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3. REVISÃO DA LITERATURA

3.4. Processos Anaeróbios

3.4.2. Digestão anaeróbia dos resíduos sólidos

A digestão anaeróbia dos resíduos sólidos urbanos em aterros é, usualmente, sub-dividida em três etapas: decomposição aeróbia, fermentação e, por fim, metanogênese.

Conforme descrito pelo IPT/CEMPRE (2000), a decomposição aeróbia é relativamente curta, com duração média de aproximadamente um mês, período no qual a quantidade ainda disponível de oxigênio é consumida rapidamente. Segundo LO (1996) apud IPT/CEMPRE (2000), em aterros rasos, com profundidades de até 3 metros, esta fase pode perdurar mais tempo.

A etapa seguinte de fermentação pode ser entendida como a sucessão de três momentos distintos: hidrólise, acidogênese e acetogênese. Estas etapas ocorrem de forma semelhante ao

que foi descrito no item anterior, com a conversão do material orgânico particulado em compostos mais simples, solúveis, assimiláveis pelos microrganismos. Durante este período, o lixiviado drenado de aterros sanitários caracteriza-se por uma elevada concentração de nitrogênio amoniacal e ácidos graxos voláteis, com a solubilização de materiais inorgânicos e metais pesados (IPT/CEMPRE, 2000).

Se mantidas condições minimamente favoráveis, desenvolver-se-á um grupo específico de microrganismos responsáveis pelo consumo dos ácidos orgânicos simples: as arqueas metanogênicas. Estes microrganismos, se valendo da grande disponibilidade de substrato acidificado para seu metabolismo, produzem grandes quantidades de metano que, por ser pouco solúvel, perde-se facilmente para a atmosfera ou, preferivelmente, é tratado e/ou aproveitado na geração de energia.

Por fim, após a redução da concentração de ácidos voláteis, restam os compostos recalcitrantes, de difícil degradação bioquímica, como os ácidos fúlvicos e húmicos, resultantes da decomposição de tecido vegetal morto, que contribuem significativamente para a coloração escura do chorume nesta etapa (IPT/CEMPRE, 2000).

LIMA (2000a) propõe, ainda, uma fase posterior à metanogênese, denominada de “fase alcalinogênica”, caracterizada essencialmente pela formação de hidróxidos e a precipitação de metais pesados que se tornam, assim, mais estáveis e pouco solúveis. Conforme descrito por CHERNICHARO (1997), a degradação de certos compostos orgânicos podem resultar no incremento da alcalinidade do meio – por exemplo, conversão de ácidos graxos voláteis intermediários, proteínas e aminoácidos, com a formação de bicarbonatos.

Entretanto, apesar de haver uma compreensão geral do encadeamento e das fases de decomposição anaeróbia do lixo urbano aterrado, faz-se necessário o entendimento mais completo e aprofundado dos fenômenos observados. Isto, passa, primeiramente, pela caracterização do lixo, através da determinação de suas propriedades físico-químicas e da comunidade microbiana presente.

Neste sentido, a determinação da composição química do lixo é, por certo, uma ferramenta valiosa para a elaboração de diagnósticos precisos e de modelos probabilísticos para estimativas do comportamento de variáveis de controle: carga orgânica dos líquidos lixiviados, produção de biogás, lixiviação de metais, solubilização de compostos tóxicos e outros.

Segundo GOMES et al. (1999), a celulose constitui a maior fração de carbono orgânico nos resíduos sólidos. Em seu trabalho, os autores verificaram a degradação da celulose a açúcares e ácidos orgânicos, afirmando o potencial dos microrganismos anaeróbios celulolíticos na degradação da fração celulósica dos resíduos sólidos urbanos.

Ademais, faz-se também necessário o monitoramento da evolução temporal das condições de biodegradação anaeróbia dos resíduos, o que possibilita a identificação e correção de situações anômalas de temperatura, umidade, pressão, acidez e outros.

A determinação in situ da temperatura no interior das células de aterramento pode fornecer dados importantes sobre a digestão anaeróbia do lixo. ARAGÃO et al. (1999) aferiram, através do uso de termopares, uma grande variação de temperatura a partir da superfície do aterro, da ordem de 27 a 56oC, atribuindo tais resultados ao aumento da umidade e, conseqüentemente, da atividade microbiana nas zonas mais profundas. O mesmo autor ainda cita como possível causa da elevação da temperatura, a conversão de óxidos de cálcio e magnésio a hidróxidos, com liberação de grande quantidade de calor. TCHOBANOGLOUS et al. (1993) descreveram que a degradação da massa orgânica de resíduos é acompanhada pela elevação da temperatura.

