “reparação”, “justiça positiva”, “justiça relacional”, “justiça reparativa”, “justiça comunitária”, “justiça dialógica”, “justiça transformadora”, “justiça informal” e “justiça restaurativa. (tradução nossa).

86 Qualquer processo em que a vítima e o infrator e, se for o caso, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participem ativamente da resolução de assuntos dele decorrentes, geralmente com a ajuda de um facilitador. (tradução nossa).

sugerem que os estudiosos e os ativistas da Justiça Restaurativa precisam “use more

precise terms and promise less”.87

Tony Marshall (1999, p. 7) também aborda essas diferentes nomenclaturas concluindo que o termo Justiça Restaurativa é o mais antigo e o mais aceito internacionalmente, referindo-se à restauração da vítima e do ofensor a uma vida de respeito à lei88 e restauração do dano causado pelo ilícito penal à comunidade.

Há também os que procuram explicar do que se trata a Justiça Restaurativa diferenciando-a do modelo retributivo. Kathleen Daly, citada no relatório do ILANUD, compara o que chama de justiça nova e justiça velha:

Por justiça velha entende as práticas dos tribunais em que não há espaço para a interação entre vítima e ofensor, em que as decisões são tomadas por especialistas (operadores do direito) e cujo fim é punir ou reformar o ofensor. Por justiça nova nomeia as práticas recentes de trazer vítima e ofensor para o processo em que todos participam da decisão e cujo fim é a reparação do dano às vítimas, aos ofensores e aos membros da comunidade (ILANUD, 2006, p. 11).

As definições são enfáticas em afirmar o foco nos valores e na participação da comunidade em seus processos. A referência à vítima é também sempre destacada, uma vez que o próprio interesse pela Justiça Restaurativa pode também ser atribuído às contribuições da Vitimologia:

The development of a victimological approach within the context of the criminological sciences has put the victims of crime, the consequences of their victimization and the reparation of the harm provoked by the offence, in the center of the attention. Victimology and victimological research has imposed on criminologists and other penal scientists to rethink the concept of punishment. The sentencing process has to address the crime, it's consequences, the victim as well as the offender and the community in which they function. (PETERS, s/d, p. 180).89

É o que podemos observar no conceito oferecido por Howard Zehr (ZEHR, 2008, p. 257), um dos nomes mais influentes na Justiça Restaurativa no Brasil:

87 Usar termos mais precisos e prometer menos. (tradução nossa).

88 Registre-se aqui certa discordância em relação à primazia dada pelo autor no que se refere à restauração do respeito à lei em detrimento da restauração das relações humanas afetadas.

89 O desenvolvimento de uma abordagem vitimológica no contexto das ciências criminológicas colocou as vítimas do crime, as consequências da sua vitimização e a reparação do dano provocado pela ofensa, no centro das atenções. A pesquisa sobre vítimas e vitimologia impôs aos criminólogos e outros estudiosos das ciências criminais repensar o conceito de punição. As decisões têm que enfrentar o crime, suas consequências, a situação da vítima, bem como do agressor e da comunidade em que atuam. (tradução nossa).

1. Tem foco nos danos e consequentes necessidades (da vítima, mas também da comunidade e do ofensor). 2. Trata das obrigações resultantes desses danos (obrigações do ofensor mas também da comunidade e da sociedade). 3. Utiliza processos inclusivos e cooperativos. 4. Envolve todos os que têm interesse na situação (vítimas, ofensores, a comunidade, a sociedade). 5. Busca corrigir os males.

O Instituto Internacional de Práticas Restaurativas, em artigo publicado por Ted Wachtel (2013, p. 1), traz comentário semelhante ao que muitos dos que hoje trabalham na implantação das práticas restaurativas no Brasil costumam fazer, constatando que quando a proposta da Justiça Restaurativa é apresentada muitas pessoas ou instituições afirmam “isso nós já fazemos”, “aqui já é assim”, “já praticamos isso com nossos alunos”. Fazendo-se assim necessário determinar o que é ou não uma prática restaurativa. Para o autor em questão, o ponto fundamental é proporcionar à vítima e à sua comunidade de suporte a oportunidade de encontro com o autor da ofensa, fazendo ainda uma diferenciação entre práticas restaurativas e Justiça Restaurativa, que nos parece bastante adequada. As práticas são abordadas de forma mais ampla, usadas para a criação de senso comunitário apto a prevenir conflitos, enquanto a Justiça Restaurativa é reativa, usada como resposta formal ou informal ao crime e outros erros ou malfeitos.90 (WACHTELL, 2013, p. 1).

