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3. REVISÃO DA LITERATURA

3.6. Poluição por Lixiviado de Aterros

3.6.1. Fatores Determinantes da Vazão e das Características Físico-Químicas do Chorume

A vazão e as características do chorume estão intrinsecamente relacionadas e dependem, basicamente, das condições climatológicas e hidrogeológicas existentes na região do aterro (precipitação pluviométrica, contribuições pelo escoamento superficial ou subterrâneo), das características dos resíduos aterrados (teor de umidade, composição química de seus constituintes), e, por fim, da infra-estrutura e das condições de operação do aterro (existência de drenos para coleção das águas superficiais, tipo de material utilizado na cobertura das células de aterramento, grau de compactação dos resíduos, recirculação ou não dos líquidos lixiviados).

Desta forma, ao se considerar os limites do volume de resíduos aterrados, todos estes fatores impõem as condições de contorno do problema, sendo possível , então, estimar a produção dos líquidos lixiviados e a concentração de seus poluentes através do balanço hídrico e de massa, identificando-se as mais significativas contribuições e perdas de massa e de água no sistema.

A compreensão do balanço de massa e do balanço hídrico, com a identificação das principais rotas metabólicas de transformação microbiana do substrato orgânico e de assimilação de nutrientes, permite dimensionar apropriadamente as unidades de tratamento do chorume.

Adicionalmente, o balanço de massa e o balanço hídrico são ferramentas essenciais para a construção de modelos teóricos que possibilitam vislumbrar cenários futuros prováveis, sendo possível estimar o tempo médio para observação dos diversos estágios de degradação dos resíduos sólidos.

TCHOBANOGLOUS (1993) apresentou uma equação geral para o balanço hídrico de um aterro, computando-se toda a massa de água por unidade de área para uma determinada camada. Além do teor de umidade presente no lixo a ser confinado e no material de cobertura, deve-se prever a infiltração de água superficial e as perdas de água na formação do biogás, como vapor d’água saturado, assim como na evaporação e na drenagem do lixiviado. Assim, após o cálculo da variação da quantidade de água armazenada no interior do aterro e, considerando-se a capacidade de campo, ou seja, a capacidade de retenção de água submetida ao empuxo gravitacional, pode-se estimar a produção do chorume.

Por sua vez, o balanço de massa traduz-se na metabolização contínua, por via anaeróbia, da fração orgânica dos resíduos sólidos urbanos, lentamente ou rapidamente biodegradáveis, por comunidades de microorganismos decompositores, principalmente fungos e bactérias saprófitas. Os fenômenos físico-químicos observados ao longo do lento mecanismo de conversão microbiana dos compostos orgânicos encontram-se descritos em maiores detalhes nos itens 3.4.1 e 3.4.2.

3.6.2. Alternativas de tratamento do chorume

Existem diversas alternativas para o tratamento dos líquidos lixiviados de aterro sanitário que, sob uma perspectiva mais geral, podem ser classificadas em três grandes grupos: tratamento por meio de equipamentos e unidades internas aos limites do próprio aterro – tratamento in situ –, tratamento conjunto com o esgoto sanitário em estações localizadas fora dos domínios do aterro, ou mesmo, a combinação das duas possibilidades anteriores.

Nos Estados Unidos, a opção mais comum de tratamento do chorume se dá através de sua descarga na rede pública de esgotamento sanitário, e tratamento combinado com o esgoto doméstico. Entretanto, diversos estudos mostram que, caso a aplicação do lixiviado for superior a 2% da carga hidráulica afluente de esgoto sanitário, as estações de tratamento de esgoto podem ter suas operações prejudicadas (EPA, 1995). ROBINSON & MARIS (1985) apud CLARETO et al. (1996) constataram que o tratamento combinado do chorume e das águas residuárias, através de processo aeróbio, foi capaz de remover DBO e DQO com eficiência superior a 90%.

Por sua vez, independentemente do local de tratamento dos líquidos lixiviados, sob a perspectiva da natureza dos processos envolvidos na remoção dos poluentes, o tratamento do chorume usualmente envolve ambas ou alguma das seguintes modalidades de processo:

físico-químico e biológico.

O tratamento físico-químico do chorume pode envolver o emprego de diversas tecnologias, dentre as quais pode-se citar: diluição, filtração/ultrafiltração, coagulação/floculação, precipitação, sedimentação, adsorção/absorção, troca iônica, oxidação química, osmose reversa, evaporação/vaporização e lavagem com ar (QASIM & CHIANG, 1994 e CHRISTENSEN et al., 1989 apud IPT/CEMPRE, 2000).

