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dificuldades no primeiro processo

Após os primeiros cuidados com o armazenamento dos azulejos, o tempo de secagem, a profundidade dos sulcos na frente e no verso de cada peça (no verso para aumentar a aderência), a etapa mais importante foi a primeira queima.

A primeira queima é a responsável por transformar a argila em cerâmica, após atingir a temperatura ideal dentro do forno. Na primeira fornada, coloquei 77 peças em sentido vertical apoiando-as em mobílias refratárias, considerando um espaço para a passagem do calor entre elas. Utilizei o forno elétrico da universidade e fizemos uma queima de baixa temperatura entre 780º - 800ºC, em 10 horas, elevando lentamente a temperatura nas primeiras horas como prevê o procedimento padrão.

O processo da queima também faz parte da arte de um ceramista: saber como e quando realizá-lo, conhecer as temperaturas, as argilas, o tempo e a elevação, discernir os barulhos que vem do forno são uma arte à parte. Segundo Nakano (1989, p.29), “... o fogo representa o lado incontrolável da Natureza; cabe ao ceramista unir sua energia à do Fogo e acompanhar a sua evolução natural”. Não podia descartá-lo do processo, nem adiar por mais tempo ou responsabilizar outra pessoa por essa função. Durante a graduação, grande parte dos alunos acaba se ocupando apenas com a prática manual da modelagem, não tornando habitual montar o forno ou acompanhar os processos técnicos

Fig. 95 Daniela Bueno Forno sendo montado para a primeira queima, 2006

exigidos por ele. Entre as razões, há o desinteresse por parte dos alunos. Além disso, por se tratar de um trabalho que exige conhecimentos específicos, a maioria das universidades contrata especialistas ou técnicos capacitados para realizarem essa função.

Um dia e meio depois da queima... Cacos, pedaços, partículas, restos, sobras, fracassos... Era o que havia resultado da primeira fornada, das 77 placas levadas ao forno 67 sofreram rachaduras e trincas de médio a grande porte.

Dentre os motivos que poderiam ter causado essa perda, a principal foi a qualidade do barro, e tal problema deveria ser imediatamente sanado a partir daquele momento. O tempo de secagem foi outro fator: os azulejos secaram rapidamente por não receberem a proteção adequada. A disposição das placas no forno no sentido vertical foi

uma tentativa arriscada.

Independentemente das causas, todas elas deveriam ser avaliadas com atenção. Foram três meses de trabalho que precisavam ser retomados. Para isso, foi necessário rever os materiais e a forma de execução, como estava ocorrendo a armazenagem das peças, o tempo de secagem, a profundidade dos vincos etc. A carga emocional depositada naquele processo devia ser revista. Foi preciso desfazer-se do apego por aquela matéria argilosa e sedutora, exercitar em dobro a paciência, livrar-se do desvelo exagerado dos acabamentos, características fortes no meu manuseio com o

3.4.3฀ As perdas no forno, restauro e novos planos

Fig. 96 Daniela Bueno Azulejos trincados, retirados da primeira queima

barro.

Após uma breve tentativa de restauro sem sucesso das peças danificadas, retomei o trabalho utilizando outra massa cerâmica a fim de verificar, inicialmente, problemas na espessura das placas. Testando os primeiros formatos menos simétricos e uma escrita mais delicada, feita com letra manuscrita, menos profunda, a espessura das placas diminuíra, mas era um elemento importante a ser avaliado.

Jamais se vive num único plano ou numa única direção. Nos vários momentos, as coisas se conjugam de maneiras

diversas e se interligam para novos fatos, novas possibilidades, sobretudo quando envolvem nossos sentimentos, valores, decisões e posições que temos que tomar. (OSTROWER, 1995)

Em quantidade menor que as anteriores, novas placas em argila

paper-clay de tonalidade marfim, foram levadas a uma segunda fornada de

biscoito. O resultado, como podemos observar nas figuras 97-98, foi equivalente ao primeiro.

Em meio a essas duas perdas foi preciso rever todo o projeto. Entre uma queima e outra, alguns pequenos testes de esmaltação apresentaram resultados bem interessantes que refletiram em novas idéias, que conjugavam a não regularidade das peças. Diante de tantos imprevistos, os resultados inusitados como, por exemplo, os testes de esmaltação, inspiraram outro olhar diante de excessivas dificuldades técnicas.

Esses imprevistos indesejados levaram-me a repensar o trabalho desde a sua concepção inicial. Os processos artísticos promovem reflexões múltiplas, bem como as reformulações íntimas que fazemos ao

Fig. 97 e Fig. 98 Daniela Bueno Biscoitos trincados da segunda queima, argila paper-clay e os cacos saídos do forno após a segunda queima

longo da vida. É sensato admitir as fragilidades existentes numa obra ou em si mesmo para que possam ser transformadas. De acordo com Fayga Ostrower, é preciso reconhecer a evolução natural das “coisas”, rever alguns pontos específicos desse processo, para finalizá-lo, e dar início ao um novo procedimento técnico e formal:

Em qualquer trabalho artístico, tanto no âmbito das artes plásticas como nos de música, dança, teatro etc, haverá escolhas a serem feitas. Ou seja: dentre numerosos rumos possíveis, o artista escolhe algum que ele sinta como apropriado - todas as outras possibilidades sendo eliminadas, “destruídas” por ora, nesta escolha feita. Entretanto, a criação jamais deve ser confundida com um mero ato de destruição. Destruição sem reconstrução simultânea não tem sentido algum na arte. Significa um ato de vandalismo, ou talvez de suicídio, mas nunca um ato artístico. Quando Picasso diz: “em cada ato criador há um ato destruidor”, ele se refere a esta atitude seletiva, na adequação da linguagem aos conteúdos expressivos. É a seletividade estilística, indispensável ao processo criador. (OSTROWER, 1995, p.18-19)

Repensar o trabalho como um todo significava rever o caráter monumental e linear, esquecer a geometria, o quadrado, o padrão de um azulejo utilizados nas indústrias. Havia outras dimensões possíveis dentro da produção artística de painéis criados por outros artistas. O foco era o conteúdo, a memória, as placas transcritas não precisam ser de fato azulejos, mas sim, o suporte das recordações. O painel precisava ser flexível e a artista aberta a novas reformulações mentais e processuais.

3.4.4. A relacao entre a ceramista,