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Relatório do Conselho Nacional de Justiça sobre Reincidência

2.3 O SISTEMA PUNITIVO ESTATAL A PARTIR DE DADOS OFICIAIS

2.3.2 Relatório do Conselho Nacional de Justiça sobre Reincidência

Para se abordar a questão da reincidência criminal utilizou-se aqui dos dados coletados pelo Conselho Nacional de Justiça, em parceria com o IPEA, publicados em 2015 e que levaram em consideração estritamente a abordagem legal da reincidência, ou seja, consideraram reincidentes aqueles casos em que alguém foi novamente condenado criminalmente antes do decurso de cinco anos da extinção da punibilidade por condenação anterior.

De acordo com a mencionada pesquisa:

O Brasil possuía, em 2012, 515.482 pessoas presas para apenas 303.741 vagas, deficit de 211.741 vagas. O Brasil já é o quarto país que mais encarcera no mundo e, mesmo assim, convive com taxas de criminalidade muito altas, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2012). Os dados alarmantes chamam a atenção para a necessidade de estudos aprofundados sobre a função, ou não, ressocializadora das prisões, o fenômeno da reincidência criminal e seus fatores determinantes, bem como sobre a eficácia de dispositivos alternativos como meios de contornar esta crise no sistema prisional brasileiro. (IPEA, 2015, p. 10).

Corroborando com os dados já indicados anteriormente pela CPI do Sistema Penitenciário, o relatório traz gráfico sobre a evolução do número de apenados no Brasil, de 1938 a 2009:

Gráfico 2 – Total de presos condenados no sistema prisional (1939-2009)

Fonte: IPEA (2015, p. 11).

A figura indica o aumento do número de presos, sendo muito expressivo o aumento a partir de 1995, exatamente o ano em que entrou em vigor a Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099 de 1995), seguida da Lei 9.714 de 1998, que tratou das penas restritivas de direitos. Os números são um indicativo de que o esforço despenalizador das duas legislações não teve êxito.

O início do relatório esclarece sobre possíveis divergências sobre o conceito de reincidência adotado em diferentes pesquisas, o que faz com que os índices apresentados variem, ora afirmando-se que o índice de reincidência no Brasil seria de 70% (valor mais propagado) e em outros momentos verificando-se números de 30%. Isso se dá em virtude de, no primeiro caso, adotar-se números da chamada reincidência penitenciária, que leva em conta apenas o retorno à prisão, ainda que provisória, independente de condenações. Por outro lado, o índice de 30% já diz respeito à reincidência legal, relacionada, como já dito anteriormente, à nova condenação antes do decurso dos cinco anos.37 Mais uma vez demonstrando-se a

insuficiência de dados sobre o tema, conforme a CPI do Sistema Penitenciário também já havia indicado em 2009.38

37 Neste tocante os próprios pesquisadores reconhecem que a pesquisa pouco dirá sobre a real reentrada de pessoas ao sistema carcerário brasileiro, considerando a exclusão daqueles que reingressam após o decurso do prazo de cinco anos.

38“O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do sistema carcerário, por exemplo, divulgou em 2008 que a taxa de reincidência dos detentos em relação ao crime chegava a 70% ou 80% conforme a Unidade da Federação (UF). Entretanto, a CPI não produziu pesquisa que pudesse avaliar

De qualquer maneira, são números demasiado expressivos.

O primeiro dado mais genérico apresentado na pesquisa, refere-se ao índice de reincidência nos estados pesquisados:

Figura 6 – Índice de Reincidência da Amostra

Fonte: IPEA (2015, p. 23).

No que se refere à faixa etária dos apenados no Brasil, destaca-se a juventude dos presos reincidentes, indicando que eram ainda mais jovens39 quando da prática

do primeiro ilícito penal:

Figura 7 – Índice de Reincidência por Faixa Etária

Fonte: IPEA (2015, p. 23).

Este dado ressalta a relevância de novas políticas principalmente no que se refere aos adolescentes em conflito com a lei, considerando a pouca idade do maior

a veracidade deste número e baseou boa parte de suas conclusões nos dados informados pelos presídios”. (IPEA, 2015, p. 11).

