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A dimensão da classe social e da etnia: «Gunas e ciganos, são os que não suportam os gays!»

Capítulo 4. Perspetivas, discursos e experiências de jovens estudantes sobre violência e bullying na escola

4.2.2. A dimensão da classe social e da etnia: «Gunas e ciganos, são os que não suportam os gays!»

Afirmar que a expressividade homofóbica na escola tem uma correlação com os processos de constituição da masculinidade heterossexual parece ser evidente nesta e noutras pesquisas as. Contudo, importa ser mais específico sob pena de se produzir uma ideia essencialista de que basta ser-se homem heterossexual para se ser homofóbico, o que não é inteiramente verdade, da mesma forma que – como se discutiu anteriormente – é essencialista dizer que basta ser gay para sofrer homofobia. Nos últimos anos, tem havido algumas críticas ao essencialismo que interliga a masculinidade à homofobia (Anderson, 2009; McCormack, 2012). Dito de modo grosseiro: não se pode simplesmente referir que a culpa da homofobia é do patriarcado heterossexual e lavar daí as nossas mãos o que, muitas vezes, pode até ter o efeito contraproducente de alimentar a retórica do politicamente correto. Aliás, até mesmo Connell (2005), autora que desenvolveu o famosíssimo conceito de “masculinidade hegemónica”, reconhece existirem vários tipos de “masculinidade” que se interinfluenciam e cujo poder – como admite mais tarde – até pode mudar de mãos (cf. Connell, 2005).

O “perfil do homofóbico” tem, pois, que ser intersecionalizado com outras identificações e graus. Ao longo da pesquisa, um dos grupos que os/as jovens tendiam a identificar como mais expressivamente homofóbicos – além do facto de serem rapazes – eram precisamente os jovens rapazes do ‘bairro social’ – e muito particularmente certos subgrupos como “os gunas” (ou “mitras”, no Sul). A referência a um qualquer bairro social, geralmente localizado nas mediações da escola, era comum em alguns GDF’s:

“Hugo: - Conseguem dizer-me quem é que faz mais bullying, que grupos…? Artur: - O pessoal do Bairro! O pessoal do Bairro é que não aceita…

Rosa: - Sim, nós temos aqui um Bairro e nota-se que quem faz mais bullying são eles. Eles é que é tipo, chegam, começam logo a gozar, as pessoas têm medo deles.

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Esta referência ao ‘bairro’ é transversal a vários GDF’s em várias escolas. Na verdade, estes “rapazes do bairro” eram identificados não só como exponencialmente homofóbicos, como perpetuadores do bullying em geral. A homofobia agressiva dos rapazes da classe trabalhadora é sobejamente conhecida (Dews & Law, 1998)80. Muita desta homofobia tem que ser

conceptualizada nas mediações entre a abjeção a um intelectualismo de classe média (Dews & Law, 1998; Epstein, 1998) e uma hipermasculinização, muitas vezes, como a única coisa que resta para fazer frente a um mundo estigmatizado. Mac an Ghaill (1996) observa que são estes “machos lads” que celebram performances de homofobia com maior intensidade. A representação do homossexual como um sujeito protótipo da classe média/alta (intelectual, fashionista, etc.) – francamente redutora – é o que mobiliza o ódio deste grupo em particular contra pessoas LGBT.

É nesse sentido que, baseado nas distinções entre “violência objetiva” (ou “sistémica”) e “violência subjetiva” operadas por Žižek (2008), se pode afirmar que a homofobia enquanto “violência subjetiva” pode ser perspetivada como uma expressão sintomática de uma “violência mais objetiva” relacionada com a desigualdades socioeconómicas de certos grupos de rapazes. Ainda que, por vezes, se assista a uma certa negligência na menção da violência causada por estes/as jovens, não se pode omitir o seu extremo conservadorismo xenófobo, machista e homofóbico, nem o facto de também existires pessoas destes grupos que são LGBT, pois, por vezes, parece que as pessoas LGBT são todas de classe média (Taylor, Casey & Hines, 2010).

Um outro grupo muito referido como imensamente homofóbico eram os ciganos. A homofobia dos ciganos era particularmente evidenciada por alguns jovens:

“Hugo: - Quem é que vocês acham que é mais homofóbico aqui na escola? Pedro: - Os ciganos.

Hugo [não estava à espera de uma resposta tão específica]: - Os ciganos? Pedro: - Sim, vá falar sobre homossexualidade com eles que você vê.

Artur: - É logo porrada! Não querem saber. Eles não admitem isso [a homossexualidade]

Maria: - Andam aqui [na escola] alguns ciganos, e é «pan [não diz a palavra toda]» para aqui, «pan[idem]» para acolá, eles não aceitam, simplesmente não aceitam!” (GDF1, Escola Azul).

