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4. MATERIAL E MÉTODOS

4.1. Plano de Amostragem dos Resíduos Sólidos

Figura 4.1: Procedimentos de amostragem e caracterização dos resíduos sólidos.

4.1.1. Definição do Tipo de Amostra

Inicialmente, verificou-se a possibilidade de preenchimento dos reatores com uma massa de resíduos composta de materiais segregados e não contaminados, em proporções usualmente descritas na literatura. Entretanto, devido ao grande volume dos reatores experimentais (cerca de 700 litros cada) e à preocupação com a perda do caráter fidedigno do experimento, seja pela dificuldade em se reproduzir com veracidade a atual composição do lixo urbano, seja pela interferência em fatores cujos efeitos são desconhecidos – ausência de populações de microrganismos, compostos tóxicos – tal hipótese foi rejeitada.

Desta forma, escolhida a opção de amostragem do lixo urbano gerado no município, outra questão se punha ao grupo de trabalho: Como obter uma amostra representativa, evitando possíveis distorções na composição dos resíduos amostrados, considerando-se a grande variabilidade da natureza do lixo urbano e a existência das diversas atividades econômicas no município de Belo Horizonte?

Primeiramente, considerando-se a escala do experimento, correspondente a três módulos ou linhas de operação distintas com 2,1 m3 cada (3 reatores de 700 litros, por linha), tomou-se como válida a premissa de que a exclusão de materiais potencialmente tóxicos à comunidade de microrganismos decompositores era necessária.

Adicionalmente, em muitos casos, não se pratica a co-disposição do lixo urbano com o lixo hospitalar – drogas farmacêuticas, seringas, materiais descartáveis contaminados e demais resíduos provenientes de farmácias, postos de saúde, hospitais, clínicas médicas, odontológicas, veterinárias e outras – que é destinado a uma célula em separado.

Diferentemente, a Resolução CONAMA no 283/2001 torna facultativa a disposição em separado dos resíduos infectantes provenientes dos serviços de saúde, à exceção de medicamentos com data de validade prescrita, os quais devem ser devolvidos ao fabricante.

No aterro sanitário de Belo Horizonte, a SMLU pratica a co-disposição destes resíduos com o lixo urbano desde 1999.

Por sua vez, para outros resíduos perigosos, tais como pilhas e baterias, existe uma legislação em vigor – Resolução CONAMA no 257/1999 – que induz as indústrias à reciclagem ou reutilização de seus produtos, prolongando o ciclo de vida destes materiais e restringindo a disposição final dos mesmos em aterros, mesmo que, ainda, a realidade seja bastante diferente.

Procurar-se-ia, então, excluir da massa de lixo amostrada todos os resíduos potencialmente tóxicos ou cujas dimensões inviabilizassem seu confinamento no interior dos reatores experimentais: pneus, mobílias, eletrodomésticos, etc. Neste sentido, buscou-se preencher os digestores (reatores de RSU) com o lixo de origem predominantemente domiciliar (ou residencial), retirando algum destes materiais da amostra, caso identificados por simples inspeção visual.

4.1.2. Definição da forma de amostragem

Após a definição do tipo da amostra – lixo urbano majoritariamente composto por resíduos gerados nas residências, isento de materiais potencialmente tóxicos – fez-se necessário decidir qual a forma de obtenção das amostras, se através da coleta do lixo em domicílios pré-estabelecidos ou se pela amostragem aleatória da carga de um veículo coletor.

A primeira opção fazia-se interessante pela possibilidade de se amostrar o lixo em regiões previamente conhecidas, evitando-se, assim, resíduos de origem predominantemente comercial, hospitalar, industrial ou oriundos de atividades atípicas – feiras-livres, entulho de obras civis ou “bota-foras” – e, com isso, reduzir a probabilidade de distorções pela especificidade da natureza destes resíduos. Ademais, a etapa de segregação dos materiais seria facilitada pois os resíduos ainda não teriam sofrido uma mistura mais íntima durante a coleta por caminhão tipo “compactador”.