ARRUDA et al. (1996) apud PESSIN et al. (1997) citaram que a eficiência do tratamento físico-químico do chorume do aterro sanitário de São Giácomo (Caxias do Sul – RS), no qual se empregam operações de coagulação, floculação, sedimentação, filtração e oxidação, tem atingido valores de 60% de remoção de metais pesados e 30% de DQO.

SILVA et al. (2000) ressaltaram que a eficiência da precipitação química depende da quantidade e do controle da dosagem do produto, citando valores de 80 a 90% de remoção de sólidos suspensos, 70 a 80% de DBO5 e 80 a 90% de bactérias. Estes autores sugeriram ainda a aplicação de cloreto férrico como coagulante/floculante, ao invés sulfato de alumínio, devido ao elevado grau de impurezas deste último e à dificuldade de solubilização em elevadas concentrações. É ainda possível o emprego de processos físico-químicos no tratamento de lixiviados oriundos de aterros que apresentam baixa relação área/volume e, conseqüentemente, menor vazão drenada. Isto se justifica pois, o aumento do consumo de produtos químicos não é proporcional ao incremento da concentração de contaminantes no chorume.

FORGIE (1988) apud HAMADA et al. (2000) diz ser indicado o tratamento biológico (aeróbio ou anaeróbio) do chorume quando o mesmo apresenta elevada DQO (acima de 10.000 mg/L), baixa concentração de nitrogênio amoniacal, uma relação DBO5/DQO entre 0,4 e 0,8 e elevada concentração de ácidos graxos voláteis. No caso de um chorume mais antigo, com DQO na faixa de 1.500 a 3.000 mg/L, DBO5/DQO menor que 0,4 e elevada concentração de nitrogênio amoniacal, o autor indica o tratamento físico-químico, sendo ainda interessante o emprego do tratamento aeróbio como auxiliar na remoção de nitrogênio amoniacal (N-NH3 ou N-NH4+

). Para uma relação DBO5/DQO muito baixa, menor que 0,1, possivelmente devido à baixa concentração de ácidos voláteis, a única alternativa apontada é o tratamento físico-químico. Segundo HAMADA et al. (2000), o tratamento físico-químico deve ser entendido como uma alternativa complementar ao tratamento biológico pois, se considerado isoladamente, sua aplicabilidade fica restrita ao chorume proveniente de aterros bastante antigos.

Entretanto, não é correto imaginar que o tratamento do chorume, drenado em células antigas de aterro sanitário, encontra-se restrito aos processos físico-químicos. Alguns trabalhos afirmaram que a vermicompostagem propicia um efetivo arrefecimento das cargas poluidoras do lixiviado de células antigas (BIDONE, 1999; REICHERT et al., 2000). Em seu experimento, REICHERT et al. (2000) utilizaram o chorume para a rega de leiras constituídas de composto de lixo urbano e estrume bovino, na presença ou ausência de minhocas (minhoca

vermelha da Califórnia, Eisenia Foetida). Em ambos os casos, ou seja, durante a vermicompostagem ou após a obtenção do vermicomposto, os autores aferiram uma elevada remoção das cargas orgânicas, metais pesados e, principalmente, nitrogênio total Kjeldahl, atribuindo tal fato à capacidade quelante e complexante do húmus.

Algumas outras modalidades de tratamento biológico consistem na aplicação do lixiviado de aterros em ecossistemas especiais, wetlands naturais ou construídos, com a metabolização dos compostos orgânicos, e incorporação e fixação de poluentes na biomassa vegetal (GOMES et al., 1996; GSCHLOBL et al., 1998; ROBINSON et al., 1991 apud FERREIRA et al., 2001).

A partir da constatação da elevada produtividade de biomassa vegetal em um banhado recebendo o lixiviado de aterro sanitário, previamente tratado em reatores anaeróbios e num sistema de lagoas de estabilização e maturação, WALDEMAR (2000) ressalta o elevado potencial de um conjunto de espécies de macrófitas aquáticas atuando em consórcio com microrganismos no tratamento do chorume.

Existem, ainda, diversos outros tipos de tratamento biológico de chorume descritos na literatura, envolvendo o emprego de processos aeróbios e/ou anaeróbios. Os processos aeróbios incluem, necessariamente, os sistemas de lodos ativados, filtros biológicos aerados e lagoas aeradas. Por sua vez, os processos de digestão anaeróbia de lixiviados de aterros podem se dar em lagoas anaeróbias, filtros percoladores anaeróbios, reatores UASB e outros.

EPA (1995) citou que, na impossibilidade de tratamento combinado do esgoto doméstico com o chorume diretamente lançado na rede pública de coleta, sem nenhum tratamento prévio, o sistema de lagoas de estabilização – lagoas aeradas ou facultativas – mostra-se uma alternativa interessante. O pré-tratamento em sistemas de lagoas de estabilização é capaz de tratar líquidos lixiviados com DBO < 100 mg/L e promover a nitrificação, viabilizando o tratamento posterior destes efluentes conjuntamente com o esgoto sanitário.

