6. Teatro do Oprimido e Empowerment: Apresentação dos resultados 59
6.1. Dando Voz aos Jovens – Percepções dos atores 59
6.1.2. Dimensão de Análise Comunitária: “Fazer pensar” e mudanças na
Falámos nos indicadores que os jovens referiram como sendo contributos para o seu próprio desenvolvimento, bem como dos seus colegas atores dos grupos, sendo que neste ponto iremos focar o que consideram que passam ao outro, ao espect-‐ator e à comunidade. Não obstante, todos estes indicadores, são indicadores que referem também existir numa perspectiva individual e grupal, ou seja, neles próprios e nos colegas atores do seu grupo.
Relativamente aos indicadores encontrados no discurso dos jovens que se ligam com a dimensão comunitária encontramos a questão do estímulo do pensamento e questionamento. Referem que as questões que colocam, ainda que sem darem respostas ou conselhos ficam na cabeça das pessoas e que as fazem pensar.
68 “(…) por exemplo, na questão do teatro de género – ‘um rapaz não pode brincar com bonecas’ (...) Quem é que disse que não podia? (...) Porque é que a minha mãe me dizia? E porque é que eu disse ao meu filho? (...) E são obrigados a pensar nessa questão (...)” (Entrev. 1).
Ou seja, tanto em mim como no grupo eu sou incentivado e estimulado a pensar e a questionar-‐me sobre as coisas com os exercícios e as peças teatrais que relatam realidades, mas esta dimensão não é apenas individual e grupal uma vez que isto, quando se passa para um espetáculo na comunidade, também envolve capacidade de se influenciar o outro e colocar o outro a pensar.
“Não é uma coisa de ver, bater palmas e ir embora, é uma coisa de ver, refletir e tentar agir sobre o problema. Tentar fazer alguma coisa para mudar” (Entrev. 2).
Seis dos 8 jovens referem espontaneamente este indicador de empowerment. Nas peças que assistimos de facto existe uma preocupação em não dar opiniões, mas colocar as pessoas a pensar e a dialogar.
“No outro dia ia a passar na rua e abordaram-‐me: ‘Tu és aquela rapariga do grupo X?’ A pessoa agradeceu imenso porque foi ver um espetáculo e disse que nós lhe demos força para lutar contra muitas opressões com que ela vivia, e isso fez-‐me pensar: Ok, se calhar o nosso trabalho resulta mesmo (...) as pessoas estão a refletir, e sim, consciencializa muito as pessoas, tenho praticamente a certeza” (Entrev. 3).
Já referimos que Boal considerava que a forma para chegar à conscientização seria esta reflexão e diálogo. O diálogo tiraria o povo e oprimidos de uma certa alienação e fá-‐los-‐ia ganhar um papel ativo na sociedade.
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levam então para a questão da consciencialização e conscientização. Ou seja, não só uma tomada de consciência de si, do que os rodeia, da sua situação, como também um acréscimo de conhecimento e informação e uma capacidade de alterar algo pessoal grupal/comunitário. Todos os 8 jovens entrevistados referiram esta questão da consciencialização e conscientização.
“Muita gente não tinha consciência que a violência doméstica é um crime público e muita informação não chega aos bairros” (Entrev. 5).
Os grupos de teatro do Oprimido esforçam-‐se por tornar a informação mais acessível, bem como a consciencialização e conscientização. Uma jovem refere que o facto do público participar e dar a sua opinião é diferente e mais interessante do que o teatro onde só se assiste e bate palmas no fim. Foi isto e a questão de ser um teatro que retrata a realidade que a fez motivar e ganhar interesse, bem como mais consciência das desigualdades sociais.
“(...) Há homens que querem aquela mulher que lave, varra, limpe, etc. e há mulheres que não querem isso, querem ser independentes, não querem que nenhum homem mande nelas. Acontece muito hoje em dia mas acontecia mais antigamente, a mulher tinha de casar e ficava em casa. A mulher não tem os mesmos direitos que o homem tem” (Entrev. 8).
Através do espetáculo “Sonhos de Papel” (criado em 2012), que é no fundo, um incentivo ao diálogo, com o objetivo de se encontrar ideias e soluções para combater a questão dos estrangeiros nascidos em Portugal terem direito apenas a autorizações de residência temporária, em 2013, os DRK utilizaram o Teatro Legislativo, tendo surgido a petição “Sou Cidadão! Sou Cidadã! Acredito!” que pretende recolher assinaturas para propor a mudança da lei da Nacionalidade e /ou Lei da Entrada, Permanência e Saída de território português bem como lançar um debate Nacional sobre o tema dos Direitos para os filhos e filhas de imigrantes nascidos em Portugal.