Contudo, considerando-se as restrições de equipamento e os prazos relativamente curtos para a realização desta atividade, somadas à possibilidade de não concordância por parte dos moradores dos domicílios selecionados em ter seu lixo “investigado”, a opção de recolhimento do lixo porta a porta ficou comprometida.

Logo, restou a segunda opção, ou seja, de se amostrar aleatoriamente o lixo urbano coletado e transportado até o aterro municipal. Desta forma, conjuntamente com a instituição parceira do projeto (SMLU) e, observando-se o disposto na definição do tipo de amostra (item 4.1.1), foram listados uma série de distritos de coleta que deveriam ser excluídos quando da amostragem do lixo no aterro sanitário. Estes distritos correspondiam a trechos percorridos pelos caminhões de coleta nos quais havia uma intensa densidade ocupacional por pequenos e médios estabelecimentos comerciais, industriais ou centros de saúde.

Uma vez reduzida a possibilidade de amostragem de resíduos de origem predominantemente comercial, industrial ou hospitalar, e, na impossibilidade de realização de uma ampla campanha de amostragem do lixo urbano de Belo Horizonte, definiu-se pela amostragem de 9 das 10 regionais de limpeza pública do município, à exceção da regional Centro.

Tal medida se justifica pelo fato de que a coleta dos resíduos nesta regional é noturna, sendo, assim, difícil adequá-la ao cronograma de trabalho. Ademais, o lixo gerado na regional centro é predominantemente comercial e, portanto, apresenta composição gravimétrica significantemente diferente à do lixo urbano amostrado nas demais regionais, nas quais predominam residências (Figura 4.2).

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Comercial Residencial Geração de Resíduos

Porcentagem (%)

Regional Centro Belo Horizonte

Figura 4.2: Avaliação comparativa da geração média de resíduos na regional centro e em Belo Horizonte. Modificado de MERCEDES (1997).

MERCEDES (1997) apresentou um levantamento das características sócio-econômicas em todas as regionais de limpeza pública do município de Belo Horizonte, no qual se verificam, através dos indicadores estatísticos, grandes diferenças entre estas regiões. Como ilustração, a Figura 4.3 apresenta uma síntese dos resultados obtidos na avaliação sócio-econômica da população de duas regionais.

0 10 20 30 40

Alto Baixo

Padrão das Habitações Porcentagem (%) Regional Barreiro

Regional Sul

0 20 40 60 80 100

Prédios Térreos Grau de Verticalização Porcentagem (%) Regional Barreiro

Regional Sul

Figuras 4.3: Avaliação das diferentes condições sócio-econômicas entre as regionais de limpeza pública do Barreiro e Sul. Modificado de MERCEDES (1997).

4.1.3. Definição dos critérios de classificação dos materiais constituintes do lixo urbano

Outra dificuldade encontrada no planejamento da amostragem dos resíduos sólidos urbanos foi a adoção de critérios para segregação e classificação dos materiais constituintes da massa de resíduos.

Devido à composição extremamente heterogênea e diversificada do lixo, função de uma série de variáveis sócio-econômicas, temporais e sazonais, particulares de cada região, não existe um consenso geral entre os pesquisadores ou uma regra geral previamente estabelecida na definição dos critérios classificatórios, cabendo a cada um a identificação dos critérios prioritários, sejam eles referentes à natureza dos materiais, tratabilidade ou mesmo ao valor econômico agregado – por exemplo, a possibilidade ou não da reciclagem ou recuperação dos resíduos.

BARROS (1998) apontou possíveis critérios para classificação dos resíduos, entre os quais pode-se citar aqueles referentes à origem (domiciliar, comercial, público), tratabilidade (biodegradável, descartável, reciclável), biodegradabilidade (facilmente, dificilmente ou não degradável) e reatividade (inerte, orgânico, reativo).

Entretanto, a inexistência de uma abordagem única e amplamente aceita, que satisfaça o rigor técnico-científico, dificulta um entendimento mais amplo das características físico-químicas e biológicas dos resíduos sólidos urbanos e, conseqüentemente, a construção de modelos teóricos capazes de explicar os fenômenos de estabilização dos materiais potencialmente biodegradáveis.