Semelhantemente, MAEHLUM et al. (1995) apud FERREIRA et al. (2001) comentaram que as lagoas aeradas são utilizadas como etapa que precede o tratamento combinado do chorume em estações de tratamento de esgoto.

Adicionalmente, em seu estudo de concepção para implantação de um sistema de tratamento de lixiviado de aterro sanitário, HAMADA et al. (2000) apontaram o tratamento anaeróbio seguido de lagoa facultativa como uma alternativa bastante interessante. Enquanto o primeiro é recomendável para redução de elevadas cargas orgânicas, a lagoa facultativa, na ausência de bacias de equalização e devido à sua elevada capacidade volumétrica, torna-se capaz de responder bem às variações de carga hidráulica aplicada, bem como de promover a nitrificação e desnitrificação. BORZACCONI et al. (1996a), avaliando experiências passadas, consideraram a combinação do tratamento anaeróbio seguido do aeróbio como a melhor alternativa.

Alguns autores consideram os processos de tratamento do chorume por via anaeróbia mais vantajosos que os aeróbios (IGLESIAS et al., 1999; BORZACCONI et al., 1999 apud FERREIRA et al., 2001) e, usualmente, recomendam seu emprego quando do tratamento de chorume proveniente de aterros “jovens”, com elevada carga orgânica e razão DBO/DQO.

Conforme descrito pela EPA (1995), o tratamento anaeróbio do chorume com tais características propicia uma remoção maior ou igual a 90% da DBO afluente.

Entretanto, devido à elevada carga orgânica do chorume acidificado, correspondente às fases iniciais de digestão dos RSU em aterros, com a fermentação pela hidrólise de polímeros e formação de ácidos orgânicos, BOOPATHY e TILCHE (1991) apud CLARETO et al. (1996) sugeriram a utilização de reatores compartimentados para o tratamento do chorume, ao invés daqueles de câmara única.

Os filtros biológicos, dentre as alternativas de tratamento por via anaeróbia, são uma das modalidades mais extensivamente pesquisadas. BIDONE et al. (1997) afirmaram que a utilização de aparas de couro “wet blue” como meio suporte de filtros percoladores no tratamento de lixiviados de aterros é uma interessante opção técnica e econômica.

Além disto, deve-se também ressaltar o grande potencial de aplicação dos reatores anaeróbios de fluxo ascendente e manta de lodo (reatores UASB) no tratamento dos líquidos lixiviados de aterros sanitários. IPT/CEMPRE (2000) apontaram o reator UASB como uma alternativa

“privilegiada” para o tratamento do chorume, justificando tal assertiva pela pequena área requerida, baixo custo de implantação e relativa simplicidade operacional do sistema.

BARRUETA & CASTRILLÓN (1992) apud CLARETO et al. (1996) observaram uma eficiência de remoção de DBO de 88% para o tratamento de chorume em reator UASB operando com um tempo de detenção hidráulica de 2,4 dias.

Além da já reconhecida capacidade e viabilidade de tratamento dos esgotos municipais em reatores UASB, SIEGFRIED et al. (1996) discursaram acerca da utilização destes reatores para o tratamento de diversos outros tipos de efluentes no Brasil: vinhaça gerada na produção do álcool etílico, efluentes das indústrias de papel, amido, laticínios e cerveja. Entretanto, especificamente quanto ao tratamento do lixiviado de aterros sanitários em reator UASB, ainda não se dispõem de muitos dados sobre a partida destes reatores (IPT/CEMPRE, 2000).

Por fim, a recirculação do chorume para as células do aterro, além dos benefícios advindos da inoculação da digestão anaeróbia do lixo urbano aterrado (item 3.7.1), se apresenta como uma interessante alternativa para o tratamento do chorume. Esta técnica de tratamento combina uma etapa de pré-tratamento anaeróbio no interior do aterro, com a perda por evaporação dos líquidos recirculados. Em regiões com condições climáticas favoráveis (temperatura, ventos, radiação solar), a evaporação de parte dos líquidos lixiviados que retornam ao aterro propicia uma considerável redução da demanda sobre as unidades de tratamento (IPT/CEMPRE, 2000). Segundo FERREIRA et al. (2001), a recirculação do chorume permite uma maior flexibilidade operacional ao possibilitar o gerenciamento das vazões afluentes às unidades de tratamento.

A Figura 3.8 apresenta um resumo das principais possibilidades de tratamento dos líquidos lixiviados de aterros sanitários.

Figura 3.8: Alternativas de tratamento dos líquidos lixiviados de aterros sanitários por processos biológicos e físico-químicos, em unidades de tratamento próprias ou em estação de tratamento de esgoto sanitário.