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Um jovem refere que considera o Teatro do Oprimido uma metodologia que transforma as pessoas e conscientiza para as coisas do dia a dia. Refere que promove a capacidade de se descruzar os braços e fazer alguma coisa com a comunidade, abrindo os olhos para os problemas da mesma, como por exemplo a documentação.
“Se não insistirmos, a informação não chega ao bairro. As pessoas que trabalham nesses serviços têm o dever e o direito de nos passar a informação, senão as pessoas vão continuar a pagar coisas que podiam não pagar” (Entrev. 5).
Com isto o entrevistado queria referir-‐se a que existe a possibilidade de pedir apoio económico/jurídico para pagamento das despesas de emissão de documentos, no caso de famílias com insuficiência económica. Muitas das pessoas não sabem desta situação, ou têm dificuldade em contornar a burocracia, como eu própria já verifiquei na minha prática profissional.
“Estamos num nível em que queremos mexer na comunidade e que, por exemplo, agora queremos que as pessoas saibam tratar da documentação (cabo-‐verdianos, guineenses, brasileiros, etc.)” (Entrev. 5).
De salientar que em relação à questão da documentação o grupo DRK se encontra a trabalhar com um realizador, para fazerem um filme de modo a transmitir melhor às pessoas como resolver a questão da sua documentação. Uma das questões que falei com um dos jovens entrevistados antes de iniciar a entrevista gravada, foi exatamente a questão do ensinar a fazer. Mostrar como se faz às pessoas para que estas não peçam sempre para fazerem por elas. O objetivo do teatro do oprimido é também autonomizar, educar para a autonomia, tal como a intervenção social.
Ainda neste contexto, outro dos objetivos/indicadores de empowerment do Teatro do Oprimido é a capacidade de união para resolver problemas comuns, ou seja a ideia de
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todos se juntarem para resolver problemas da comunidade, que muitas vezes não se tinham sequer pensado.
“O teatro do Oprimido é diferente, é mais todos juntos, para um só problema e uma resolução. É mais completo. (…) é divulgar os problemas e tentar arranjar uma solução” (Entrev. 2).
Seis dos 8 jovens referiram indiretamente esta situação.
Um dos jovens refere que o 1º espetáculo que deu falava da discriminação racial e estigma de bairro e tudo isso saiu do grupo por terem a necessidade de falar disso, de debater esses temas.
Relativamente a mudanças efetivas na comunidade ou bairro, exceptuando um jovem que referiremos de seguida, do grupo mais antigo, a grande maioria refere que não encontra ou que é difícil apontar coisas específicas e que as mudanças são ténues ou de difícil avaliação.
“Sinto grandes mudanças no bairro. Nós vemos as mudanças porque as pessoas voltam para ver os espetáculos. Fizemos um espetáculo uma semana e as pessoas voltavam para trazer ideias e tentar mudar, porque as situações em palco são situações reais para elas“ (Entrev. 5).
“Mudaria se nós fizéssemos mais coisas aqui dentro”. (Entrev. 1)
“Sinto algumas mas são tão ténues que nós temos sempre aquela ambição de que podemos fazer mais e melhor (…)” (Entrev. 3)
A jovem da entrevista 4 refere que nota uma maior evolução comunitária e mais mudanças em outros bairros, do que no seu próprio, também devido ao facto de não terem conseguido, até à data, fazer muitas apresentações para a mesma. Contudo refere uma questão interessante e importante que é o trabalho desenvolvido com as
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escolas da comunidade. Refere que após um período de alguma renitência por parte dos jovens, por serem duas jovens mulheres do bairro, as experiências foram muito positivas com algumas turmas, nomeadamente com uma turma CEF (Curso de Formação e Educação de Jovens) associadas a jovens considerados complicados ou problemáticos.
“Das primeiras sessões até aos dias de hoje foi uma conquista enorme, aqueles jovens hoje olham para nós com admiração e um dia também querem ser como nós e fazer isto connosco por sentirem que o que os ensinamos é importante. (…) Eles não dizem que mudam a atitude porque não é de um dia para o outro mas que já começam a refletir sobre determinadas coisas que realmente acontecem e que eles já não acham assim tão normal. (…) Eu acho que isto sem dúvida muda muito, vai fazendo mudança a mudança” (Entrev. 4).