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5 ANÁLISE DE DADOS

5.4 As dimensões do capital social

5.4.1 Dimensão cognitiva do capital social

Neste segmento, são abordados os três elementos cognitivos do capital social apresentados na revisão da literatura: Valores, Atitudes e Identidades. Uphoff (2000) ressalta que os elementos da categoria cognitiva possuem duas orientações distintas: a) orientação para os outros, que significa confiança e reciprocidade e b) orientação para a ação, para o agir coletivo, que significa cooperação. Assim, percebe-se que os elementos cognitivos se entrelaçam aos elementos relacionais por serem interativos, interdependentes e se reforçarem.

Os valores são princípios ou padrões sociais aceitos ou mantidos por um indivíduo, grupo ou sociedade, constituindo-se em metas desejáveis que servem para guiar a vida das pessoas, bem como para motivá-las a perseguir determinado comportamento. No Arranjo estudado, puderam ser verificados valores de confiança, de solidariedade, de qualidade, de inovação e de crescimento.

Eu sei que as empresas são bem entrosadas umas com as outras, não tem esse negócio de rivalidade. As mesmas coisas que eu fabrico a [...] fabrica, mas aqui é assim, se eu precisar eu vou lá ela me empresta, se ela precisar eu empresto, depois paga na mesma mercadoria(EMPREENDEDOR FORMAL 4).

[...] em qualidade o Marco não perde em nada. O próprio consumidor eles procuram logo os móveis do Marco, porque eles têm essa qualidade, são móveis de madeira pura, tudo é de primeira qualidade, a matéria-prima é de qualidade. O próprio pessoal daqui já adquiriu essa confiança(CLIENTE 2).

O nosso diferencial é a qualidade. Pra você ter uma idéia, nas novelas da Rede Globo, especialmente a das 8, os móveis dos quartos, são daqui de Marco (EMPREGADO DE INSTITUIÇÃO 1).

Este ano foi o ano do Marco, o ano que Marco se destacou [Topmóvel]. O pessoal que chegava lá na feira saía impressionado com o gabarito dos móveis do Marco, da qualidade, da durabilidade (EMPREGADO DE INSTITUIÇÃO 1).

Futuramente quando eu estiver fazendo móveis populares eu pretendo ganhar mercado fora [...]. O pessoal ta querendo muito lá fora [Fortaleza], que eu já coloquei no sofá daqui. Lá não tem quem fabrica e não tem quem venda, aí é essa vantagem que eu vejo em buscar mercado fora (EMPREENDEDOR INFORMAL 5).

Temos os melhores móveis do Nordeste, e a gente quer ser os melhores do Brasil, eu quero estar crescendo junto com eles [indústrias]. Quero crescer na beiradinha dos grandes (FORNECEDOR 1).

Observa-se, pelos depoimentos selecionados, que os valores (elemento do capital social cognitivo) são incorporados por todos os representantes da cadeia de valor do APL. Isto indica que há uma articulação, por parte dos mesmos, em torno de um objetivo comum, diferentemente do que ocorreu em regiões vizinhas que não lograram êxito na mesma atividade produtiva. Neste ponto, o capital social cognitivo dá suporte ao capital social estrutural pelo nível de organização que está se consolidando no Arranjo.

No que diz respeito às Atitudes, elas se referem à reação ou maneira de ser em relação à determinada (s) pessoa (s), objeto (s) ou situações. Segundo Morgan (1977, p. 260), a atitude é “uma tendência de responder a alguma pessoa, objeto ou situação, de modo positivo ou negativo”. No Arranjo estudado, a atitude positiva manifestada com maior freqüência foi a de cooperação.

A gente sempre passa informações para outras empresas, alguma novidade, troca informações e conhecimentos, então se a gente vê um modo mais fácil de produzir, ou se conhece uma pessoa de fora, um profissional que saiba fazer uma produção mais fácil, alguma inovação ou coisa diferente, a gente passa pra associação pra ver se ele tem interesse nessa nova idéia (EMPREENDEDOR FORMAL 2).

[...] então, todos são amigos, aí vai um passando as idéias pro outro [...]. Eu vejo todas [as indústrias] muito interessadas, quando é um negócio de uma feira, fica um ajudando o outro, um arruma o caminhão [...] (EMPREENDEDOR FORMAL 6).

A partir dos depoimentos observa-se a capacidade dos atores compartilharem recursos (tecnológicos, materiais, financeiros, mercadológicos entre outros), bem como esforços, informações e conhecimentos. Esta colaboração é voluntária e está relacionada à existência de um objetivo comum entre os atores que a executam, tornando viável a atitude de cooperação.

Em se tratando da identidade social, que se refere “aquela parte do autoconceito do indivíduo que deriva do conhecimento que ele tem de si como membro de um grupo social (ou grupos) junto com o valor e o significado emocional associado à participação nesse mesmo grupo” (TAJFEL, 1982, p.24), foi percebido o sentimento de inclusão dos atores ao território e à produção de móveis, demonstrando a identificação destes com o seu meio.

Você não sabe a emoção, imagina entrar numa feira de móveis e encontrar um pavilhão só com os móveis de Marco, é muito lindo, você ver só o seu povo ali, é lindo demais (EMPREGADO DE INSTITUIÇÃO 1).

Agora é que nós estamos começando. Seremos talvez os melhores do Brasil porque hoje somos os melhores do Nordeste. Temos os melhores móveis do Nordeste, e a gente quer ser os melhores do Brasil, eu quero estar crescendo junto com eles [indústrias] (FORNECEDOR 1).

O que eu acho mais importante pra minha vida, pra minha serraria, é essa amizade que a gente tem aqui, essa união, de faltar um material a outra pessoa arranjar, da gente querer comprar uma coisa e ligar pro outro, [...] a gente tem essa interatividade um com o outro de tanto passar um preço melhor, como também de emprestar material (EMPREENDEDOR INFORMAL 5).

A gente vê que cada região tem um nicho, e o nosso é um nicho muito bom que são móveis. Tem uns que é bordado, outros é rede [de dormir], e a gente percebe que o nosso é um nicho melhor (CLIENTE 2).

Pelo estudo da identidade, pôde-se observar nos discursos um apego ao local, um sentimento de pertença dos atores ao arranjo, verdadeira paixão pelo espaço que ocupam. No estudo do capital social, este sentimento é importante por vincular o indivíduo ao seu meio, fortalecendo a identidade local. Também a identidade está diretamente relacionada ao conceito de “empoderamento” (elemento estrutural, discutido em tópico específico mais adiante), sendo este derivado daquela, ou seja, o “empoderamento” aumenta na medida em que os atores ampliam sua identidade social.

Percebe-se aqui que o “empoderamento” está diretamente relacionado ao conceito de desenvolvimento local estudado no capítulo 3. Neste ponto, o capital social cognitivo, através da identidade social do indivíduo, encontra-se com o desenvolvimento local, proporcionado pelo “empoderamento” deste indivíduo, na medida em que o acesso a recursos permite ao sujeito renegociar as suas formas de inserção social.

Os componentes do capital social cognitivo tornam os indivíduos mais predispostos ao comportamento cooperativo, pois, na medida em que são amplamente compartilhados, tornam a cooperação mais provável. Assim, valores, atitudes e identidade, que constituem a dimensão cognitiva do capital social, são os elementos que dão racionalidade à ação coletiva. Da mesma forma a confiança é reforçada, uma vez que ela se apresenta como um dos principais valores percebidos nas relações entre os atores.