GOMES (1989) discursou acerca da falta de apresentação franca das metodologias de amostragem empregadas para determinação da composição física dos resíduos sólidos, apontando tal problema como um grande empecilho à realização de pesquisas futuras na área.

O autor alerta ainda para a necessidade de uma maior normatização neste campo de estudo.

CASTILHOS JÚNIOR apud PINTO (2000b) ressaltou que a variedade e a complexidade dos resíduos sólidos são uma questão delicada do ponto de vista experimental, devido à dificuldade em se reproduzir os experimentos quando se utiliza, como substrato, pequenas quantidades de resíduos. Além disso, a sua aplicação fica limitada para estudos em diferentes locais e momentos.

Havia duas possibilidades a serem consideradas: a relação de materiais apresentada na literatura especializada ou a identificação dos principais materiais constituintes do lixo urbano de Belo Horizonte em trabalhos de caracterização física preliminares, antes do início do experimento.

Por não se encontrarem disponíveis dados atualizados e confiáveis na região de interesse do estudo, uma vez que o estudo mais recente (MERCEDES, 1997) reportava-se a um trabalho desenvolvido entre maio de 1995 a maio de 1996 pela extinta autarquia SLU (Superintendência de Limpeza Urbana), optou-se pela realização de estudos prévios de determinação da composição gravimétrica dos resíduos sólidos urbanos de Belo Horizonte.

Assim, em dezembro de 2000 e abril de 2001, foram amostrados os resíduos sólidos urbanos coletados nas regionais de limpeza publica noroeste e nordeste, respectivamente. Os resultados e conclusões concernentes a ambos os trabalhos foram descritos por COSTA et al.

(2001), e se mostraram de fundamental importância na elaboração de uma proposta de classificação dos resíduos sólidos urbanos de Belo Horizonte, quando da determinação da composição gravimétrica dos resíduos sólidos confinados nos reatores anaeróbios.

Finalmente, a partir da revisão bibliográfica e, principalmente, destes trabalhos preliminares de caracterização, decidiu-se pelo critério de classificação apresentado na Tabela 4.1, elaborando-se planilhas para o registro da pesagem. Assim, cada material foi classificado como “excluído”, “não identificável” ou “identificável”, sendo este último subdividido em três grandes grupos: “rapidamente biodegradável” (grupo I), “lentamente biodegradável”

(grupo II) e “inerte ou pouco biodegradável” (grupo III).

Tabela 4.1: Critérios adotados para caracterização dos resíduos sólidos urbanos.

Definição Grupo Categoria Exemplos

Vidro Embalagens, espelho, superfícies vítreas Metal ferroso Arames, peças, lâminas

Metal não ferroso Embalagens de alumínio, fios de cobre Plástico fino Sacos plásticos

Plástico duro Garrafas, tampas e embalagens plásticas PET Garrafas de refrigerante

Entulho Entulhos da construção civil, pedras GRUPO III

Inertes ou Pouco Biodegradáveis

Outros (1)

Material de higiene pessoal (fraldas descartáveis, absorventes), palhas de aço, parafinas, drogas farmacêuticas, látex (borrachas, preservativos, películas), peças de couro e derivados de petróleo (isopor, espumas)

Papel reciclável Papel de escritório, jornais, revistas Papel não reciclável Embalagens de alimentos, papel higiênico

Papelão Embalagens de papelão

Tetra Pak Embalagens de sucos e leite

Tecidos Roupas, trapos

GRUPO II

Lentamente Biodegradáveis

Madeira Peças de madeira, mobílias Matéria Orgânica

Putrescível

Restos de alimento, tecido animal morto Podas Folhas, galhos, restos da capina

Identificável

GRUPO I Rapidamente Biodegradáveis

Ossos Ossos de animais

Não Identificável

Material Particulado de Difícil Identificação

Material orgânico e inertes úmidos e miúdos, grãos de solo, todos intimamente misturados.