Se para a cultura genérica, a homossexualidade já é representada como um atentado aos valores da família (embora, cada vez menos), para a “comunidade cigana”, a homossexualidade

80 Até em estudos etnográficos em que a homofobia não é um objeto de estudo, os investigadores têm-se deparado com episódios em que ela é referenciada como uma realidade palpável como no estudo de Sofia Marques da Silva numa Casa da Juventude com a recusa dos rapazes em verem um filme sobre o tópico da homossexualidade (cf. Silva, 2011) ou até mesmo o clássico de Paul Willis (1978) em que os lads não deixam de se interpelarem com recurso a expressões homofóbicas.

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(masculina) é vista como um atentado à «honra» e aos «bons costumes familiares». Não se pode esquecer que a cultura cigana é, geralmente, mais vincada às estruturas tradicionais heteronormativas de género e de sexualidade que as culturas payas na sua generalidade (Fonseca, 2009). Isto não significa cair no erro de as identificar como “mais primitivas” (Puar, 2007), mas não se pode negligenciar esse tradicionalismo mais vincado, sobejamente conhecido. Importa referenciar que, um elemento de união deve residir na luta contra o preconceito promovido pelas estruturas conservadoras e hierarquizadoras da sociedade. É importante lembrar que nem sempre as pessoas de ambos os grupos expressam atitudes xenófobas ou homofóbicas – há uma enorme complexidade a permear as relações entre as pessoas e histórias que transcendem a lógica narrativa do preconceito ou violência –, mas não pode ignorar como eram estes grupos aqueles que eram particularmente referenciados pelos/as jovens da pesquisa quanto o assunto era bullying, violência e homofobia. Esta observação não se faz no sentido de estigmatizar ainda mais estes grupos, suficientemente estigmatizados por uma sociedade tendencialmente conservadora e xenófoba, como, por vezes, parecem os próprios jovens reificar:

“Hugo: - Ok. Vocês há bocado falaram dos ciganos. Existe muito bullying contra os ciganos? João Filipe: - Contra os ciganos não!

Rúben: - Eles é que são um bocado fora do contexto… João Filipe: - Eles é que fazem bullying!

Hugo: - Ok, e isso é muito comum na vossa escola? João Filipe: - É. O bullying dos ciganos. Acontece imenso… Ruben: - Sim!

Hugo: - Mas vocês não acham que também há o preconceito contrário? Ruben: - Não.

Maria: - Não, até porque as pessoas têm receio [deles].

João Filipe: - Não, porque é assim: está aqui muita gente que tem medo dos ciganos e eles têm a noção que mandam aqui. Mas não mandam! E quando uma pessoa lhes faz frente eles dizem que somos racistas. Podiam ser pessoas normais, digamos assim, podiam respeitar os outros, mas não; podiam ser respeitados, se respeitassem os outros, mas eles acham que eles, ao desrespeitar os outros, têm de ser respeitados na mesma. E uma pessoa quando lhes faz frente, eles defendem-se a dizer que é racismo e não sei o quê. E acabam sempre por dar a volta à situação e ficam sempre a ganhar por causa disso.

Hugo: - E vocês não acham que, vocês próprios não estão a generalizar? Todos fazem isso? Sofia: - Não, só alguns.

João Filipe: - Mas a maior parte sim!

Ruben: - Conheço, dou-me bem com 4 ou 5 que são diferentes, o resto para mim é tudo igual.” (GDF2, Escola Amarela).

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Esta menção faz-se com o sentido de alertar para a necessidade de desenvolver políticas e práticas LGBT que os contemple no sentido de esclarecimento e prevenção da violência homofóbica e heteronormativa. Como sugerem Jorge Gato e Fontaine: “(…) os agentes educativos e psicossociais devem ser sensíveis à maior incidência de preconceito junto das populações masculinas e das pessoas que nunca tiveram contacto com pessoas homossexuais devendo estes ser os alvos prioritários das intervenções.” (2011: 166).

Na verdade, existem diversas pessoas LGBT que provêm de extratos socioeconomicamente mais desfavorecidos e/ou que são de etnia cigana e que, muitas vezes, não são reconhecidas pelas políticas de integração LGBT. Na verdade, é fácil de imaginar como a comunidade cigana raramente teve contacto com questões LGBT. Não se negligencia como, por vezes, essa atribuição da homofobia a outros grupos particulares possa esconder algum excecionalismo branco de classe média (Puar, 2007) nem como estas descrições possam, muitas vezes, ser baseadas em estereótipos para com estes grupos, de si, já socialmente desqualificados; mas também não se pode negligenciar como são estes grupos que são indicados como mais expressivamente homofóbicos por alguns jovens da pesquisa