Entre todos os conceitos de Justiça Restaurativa até aqui elencados, pode-se então visualizar as tendências apontadas pela literatura sobre o tema, que indica haver abordagens minimalistas e maximalistas sobre Justiça Restaurativa. Do ponto de vista maximalista, ela seria “direcionada para a correção das consequências; as finalidades restaurativas são centrais e prioritárias e isto, independentemente dos processos aplicados para atingir este ponto”. (JACCOUD, 2005, p. 170). Mylène Jaccoud (2005, p. 171) considera a existência de três possibilidades, a abordagem voltada aos resultados restaurativos, a abordagem voltada aos processos, e a visão que ela chama de purista, voltada a finalidades e processos. A abordagem minimalista daria maior ênfase ao processo do que aos resultados a serem buscados, enquanto os maximalistas considerariam restaurativa toda a prática que conduza à reparação do dano causado por um ilícito penal. (DALY, 2002, p. 7). Ainda, na abordagem minimalista se consideraria Justiça Restaurativa apenas as iniciativas relacionadas a respostas alternativas a condutas criminosas, que incluíssem maior negociação,

excluindo-se práticas externas ao sistema de justiça, que poderiam ser chamadas apenas de “práticas restaurativas”:

One option in this regard could be to link ‘restorative justice’ to the official, state-based justice system and ‘restorative practices’ to the non-legal field. However, informal practices of conflict resolution may also contribute to a perception and experience of ‘justice’ in the broader sense (AERTSEN; et al.,

2013, p. 3).91

Mylène Jaccoud (2005, p. 179-180), resume a questão:

A justiça restaurativa é uma abordagem que privilegia qualquer forma de ação objetivando a reparação das consequências vivenciadas após um delito ou um crime, a resolução de um conflito ou a reconciliação das partes unidas pelo conflito. As finalidades são, então, essenciais para qualificar um modelo restaurador. Elas podem ser atingidas tanto pelos processos negociados e voluntários como através de processos impostos. Um modelo de justiça centrado somente nos processos, sem levar em consideração as finalidades restaurativas, não pode ser qualificado como restaurador.

É no sentido maximalista, voltado à resposta dada ao conflito criminalizado, visando finalidades restaurativas, que o presente trabalho se volta à Justiça Restaurativa, direcionada à reparação do dano causado à vítima e responsabilização do ofensor, mediante a participação de ambos e, na maior medida possível, também da comunidade. É o que também poderia ser chamado de “Justiça Restaurativa à moda antiga”. (CNJ, 2018c, p. 249)92. Entende-se que é possível se chamar Justiça

Restaurativa o que se faz fora do Poder Judiciário, mas que seu principal foco é a resposta a conflitos, notadamente os classificados como ilícitos penais, cuja resposta cabe ao Estado.

Mylène Jaccoud pontua que, para ter atuação em crimes considerados mais graves, a Justiça Restaurativa atua em paralelo ao processo, porém, conforme Ricardo Cappi e Raffaella Pallamolla (2017, p. 335), “não se trata de escolher de

91 Uma opção poderia ser ligar a "justiça restaurativa" ao sistema de justiça oficial baseado no Estado e "práticas restaurativas" para o campo não jurídico. Contudo, práticas informais de resolução de conflitos também podem contribuir para uma percepção e experiência de “justiça” no sentido mais amplo. (tradução nossa).