Material hospitalar Seringas, restos de operação Excluído (2)

Material condenável (3) Pneus, pilhas, baterias

(1) – Todo material não excluído, identificado, não passível de classificação nas demais categorias (2) – Material segregado da massa de resíduos, descartados antes da determinação de seu peso úmido

(3) – Material cuja destinação ao aterro sanitário acredita-se tecnicamente inadequada ou condenável por força da legislação ambiental

4.1.4. Definição do volume das amostras

A definição do volume de amostra necessária à determinação da composição gravimétrica da massa total de resíduos amostrados fez-se segundo TCHOBANOGLOUS (1993), o qual considerou a carga total de um caminhão, em um dia típico de coleta, uma amostra representativa do lixo urbano residencial. O mesmo autor citou ainda outros estudos nos quais aferiram-se variações pouco significativas entre amostras de 90 kg a 770 kg (200 a 1700 libras). Assim, devido à dificuldade em se pesar os resíduos no local de amostragem – pátio de triagem e compostagem do aterro sanitário de Belo Horizonte – e, estimando-se o peso específico médio do lixo não compactado em torno de 200 kg/m3, procurou-se preencher plenamente o volume correspondente a cinco tambores metálicos de 100 litros cada.

Por sua vez, devido às condições operacionais relativas aos equipamentos, tempo e mão-de-obra disponíveis, definiu-se um volume de preenchimento diário, por reator, de cerca de 40 kg (2 tambores metálicos de 100 litros), ou seja, um volume diário correspondente a 360 kg (18 tambores metálicos de 100 litros). Desta forma, planejou-se a amostragem de um volume diário total de 460 kg de lixo urbano, sendo 360 kg para preenchimento simultâneo dos nove reatores de RSU e 100 kg para determinação da composição gravimétrica.

Diante da impossibilidade de se determinar a variação do peso durante os procedimentos de amostragem, estimou-se um volume inicial da ordem de 7 a 9 toneladas e a redução da massa de resíduos pela metade após cada quarteamento. A Figura 4.4 apresenta o esquema geral de amostragem e caracterização física dos resíduos sólidos urbanos utilizados para o preenchimento dos reatores anaeróbios.

Figura 4.4: Esquema diário de trabalho para amostragem, determinação da composição gravimétrica e preenchimento dos reatores.

4.1.5. Composição da equipe de trabalho

Nos trabalhos anteriores de amostragem e caracterização dos resíduos da regional noroeste e nordeste, devido à natural rejeição ao manuseio dos materiais presentes na massa de resíduos, verificou-se uma grande dificuldade em se compor uma equipe apta ao cumprimento das atividades planejadas. Os funcionários da SMLU mostraram-se descontentes com as tarefas propostas e, nas duas oportunidades, após pouco tempo iniciada a segregação dos materiais, o rendimento do trabalho já era insatisfatório e incompatível com o tempo disponível.

Tal fato motivou a contratação de pessoal junto à Associação dos Catadores de Papel e Materiais Recicláveis de Belo Horizonte (ASMARE). A equipe ASMARE, em sua totalidade de mulheres, já afeitas ao trabalho árduo e minucioso de segregação de diversos materiais no lixo, conseguiu cumprir com eficiência as tarefas designadas.

A equipe ASMARE foi dividida em duas frentes de atividades. Na primeira frente, após a segregação mecanizada da massa de resíduos, ainda pela manhã, juntamente com a equipe UFMG (2 mestrandos e 1 doutoranda), 2 contratadas ajudavam no preenchimento dos 23 tambores metálicos de 100 litros para transporte até o laboratório (Figuras 4.12 e 4.26).

A segunda frente da ASMARE, por sua vez, contava com o auxílio de mais 3 contratadas que, juntamente com as outras 2 da 1a frente e, sob a orientação da doutoranda Ilka Soares Cintra, faziam a identificação, segregação e pesagem dos materiais contidos em 5 tambores aleatoriamente escolhidos. À tarde, após o término desta atividade, as equipes UFMG e ASMARE trabalhavam conjuntamente no preenchimento dos reatores anaeróbios, com o despejo do conteúdo dos 18 tambores restantes (2 tambores por reator).

4.2. Amostragem dos resíduos sólidos urbanos de Belo Horizonte no aterro