39De acordo com o Estatuto da Juventude, Art. 1º, §1º: “são consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade”. (BRASIL, 2018d).

número dos apenados e também a pouca idade entre os reincidentes, ou seja, 34,7% dos apenados entre 18 a 24 anos já são reincidentes.

No que se refere ao gênero, a pesquisa reafirmou a expressiva representatividade masculina no número de apenados (91,9%). Questionando-se sobre a cor da pele, 206 indicaram a opção “branca”, 61 “preta”, 251 “parda” e 394 não informaram. O nível de instrução verificado na amostra demonstrou que “os sem instrução ou com ensino fundamental perfazem 75,1% do total, proporção que é ainda mais contundente entre os reincidentes, nos quais 80,3% da amostra encontram-se nessa categoria”. (IPEA, 2015, p. 25).

Ponto destacado pelos pesquisadores foi o fato de que em geral as pesquisas sobre reincidência procuram apenas mensurar o fenômeno e o relacionar a condições sócio econômica dos presos, mas não necessariamente o relacionam ao próprio funcionamento da justiça criminal (IPEA, 2015, p. 26). Por isso dedicaram-se a analisar a influência do tempo decorrido entre fato, julgamento e ilícito penal cometido, por exemplo. Verificaram que o intervalo entre fato e condenação vem diminuindo e entenderam que o intervalo não se diferencia entre réus reincidentes e não reincidentes: “nos crimes cometidos até o final da década de 1980, o tempo médio de processamento criminal era de três anos e três meses, na década de 1990 o tempo era de dois anos e cinco meses e nos anos 2000, de um ano e três meses”. (IPEA, 2015, p. 27).

Os ilícitos contra o patrimônio (furto e roubo) são o maior motivo de prisão tanto entre os reincidentes como entre os não reincidentes e os que cometem crimes contra a pessoa (homicídio, lesão corporal) estão entre os que menos reincidem:

Figura 8 – Índice de Reincidência por Tipo Penal

Fonte: IPEA (2015, p. 29).

A pesquisa também atestou a manutenção da prisão provisória como prática constante, sendo que 54,3% dos pesquisados encontrava-se preso no momento de sua condenação (IPEA, 2015, p. 29). Sendo a não reincidência um requisito para a aplicação de penas restritivas de direitos em lugar da pena privativa de liberdade, outro dado levantado pela pesquisa foi que 89,3% dos reincidentes foram novamente condenados a penas privativas de liberdade (IPEA, 2015, p. 30).

Também o relatório conjunto IPEA/CNJ, a partir dos dados relacionados à reincidência, chegam à conclusão da necessidade de mudanças político-criminais:

Esse grave problema tem levado o poder público e a sociedade a refletirem sobre a atual política de execução penal, fazendo emergir o reconhecimento da necessidade de repensar essa política, que, na prática, privilegia o encarceramento maciço, a construção de novos presídios e a criação de mais vagas em detrimento de outras políticas. (IPEA, 2015, p. 12).

As conclusões do relatório reforçam a gravidade do insuficiente aparelhamento da Defensoria Pública em todo o país:

A Defensoria Pública, que deveria teoricamente ser responsável pela assistência jurídica gratuita aos presos, em nenhuma das situações estudadas possuía estrutura adequada para o atendimento da expressiva demanda, fato que implicava a demora em marcar audiências, conseguir benefícios e acompanhar a progressão de regime. No contexto de baixíssima

atuação da Defensoria Pública, os mutirões carcerários realizados pelo Poder Judiciário eram considerados de extrema importância. (IPEA, 2015, p. 112).

Assim, o relatório é um demonstrativo da rede de controle exercida pelo Estado sobre os cidadãos, conforme comentado em trecho anterior, como também demonstra que o aumento quantitativo e qualitativo da reincidência são um sinal da ineficácia do sistema punitivo em relação aos seus fins. (CASTRO, 2005, p. 134).