92 Expressão utilizada por Marília Montenegro Pessoa de Mello, Fernanda Cruz da Fonseca Rosenblatt e Carolina Salazar L’Armée Queiroga de Medeiros, coordenadoras da pesquisa “Entre práticas retributivas e restaurativas: a Lei Maria da Penha e os Avanções e Desafios do Poder Judiciário, que explicam: “Quer dizer, sem a pretensão de ignorar a existência de outras práticas restaurativas para tratar de conflitos de natureza não penal, o nosso foco, aqui, é naquelas práticas restaurativas destinadas a lidar com as consequências de um conflito criminalizado, ou seja, destinadas a lidar com as consequências de um crime”. (CNJ, 2018c, p. 249).

maneira excludente a posição dentro ou fora, mas antes disso, estando dentro ou fora do sistema de justiça criminal, o importante é saber o que esperamos da Justiça Restaurativa”.

Selma Santana (2017, p. 10), ao apresentar coletânea de artigos sobre o tema, afirma que:

A Justiça Restaurativa apresenta-se como um conjunto inovador de normas e de práticas de reação ao conflito penal, em busca do empoderamento das partes envolvidas, da reparação dos danos causados à vítima por intermédio de responsabilização voluntária por parte do ofensor.

Assim, práticas diversas como círculos, conferências ou mediação, podem ser considerados instrumentos de realização de Justiça Restaurativa.

Para se fazer referência a um documento oficial brasileiro, pode-se citar o art. 1º da Resolução 225 do Conselho Nacional de Justiça, que se refere à Justiça Restaurativa também como “um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados”. (CNJ, 2016). Trata-se de conceito bastante ambicioso, a partir do qual seria bastante difícil se aferir a efetividade ou não da Justiça Restaurativa, o atingimento ou não de suas metas, uma vez que traz meta extremamente subjetiva, qual seja, a “conscientização” sobre diversos fatores que geram conflito e violência.

André Gomma de Azevedo (2016, p. 141) apresenta conceito bastante completo, que contempla aspectos procedimentais e axiológicos:

Pode ser conceituada como a proposição metodológica por intermédio da qual se busca, por adequadas intervenções técnicas, a reparação moral e material do dano, por meio de comunicações efetivas entre vítimas, ofensores e representantes da comunidade voltadas a estimular: i) a adequada responsabilização por atos lesivos; ii) a assistência material e moral de vítimas; iii) a inclusão de ofensores na comunidade; iv) o empoderamento das partes; v) a solidariedade; vi) o respeito mútuo entre vítima e ofensor; vii) a humanização das relações processuais em lides penais; e viii) a manutenção ou restauração das relações sociais subjacentes eventualmente preexistentes ao conflito.

Mais diretamente voltado ao âmbito da justiça criminal é interessante o conceito trazido por Tony Peters, Ivo Aertsen, Katrien Lauwaert e Luc Robert (2003, p. 189):

Restorative justice is not a new sanction, measure, or a programme. Restorative justice refers to a set of principles and values, which represent a specific way of defining crime and elaborating adequate social reactions. Crime is no longer seen as a violation of abstract state rules, but as a conflict, which causes harm to people and relations. Within this rationale, the answer of the criminal justice system should primarily focus on the needs of victims and local communities.93

Destaque-se no conceito oferecido pelos autores o aspecto de se considerar a Justiça Restaurativa uma forma de se definir o conflito e as respostas a ele, que seria um conceito não oriundo meramente da lei (um limite necessário), mas principalmente a partir da manifestação dos que se sentiram afetados por um comportamento, manifestações estas mediadas por valores. Vê-se assim o ilícito penal não apenas como uma violação à norma e sim a pessoas e relacionamentos.

O já mencionado relatório do ILANUD sobre práticas brasileiras aponta que dos diversos conceitos possíveis sobre Justiça Restaurativa, seria possível lhe atribuir duas finalidades: a institucional, no sentido de aperfeiçoamento na prestação de justiça, principalmente no que toca a sua humanização em busca de uma percepção mais positiva de seu trabalho por parte da sociedade; e outra político-criminal, como instrumento de intervenção social e transformação mais ampla do tratamento dado ao fenômeno da criminalidade, sendo uma finalidade inseparável da outra. (ILANUD, 2006, p. 4-6).

Passamos então a abordar qual seria o conjunto de princípios e valores que caracterizam a Justiça Restaurativa.