O teor de umidade constitui-se em outro fator de interesse. CHRISTENSEN et al. (1989) apud HAMADA (1997) estimaram o consumo de água durante a decomposição anaeróbia dos constituintes orgânicos facilmente degradáveis através da seguinte formulação química aproximada:

C66H111O50N + 16H2O → 35CH4 + 33CO2 + NH3

Alguns autores propuseram faixas ótimas de umidade, correspondentes às condições nas quais a biodigestão anaeróbia da fração putrescível se processa em taxas elevadas. PINTO et al.

(2000b), ao se reportar à literatura, comentou que um teor de umidade igual a 74% é ideal para ocorrer a metanogênese. Segundo PALMA et al. (2000), observa-se uma notável melhoria no processo de bioestabilização da fração orgânica dos resíduos aterrados quando o teor de umidade situa-se entre 50 e 70%.

Todavia, aparentemente, não faz nenhum sentido a definição de um limite máximo de umidade para a digestão anaeróbia. Esta preocupação se justifica somente na biodegradação de resíduos orgânicos por via aeróbia – por exemplo, na compostagem – pois, neste caso, um alto teor de umidade pode ocasionar a colmatação de macroporos, restringindo a disponibilidade de ar e, conseqüentemente, de oxigênio no meio.

Se por um lado, é usualmente simples a verificação e manutenção de condições ambientais adequadas para o desenvolvimento da comunidade de microrganismos decompositores, por outro, o amplo entendimento das interações entre os seus diversos grupos, bem como a definição precisa de seus papéis na complicada trama da biodigestão dos resíduos aterrados, nem sempre é fácil ou, mesmo, possível.

BARLAZ et al. (1990) apud GOMES et al. (1999) destacaram a necessidade de uma melhor compreensão da comunidade de microrganismos em aterros sanitários, definido-se, claramente, os níveis tróficos existentes e, em particular, as relações entre bactérias acetogênicas e arqueas metanogênicas hidrogenotróficas na competição pelo mesmo substrato gasoso.

Várias pesquisas têm apresentado esforços neste sentido, dentre as quais merecem destaque as referenciadas por BALDOCHI et al. (1996), que citam diversos estudos nos quais muitas das espécies de microrganismos envolvidos nos processos anaeróbios de degradação dos RSU foram isoladas e identificadas: arqueas metanogênicas – Methanosarcina sp, Methanobrevibacter sp, Methanobacterium sp, Methanosarcina barkeri, Methanogenium sp – e bactérias acidogênicas – Megasphaera elsdenii, Selenomonas sp.

SOARES et al. (2000) citaram alguns trabalhos que registram um alto grau de contaminação dos resíduos sólidos domésticos por microrganismos patogênicos. Entre os trabalhos referenciados, deve-se destacar os de ALTHUS et al. (1983) e de ZANON e EIGENHEER (1991), ambos afirmando que os resíduos domiciliares apresentam maior contaminação que os resíduos de serviços de saúde, bem como o estudo de COLLINS e KENNEDY (1992) que alertaram para o risco de contaminação microbiana do chorume de aterros, após serem identificadas várias espécies de patógenos. TUMBERG (1991) apud SOARES et al. (2000) atribuiu a elevada contaminação dos resíduos domiciliares à eventual presença de fezes, sangue, excreções e secreções em lenços de papel, absorventes higiênicos, preservativos, curativos, seringas e outros descartáveis.

Entretanto, SOARES et al. (2000) alertaram para a incorreção quando da análise somente do número de microrganismos encontrados, desconsiderando-se a cepa a qual pertencem. Os autores ressalvaram que as cepas presentes nos resíduos hospitalares são mais resistentes que aquelas presentes nos resíduos domiciliares e, portanto, oferecem um risco maior à saúde pública. Assim, justifica-se a preocupação de confinamento em separado dos resíduos de centros de saúde em aterros sanitários.

Finalmente, o conhecimento prévio dos tempos médios usualmente observados na degradação dos diversos constituintes do lixo urbano aterrado, bem como das taxas pelas quais se processam tais fenômenos, permite a elaboração de estudos de concepção e dimensionamentos da infra-estrutura de aterros com maior precisão e acuidade.

Na avaliação da inoculação da digestão de RSU com lodo de esgoto sanitário, LEITE et al.

(1999) verificaram um tempo de bioestabilização da fração orgânica putrescível dos resíduos sólidos urbanos superior a 600 dias. Segundo HAMADA (1997), sob condições normais de operação, os resíduos considerados “rapidamente biodegradáveis” – restos de alimentos, papel, papelão – levam, em média, 6 anos para sua estabilização. Por sua vez, os resíduos

“lentamente biodegradáveis” – têxteis, madeira – necessitam de um período bem maior, estimando-se um tempo médio para sua total estabilização de aproximadamente 16 anos.

Entretanto, os processos de biodegradação do lixo urbano confinado em aterros sanitários podem se estender por muitos anos, fazendo-se necessário o monitoramento por até mais 30 anos após o encerramento das operações de aterramento, período durante o qual ainda se pode detectar alguma produção de biogás (GONZÁLEZ et al., 1996).